HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
A verdade, apenas a verdade
Olao Rodrigues (*)
A Tribuna foi a maior
escola de minha vida. Foi em sua Redação que formei meu espírito de Jornalista. A verdade - só a verdade - era seu item número um. Nunca se escrevia
por ouvir dizer.
O Secretário, sempre de cara amarrada, ranzinza - o Otávio Veiga - era um senhor mestre. Honesto, imparcial,
sensato, competente e idôneo.
- Essa notícia está certa? A fonte é exata? Veja lá, este jornal só divulga a verdade. Não faz retificação.
- Pode confiar, chefe.
A despeito das mil e uma advertências do Veiga, certa noite surgiu na Redação um sujeito simples, que exibiu ao
Secretário pequena notícia de falecimento.
- Que quer com essa nota?
- Quero uma retificação. Como vê, doutor, ainda não morri. Estou vivinho como nasci. Pior que, ao invés de me
abraçarem pela ressurreição, os colegas me tiraram o sarro. A gozação foi geral.
- Infelizmente, meu patrício, o jornal nada pode fazer.
- Como, doutor. Então, os senhores me matam e se negam a uma retificação?
Otávio Veiga coçou a cabeça, enfarruscou a cara para o redivivo e chamou o cozinheiro da Redação:
- Seu Merlim. Leve esse cidadão diante da sua mesa e faça uma notícia de nascimento.
E olhando firme para a vítima:
- É a única maneira de atendê-lo...
(*) Olao Rodrigues, jornalista, incluiu essa história em seu livro
Santos de Pijama, publicado post-mortem em 1981/2 na Gráfica A Tribuna, de Santos/SP.
Cozinha é a expressão usada pelos jornalistas para designar o preparo de uma notícia a partir de informações
já disponíveis na redação, sem a necessidade de sair buscando informações extras. Como quando o jornal recebe um texto e precisa colocá-lo em formato
jornalístico, para publicação. Daí, cozinheiro é o profissional escalado para essa função.
Em outra obra, História da Imprensa de Santos, o mesmo autor esclarece: o citado Merlim era Benedito
Merlim, que cozinhava o movimento social. |