Logo após as primeiras transmissões radiofônicas experimentais realizadas no Rio de Janeiro e São Paulo, começaram a surgir as emissoras de rádio. A primazia é do Rio de Janeiro, mas
um dos primeiros lugares pertence a Santos, com sua Rádio Clube, tão ligada à história da cidade que uma de suas antenas, na Zona Noroeste da cidade, acabou dando nome a um bairro - e, em janeiro de 2002, o local onde ela se encontrava foi
desapropriado pela Prefeitura, para a ampliação de um conjunto habitacional.
Padre Landell de Moura, o inventor (brasileiro) do rádio Inventor do rádio - Até o padre gaúcho Roberto Landell de Moura (nascido em 21/1/1861 e falecido em 30/6/1928),
residiu por algum tempo em Santos (de 1896 a 1898), tratando de questões relativas ao seu invento, ao mesmo tempo em que exercia o sacerdócio.
O padre brasileiro deve ser considerado o verdadeiro inventor do rádio, pois fez a primeira transmissão de rádio em 1892 em Campinas/SP, repetindo-a em 1894 na capital paulista - um ano antes do italiano
Guglielmo Marconi, que só demonstrou sua descoberta em 1895. Lamentavelmente, como outros brasileiros ilustres, em vez de receber incentivos passou a ser fortemente perseguido, até como bruxo e herege - ao ponto de sua casa em São Paulo ser incendiada
com todos os seus inventos, num momento em que administrava, em outro local, a extrema unção a um moribundo.
Só em 11/10/1904, depois de muitas dificuldades, obteve a patente estadunidense 771.917 para o transmissor de ondas, seguindo-se em 22/10/1904 as do telefone sem fio (775.337) e do telégrafo sem fio (775.846). E
nem assim o governo brasileiro (do então presidente Rodrigues Alves) passou a respeitar o ilustre inventor, tratando-o como se fosse um maluco qualquer...
Um dos pioneiros - Mesmo com o atraso provocado pela incompreensão do invento do padre Landell de Moura - que poderia ter dado ao Brasil a primazia nas transmissões, o Brasil foi um dos primeiros países do
mundo a contar com transmissões de rádio regulares.
Se em 2/11/1920 ia ao ar a primeira estação de radiofusão nos EUA (a KDKA Pittsburg, que em 1923 faria também a primeira emissão radiofônica transatlântica); em 1921 o emissor da Torre Eiffel, em Paris, faz a
primeira transmissão ao vivo de um evento esportivo (uma luta de boxe); em 7/9/1922 era feita a primeira transmissão experimental em grande escala no Brasil, na Exposição do Centenário da Independência, em São Cristóvão, no Rio de Janeiro, e em
22/9/1923 Roquette Pinto criava a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. No Recife, já em 6/4/1919 era fundada a Rádio Clube de Pernambuco, que começou a irradiar regularmente em fevereiro de 1923, tornando-se
assim a primeira emissora do Brasil.
Ao mesmo tempo, era em 1923 testado em Santos o primeiro receptor de rádio fabricado localmente, e com tal sucesso que no ano seguinte, 1924, já entrava no ar experimentalmente a primeira emissora santista, a Rádio
Clube de Santos (que só seria oficialmente inaugurada em 4 de abril de 1925).
A lista das primeiras emissoras inauguradas no Brasil, iniciando com a Rádio Clube de Pernambuco em fevereiro de 1923 e a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro (depois Rádio Ministério da Educação) em 22/9/1923, inclui
nomes como a Radio Educadora Paulista (a "Bandeirantes", em 30/11/1923), Rádio Clube de Ribeirão Preto/SP (23/12/1924 em AM e 10/5/1938 como primeira em ondas curtas no Brasil), Rádio Sociedade Rio-Grandense (Porto Alegre/RS, de 1924 a 1925), Rádio
Sociedade Pelotense (de Pelotas/RS, em 25/8/1925), Rádio Hertz de Franca (8/4/1927), Rádio Cruzeiro do Sul (iniciando operações em 6/10/1927) e outras.
A Rádio Clube santista foi assim a primeira instalada no litoral paulista e uma das primeiras no Brasil. E, nos anos seguintes, já era possível acompanhar pelos anúncios diários na imprensa local a programação da
emissora, com audições de discos ofertados por lojas santistas e várias apresentações especiais "ao vivo", em ondas de 430 metros, 50 watts, desde as instalações no Miramar.
'Carta' (tela) de ajuste de recepção da TV Tupy TV - Pelo porto de Santos foram desembarcados muitos dos equipamentos pioneiros para emissoras de rádio e
televisão no Brasil. Por exemplo, em 25/3/1950, um seleto grupo - entre os participantes, a apresentadora de TV Hebe Camargo - esteve em Santos para receber no porto os equipamentos da primeira rede de televisão brasileira, a TV Tupy (que inauguraria
as transmissões da televisão brasileira, em 18/9/1950).
E o papa não morreu ainda... - Uma divertida história dos tempos em que as rádios competiam ferozmente pela primazia de noticiar os fatos é contada pelo radialista Reynaldo C. Tavares, em seu livro
Histórias que o rádio não contou (1997, Negócio Editora Ltda., São Paulo/SP):
O Papa Pio XII (Eugênio Pacelli), que se elegera chefe supremo da Igreja Católica em 1939, dezenove anos após, ou seja, em 1958, encontrava-se muito mal de saúde.
A divisão de radiojornalismo da Rádio Bandeirantes de São Paulo PRH-9, que era comandada por Alexandre Kadunc, preparou um programete antecipado, com a biografia, crônica e nota do falecimento,
no aguardo da notícia fúnebre do Vaticano. Numa quarta-feira à tarde, o teletipo da France Press tilintou urgente: "Cidade do Vaticano. O papa Pio XII acaba de..."
O redator de plantão, Moacyr Fernandes, nem esperou o fim da transmissão. Correu para o estúdio, providenciou a vinheta para a notícia extraordinária e a fita foi para o ar. Acontece que o
telegrama integral da FP dizia: "O Papa Pio XII acaba de entrar... em profundo coma". Moacyr, atarantado, ligou para o estúdio, determinou a interrupção da homenagem póstuma ao Pontífice e solicitou ao locutor Lourival Pacheco que desse
alguma explicação aos ouvintes. Este, impassível, lascou no ar: "- Lamentamos informar que o Papa ainda não morreu..."
Quem conseguiu captar primeiro e transmitir em "furo de reportagem" o desaparecimento do Sumo Pontífice foi o repórter Nemésio Prado, pelas ondas da PRB-4 Rádio Clube de Santos, na ocasião
pertencente à Organização Victor Costa.
Outra história de Reynaldo Tavares, no mesmo livro:
No dia 12 de outubro de 1931, exatamente às 19h15, em Gênova, Itália, na estação radiotelegráfica do Iate Electra, o físico italiano Guglielmo Marconi acionou uma minúscula chave de
onda eletromagnética, que iluminou do outro lado do Atlântico, no Rio de Janeiro, Brasil, no bairro das Laranjeiras, a Estátua do Cristo Redentor no Corcovado, dando-a como inaugurada...
Na antiga capital federal, as festividades iniciaram-se simultaneamente com as da estação radiotelegráfica do Iate Electra, e no Brasil foram prestigiadas pelo presidente da República, sr. Getúlio Vargas, pelo cardeal do
Distrito Federal, Dom Sebastião Leme, e centenas de convidados, autoridades, turistas e o povo em geral, que assistiram emocionados aquele importante acontecimento...
(...) O pitoresco, nisso tudo, é que quando o sábio italiano acionou a chave eletromagnética em Gênova, esta não funcionou, deixando as autoridades e convidados presentes atônitos. Foi um oh!
de decepção. Marconi havia anunciado que o Rio de Janeiro ficaria totalmente às escuras por 60 segundos, para que a iluminação do Cristo Redentor se refletisse de forma esplendorosa, despontando como o único ponto de luz na antiga capital da
República... Somente após o célebre jeitinho brasileiro e acertadas as arestas é que a estátua foi totalmente iluminada e as cerimônias puderam ser realizadas sob os aplausos delirantes da multidão presente...
Mesmo com as limitações da época, o rádio acompanhou tudo, levando aos lares de toda a Baixada Paulista, desde o Rio de Janeiro e cercanias, na voz do locutor José Antônio
de Menezes, pelas ondas da Rádio Clube de Santos - PRB-4, em cadeia com a emissora do signo das estrelas, PRA-X Rádio Philips do Brasil, todos os detalhes daquele evento.
Gagliano Neto transmitiu em rede de rádio a 3ª Copa do Mundo, também para Santos
Copa - A primeira transmissão esportiva em rede
nacional foi realizada pelas rádios Cruzeiro do Sul do Rio de Janeiro - PRD-2, Cruzeiro do Sul de São Paulo - PRB-6 e Clube de Santos - SP - PRB-4, que, comandadas pela Rádio Clube do Brasil do Rio de Janeiro - PRA-3, fizeram a cobertura do
campeonato mundial de futebol de 1938, realizado em Marselha, na França.
O autor dessa façanha foi o paulista Leonardo Gagliano Neto, titular do departamento de esportes da PRA-3 - Rádio Clube do Brasil do Rio de Janeiro (antigo Distrito Federal), que, com suas
limitações técnicas da época, transmitiu tudinho para o público radiouvinte de todo o País.
(...) Aquelas irradiações, realizadas por meio de uma linha telefônica, nem sempre chegavam aos receptores espalhados pelos quatro pontos do País com a mesma clareza e a mesma
fidelidade que a eletrônica desenvolveu na atualidade, quando essas irradiações são feitas via satélite em som estéreo Hi-Fi.
Em 1938, vivíamos a gloriosa fase dos receptores alcunhados de Rádio Capelinha (pelo seu formato), dos rádios de válvulas que no máximo captavam ondas médias (daí a terminologia OM) e ondas
curtas. Assim mesmo, Gagliano Neto, com sua voz possante e pausada, imortalizou-se na história da nossa radiofonia.
Anúncio de importante loja de rádios em Santos, publicado no Guia dos Veranistas - 1950
Carnaval - O cronista Bandeira Júnior relatou, no livro História do Carnaval Santista (1974, Gráfica A Tribuna, Santos/SP):
Radiotelefonia
Atualmente há queixas, mormente dos compositores, de que as emissoras de rádio se negam a transmitir músicas de carnaval. Entretanto, há alguns anos o rádio
representava papel importante na folia nacional: era ele quem preparava o ambiente da grande festa.
Recorda-se que, já em 1926, a Rádio Clube de Santos (...) punha o microfone à disposição dos conjuntos carnavalescos, que lá se quisessem exibir, e isto constituía uma inovação, pois ainda não havia programas ao
vivo.
A partir do carnaval de 1935, a Sociedade Rádio Atlântica, recém-fundada, tomou conta da folia, dando-lhe, com sua operosidade, nova feição. À Voz do Mar devem-se grandes iniciativas: criação do Rei Momo em
carne e osso, concursos pré-carnavalescos; a presença de consagrados artistas (Carmem Miranda, Aurora Miranda, Francisco Alves, Sílvio Caldas, Vassourinha, João Petra de Barros, Almirante, Trio de Ouro, Bando da Lua, Custódio Mesquita etc.) em
nossa cidade.
Ainda em 1937, a G-5 fez realizar, no antigo Miramar (transformado em Iate dos Piratas), grandes bailes de carnaval, animados pelo seu cast artístico, do qual destacamos os cantores Gomes Costa e Corina,
então a Rainha do Rádio.
Com a visualização da TV, a radiotelefonia perdeu muito como veículo de comunicação; mesmo assim, para a parcela menos favorecida da população, ainda mantém vínculo positivo.
Rádio a cristal de galena, de 1922
Foto: História da Vida Privada no Brasil, volume 3, 1998, Cia. das Letras, São Paulo/SP
Em seu livro Imagens de um Mundo Submerso (Volume I, 1995, Editora Universitária Leopoldianum, Santos/SP), o cronista Nelson Salasar Marques contou:
Santos era cidade conversadeira. Falar o indivíduo em qualquer lugar que estivesse era necessidade premente. Conversava-se nos bondes, nos seus pontos de parada, ao redor das bancas de
jornais. Depois das cinco da tarde iam todos para as calçadas em frente de suas casas e as conversas se esticavam.
(...) Mas coisa extraordinária! De uma hora para outra esses
grupos nas calçadas foram se rarefazendo e as cadeiras desaparecendo. Ali por volta de 1942 já não se viam cadeiras ao longo dos passeios do Macuco: eram as novelas radiofônicas que chegavam com a sua força devastadora atraindo para junto da caixa
de madeira do receptor jovens e velhos. As novelas radiofônicas esvaziaram as ruas de Santos e impuseram um padrão novo de comportamento. Visitas depois do jantar, nem pensar; saídas noturnas reduzidas ao máximo. Aquilo era novidade danada!
A família reunida, em silêncio, junto ao aparelho: hábito que começou com o rádio, continuou com a TV
Diálogos rápidos concatenados em tramas amorosas e cheias de
aventuras, tudo em língua portuguesa e ao contrário das fitas de cinema, ao alcance de qualquer um, mesmo analfabetos. De São Paulo chegava-nos o teatro Manuel Durães; aos sábados à noite o Cinema em Casa, de Walter Jorge Durst.
A Rádio Atlântica e Rádio Clube de Santos logo criaram grupos de teatro de altíssimo nível. Áurea Domingues, Nena Nascimento, Roberto Mauá, Arnaldo Gonçalves, Antônio Nascimento, Armando Rosas,
Vicente Leporace, Bereny Camargo, Iracema Gomes. Nomes de novelas chegam-me daquele passado remoto: "Lá Onde Florescem os Cafezais", "A Garota do Flamengo", "Gisela, a Condessa do Império". Depois viria o "Direito de Nascer",
dramalhão mexicano, com Mamãe Dolores e Albertinho Limonta, e que iria criar escola na futura TV brasileira.
A mudança de hábitos foi completa. Ao terminar a Hora do Brasil, todos se achegavam ao rádio em semi-círculos ou se amontoavam pelo chão... as luzes eram apagadas e por fora as casas
pareciam túmulos... as bocas se fechavam e os olhos se arregalavam. As moças criavam as suas imagens idílicas e os seus príncipes encantados a partir daquelas vozes açucaradas que saíam do alto-falante. A novela radiofônica impôs a todos a tirania
do silêncio. Ousasse alguém levantar a voz ou fazer um ruído mais forte e já era fulminado por muitos olhos. A rua toda silenciava.
Elenco de um dos primeiros programas humorísticos do rádio brasileiro, A Voz do Mangue, que era apresentado no início da década de 1930 pela PRB-4 Rádio Clube de Santos. Da esquerda para a
direita, em pé, José de Barros Pimentel, Nelson Boturão, José Luiz Lopes (Dito) e Odil Joppert; sentados, Querubim Corrêa, Neide Sá e José Teixeira (Coronel Juvêncio Picafumo)
Foto incluída no livro Histórias que o Rádio Não Contou, de Reynaldo C. Tavares
Jovino de Melo - Contou o pesquisador e jornalista Olao Rodrigues, em sua obra Veja Santos! (2ª edição, 1975, edição do autor, Santos/SP) que "Jovino de Melo foi
o primeiro operador técnico de estação radioemissora de Santos, tendo trabalhado no Rádio Clube e na Rádio Atlântica. Incansável batalhador da Associação dos Radialistas e Publicistas do Estado de São Paulo, além de haver servido ao público desde
os primórdios do Rádio em Santos, orientou vários programas e deu a mão a elementos iniciantes, que se tornaram autênticos valores do radialismo nacional. Apesar de dotado de apreciáveis qualidades técnicas, Jovino de Melo era cidadão extremamente
modesto, preferindo sempre escudar-se no anonimato. Um dos fundadores da Rádio Clube de Santos."
O técnico Jovino de Melo foi o grande precursor da radiofonia santista
Relatou Olao que a lei 2.340, de 30/12/1960, do prefeito municipal engenheiro Sílvio Fernandes Lopes, denominou Jovino
de Melo a Rua Aprovada 536, que virou avenida pela lei 2824, de 24/6/1964, do então prefeito comandante Fernando Ridel.
Mas a homenagem já havia sido proposta pelo projeto de lei 41 de 1959, elaborado pelo vereador Fernando Oliva e aprovado pela Câmara Municipal na sessão de 21/12/1960.
A Avenida Jovino de Melo foi inaugurada em 26/1/1963 pelo prefeito municipal José Gomes (que também foi radialista em Santos).