PARTE I - EXPOSIÇÃO E DEBATE
VIII - Novas incoerências e contradições
Continuando a sua análise ao Parecer das Comissões da Câmara,
volta o sr. Saturnino de Brito a tratar da competência da Municipalidade quanto à construção do cais. Já então s.s. não repete as tolices que
escreveu a respeito, no ofício de dezembro de 1910, vencido pela argumentação decisiva daquele Parecer: concorda que a Câmara não pode chamar a si a
execução de tais obras, que cabem na alçada do Governo Federal. Mas, pensando sair-se airosamente da situação, cai numa tolice ainda mais graúda.
Diz s.s. que, quando acusou a Municipalidade de Santos por não ter feito as obras do cais, que lhe competiam, quis apenas referir-se a um "cais
comum, que a Municipalidade não cogitou de executar".
Ora, muito bem: já s.s. concorda que o cais, reclamado imperiosamente no seu infeliz ofício de
1910, não é o mesmo cais a que alude a notável série de seus sensacionais artigos de 1914. Argumentemos, portanto, com a preciosa matéria de seus
próprios argumentos.
O atual cais de Santos começou, em virtude de concessão do Império, a construir-se em julho de
1889, antes da proclamação da República. Nesse tempo, as municipalidades brasileiras, conforme temos dito (também poderíamos dizer - doutrinado
-) e repetido várias vezes, e todo o mundo sabe, não tinham autonomia, nem sequer para decretar seus orçamentos e suas Posturas, sem prévia licença
e aprovação dos altos poderes provinciais.
A renda de Santos, naquele período de nossa vida política, graças ao regime centralizador, que
tudo absorvia, não dava mesmo para atender às mais comezinhas necessidades da Administração local. Santos era uma cidade preta, imunda, esburacada,
pestilencial, abafadiça, quase inabitável.
As acusações do sr. Saturnino de Brito recairão, pois, sobre essas remotas municipalidades, que
não dispunham de parcela algum de autonomia e nem de recursos para prover às despesas mais elementares? Acusará o sr. Saturnino de Brito as câmaras
municipais do tempo da Monarquia, por que não fizeram obras que a organização política daquele regime reservava especialmente à competência do
Governo Geral?
Acreditamos que não, pois não é crível que, aa propósito de suas polêmicas e lutas com as
municipalidades contemporâneas, s.s. ataque desvairadamente corporações administrativas, cujas restritas funções governamentais se extinguiram com o
regime que as originou.
É fora de toda a dúvida que o ilustrado engenheiro-chefe refere-se às administrações surgidas da
República, quiçá à Câmara de 1905, que cita nominalmente em seu nunca assaz decantado ofício de 1910, e, talvez, apesar de seus reiterados protestos
em contrário, às que o Partido Municipal instalou em Santos, com o concurso do povo, desde 1907.
Que se refira a estas ou àquelas particularmente, pouco importa: o que importa é saber que ele se
refere às Câmaras autonômicas, surgidas da implantação da República para cá. É a elas que o sr. Saturnino de Brito acusa, com teimosa veemência, de
não terem construído um cais comum, como lhes competia.
Muito bem: mas, se desde o tempo da Monarquia, se desde o mês de julho de 1889, a empresa
concessionária estava construindo o cais atual - onde queria o sr. Saturnino de Brito que a Municipalidade construísse o cais comum que s.s.
reclama com insistência? Em cima do cais atual? Por baixo? A seu lado? Ou suspenso nos ares, como uma nova maravilha mundial? Eis o que esperamos,
com legítima ansiedade, que o prestigioso chefe do Saneamento nos responda com clareza, sem escapatórias, sem sofismas.
Trata em seguida, s.s. do plano da Vila Ablas, que foi feito, com arruamentos e divisões de lotes,
de acordo, ao mesmo tempo, com a Câmara, com a proprietária e com a Comissão de Saneamento. Mas não é menos verdade que quando foi aprovado tal
plano, e uma lei especial concedeu favores à proprietária dos terrenos, esta cogitava de fundar uma vila, dentro das exigências técnicas,
estéticas, sanitárias e econômicas daquele plano.
Mais tarde, ela resolveu não mais edificar a vila e vender os seus terrenos a diversos. Podia a
Câmara obrigar os novos proprietários, de lotes parciais, a respeitar os compromissos tomados, perante ela, pela primitiva possuidora? Evidentemente
- não. s obrigações, versando sobre direitos patrimoniais, tanto onerosas como beneficiárias, não afetam direitos de terceiro.
No caso ocorrente, então, acrescia a circunstância de que os terrenos foram transferidos sem ônus
de espécie alguma. Ouvido o seu criterioso e competente consultor jurídico, em cuja opinião se louvou com acerto, a Municipalidade anulou o que
fizera, desfazendo os compromissos tomados de parte a parte e respeitando os direitos incontestáveis dos novos possuidores da Vila Ablas.
Mas o dr. Saturnino de Brito, que tem, sobre a propriedade particular, opiniões de anarquista,
estomagou-se com a resolução da Câmara, por que não obrigou os novos donos a cumprir as obrigações contraídas, em dado caso, pela primitiva
proprietária.
A Câmara, aliás, andou muito bem, porque o plano da Vila Ablas era mais um disparate profissional
a acrescentar aos outros que, trazidos pouco a pouco a público, irão derrocando sem esforço a já periclitante capacidade técnica do sr. Saturnino de
Brito.
Efetivamente, o plano de construção da Vila Ablas só foi adotado pelo poder municipal depois de
ter sido aprovado pela Comissão de Saneamento, em cuja competência a Câmara se baseou. Pois bem: em virtude das disposições do dito plano, foi
estabelecido, de acordo com aquela Comissão, que não se construiria em cada lote mais de uma casa, nem seriam permitidas edificações em terrenos com
largura inferior a 10 metros.
Pois o plano que, segundo confessa o sr. Saturnino de Brito, foi feito, com arruamentos e
divisões em lotes, de acordo com a Comissão de que s.s. é chefe - tinha lotes com 9 metros,
como consta da planta e documentos arquivados na Municipalidade e que podem a qualquer hora ser verificados por quem assim o entender! E acha o
desastrado engenheiro que a Câmara, que o viu fracassar no modesto plano de uma simples vila, deve, sem detido, severo e rigoroso exame, adotar a
planta geral de Santos, que s.s. confeccionou contra as regras admitidas pelos competentes para trabalhos dessa natureza!
Termina o dr. Saturnino de Brito o seu terceiro artigo, com um pequeno capítulo, intitulado
Conclusão, composto em vistoso título preto, caractere normando. E escreve: "Ponho
termo à resposta que me cumpre dar". Mas, daí a pouco, alguns períodos abaixo, acrescenta:
"Em outros artigos, apresentarei algumas obsearvações."
E, após a sua assinatura, lê-se, entre parêntesis: Continua.
De maneira que, logo depois da conclusão final, com a declaração solene de ter posto termo à
resposta, o sr. Saturnino anuncia que vai continuar, e, de fato, escreve mais cinco longos artigos, intermináveis como as ruas retas de sua planta
geral. Não terá acudido ao espírito do leitor, com magoado espanto, o terrível diagnóstico de Augusto Comte, a que nos referimos nos precedentes
artigos?
O terceiro artigo da série está minuciosamente escalpelado. O quarto, que é apenas a transcrição
do ofício de dezembro de 1910, já está respondido pelas nossas considerações anteriores. Vamos encetar agora a apreciação do quinto artigo.
Imagem: reprodução parcial da obra de
Alberto Sousa (página 59) |