Imagem: transcrição parcial da matéria
original
O poeta Jânio Quadros
Hoje, data da fundação de São Paulo de Piratininga, chama-nos a atenção essa coincidência
histórica, que denuncia uma espécie de interferência sobrenatural nos destinos da terra bandeirante: a passagem do aniversário do governador Jânio
Quadros. Matogrossense de nascimento, essa figura esguia e magra, que ocupa os Campos Elíseos, tem sido objeto das mais desencontradas opiniões
desde quando, pela vontade popular, em pleno VI Centenário (N.E.: IV e não VI),
passou a conduzir o destino de todos os paulistas.
O candidato Jânio Quadros, orador fluente, dotado de amplos recursos de cativar as massas, usando
métodos teatrais para impressionar as multidões, jamais deixou transparecer, de leve que fosse, o governador em que viria se transformar,
profundamente sério, austero, rigoroso.
Mas, antes mesmo de se tornar o estadista de surpreendentes qualidades de comando e de tamanha
capacidade de trabalho, o sr. Jânio Quadros foi estudante de Direito, teve dezoito anos e, inevitavelmente, foi poeta.
Neste seu aniversário, que coincide com a máxima data histórica de São Paulo, publicamos, para o
conhecimento de seus governados de hoje, um dos seus poemas e um dos seus sonetos. O primeiro é uma ode à Bandeira de Fernão Dias. O segundo,
chamado Mestiço, tem boas qualidades poéticas, grande dose de emoção e, o que é absolutamente principal, o amor ardente do moço de dezoito
anos pela terra que viria a governar no seu IV Centenário.
Bandeira de Fernão Dias
Bandeira de audácia que avança e esvoaça
perdida na mata, varando o sertão...
... descendo a monção...
São homens hirsutos, barbudos e fortes
cortando de cortes
o dorso da serra;
riscando de riscos
a face da terra,
na santa cobiça das pedras que a sorte
converte à sua morte
na pátria maior.
Murmúrios estranhos na selva sombria...
São índios e feras da terra gentia...
E o medo glorioso do forte que teme
no peito que freme
sinistra tocaia...
Machado que desce, madeira que estala
na mata que
fala...
E segue a bandeira na trilha temível,
zombando da morte
qual força que
avança
Na rota risonha da grande esperança...
A longa jornada...
Imensa nação que nos foi revelada,
do sonho sublime do grande Fernão,
A marcha na mata da grande ilusão...
Miragem que insufla nos peitos robustos
em dores e sustos
a fé no amanhã...
A nova esperança que teima em ser vã...
E a noite que
desce
na mata parece
ao homem atento,
trazer ameaças no sopro do vento.
A mão do caboclo que busca a espingarda
contrai-se e treme no cano gelado,
sentindo o perigo soturno e velado.
Bandeira que passa
cingindo com louros a fronte da raça...
Marcando nas trilhas a estrada de glória
de gente da
história,
do nosso Brasil...
buscando na fralda
da serra, a
esmeralda,
da
"santa-ambição..."
Criando à
passagem,
gigante selvagem,
a pátria nascida do imenso sertão.
Mestiço
É a história da raça; - o peito freme
à lembrança da marcha nas picadas...
E chora no meu 'eu' que anseia e geme
O cativo saudoso das congadas!
Há medos no meu 'eu' que anseia e treme,
Há soluços e pragas sufocadas,
eu sinto em mim o sangue de um Paes Leme,
eu sinto em mim a fome das estradas!
Eu sinto em mim a guerra aniquilante
movida pelo sangue bandeirante
À mansuetude do africano, à calma.
E choro no silêncio percebendo
que vou passar a vida recolhendo
destroços do meu corpo e da minh'alma!
|