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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - MONTE SERRAT
A polêmica entrega ao Mosteiro de S.Bento - B

Posse pelos beneditinos foi contestada pelos carmelitas em processo que durou dois séculos
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A questão entre carmelitas e beneditinos se reacendeu no início do século XX: em uma sexta-feira, 28 de novembro de 1914, o jornal santista A Tribuna publicou esta matéria na sua primeira página (ortografia atualizada nesta transcrição):
 


Imagem: reprodução parcial da matéria original

Beneditinos versus carmelitas

Gravíssimo litígio entre frades estrangeiros

Os carmelitas holandeses, do Convento do Carmo, de Santos, aforaram, perpetuamente, por 30$000 anuais, o Monte Serrate, inclusive a veneranda Capela de Nossa Senhora

Os carmelitas excomungados - A questão nas mãos do Núncio Apostólico - Pedido dos beneditinos para citarem os carmelitas no Tribunal Civil - Outros pormenores

Agita-se, atualmente, no foro eclesiástico, uma escandalosa questão entre duas congregações de frades.

Como é sabido, desde tempos antigos os beneditinos são possuidores da Capela de N. Senhora do Monte Serrate, nesta cidade, construída por d. Francisco de Souza em 1610, e doada aos mesmos religiosos por esse governador, bem como os terrenos adjacentes.

Esses terrenos pertenceram a João Baruel e sua mulher, herdeiros de Bartholomeu F. Mourão, de quem o governador Francisco de Souza, por sua vez, foi herdeiro.

Mais tarde, Pedro Cubas, possuidor de grandes terras em Santos, deixou, ao falecer, como seus herdeiros os frades carmelitas.

Estes, escudados nessa doação, quiseram apossar-se do Monte Serrate, alegando serem herdeiros de Pedro Cubas, possuidor desse monte.

Ora, é sabido que Pedro Cubas jamais possuiu terrenos no Monte Serrate.

Esta questão vem debatida desde 1630 até 1868, data em que uma sentença, do dr. juiz de Direito de então, reconheceu os direitos dos beneditinos, contra as pretensões do pároco local e dos carmelitas.

A questão ficou sustada desde 1868 até o dia 7 de outubro de 1910, quando o provincial do Carmo, frei Gregório, holandês, inimigo dos brasileiros, em má fé aforou perpetuamente ao dr. Roberto Cochrane Simonsen os terrenos do Monte Serrate por 30$000 mensais!!!

Nas cláusulas do contrato está escrito que, "por enquanto", a Capela fica respeitada, mas no dia que o dr. Simonsen precisar dos terrenos, poderá apossar-se dos mesmos, inclusive daquele em que está edificada a tradicional e veneranda Capela!

Cumpre notar bem o malicioso "por enquanto" dos carmelitas.

A expressão "por enquanto" quer dizer que o dr. Simonsen pode respeitar o lugar da Capela "agora", porém se, mais tarde, os beneditinos quiserem, como pretendem, reedificá-la, o dr. Simonsen poderá dar ou negar consentimento, exigindo o terreno em que está a Ermida.

Os carmelitas, com a maior má fé, acrescentaram no contrato a cláusula seguinte:

"A Província Carmelitana Fluminense não se responsabilizará pelos danos que resultarem deste contrato".

Aqui, está evidente a má fé: se ela tem certeza que os terrenos lhe pertencem, poderá aforá-los sem que resulte dano algum.

Os frades carmelitanos, porém, assim o fizeram, para, no caso de perder a questão, como é certo perdê-la - não serem obrigados à indenização que, justa e forçosamente, lhes exigirá o dr. Simonsen, assim ludibriado por aqueles religiosos.

Entretanto, os frades carmelitas devem saber que se escaparem da indenização, não escaparão do crime de quem faz contratos com má fé.

Os carmelitas, por esse ato sacrílego, estão sujeitos à "excomunhão maior", reservada Simpliciter ao Papa.

Os beneditinos, segundo informações seguras, recorreram ao Núncio Apostólico, em Petrópolis, enviando-lhe longo requerimento, no qual pedem licença para citar no Tribunal Civil os carmelitas.

Esse requerimento foi acompanhado de todos os documentos e decisões dos juízes, a respeito desta questão secular, sempre ganha pelos beneditinos.

Como se vê, os frades carmelitas holandeses chegaram ao ponto de aforar a Capela do Monte Serrate a profanos.

É incrível semelhante fato!

Necessário se torna que o governo tome sérias providências contra a invasão, cada vez maior, de frades estrangeiros em nossas plagas.

Estes homens não têm espírito religioso e sim o fito da vida cômoda e farta, como aqui levam os carmelitas de Santos, que, não satisfeitos com os 15.000$000 mensais de renda dos seus prédios, com os 500$000 de Capelanias, com as gordas espórtulas das missas cotidianas, ainda querem vender o Monte Serrate, com o fito de enviar o produto dessa odiosa transação para a sua pátria, a Holanda, e com esse numerário fazer imigrarem para o Brasil mais frades holandeses, aumentar, enfim, a comunidade.

São homens os carmelitas, que não fazem a menor esmola nesta terra em que vivem fartamente; não dão uma aula de Catecismo e zelam tanto da igreja, que o soalho da mesma está em perigo iminente.

Não poderá deixar de produzir profundo abalo no ânimo do povo de Santos, sempre religioso, o proceder iníquo dos frades carmelitas holandeses, que, na sua sede de dinheiro, nem a vetusta Capela do Monte Serrate respeitaram, vendendo a terceiros uma coisa que, evidentemente, não lhes pertence.

***

Não precisa o nosso país de frades estrangeiros; tem o clero nacional, sempre tolerante, benquisto e esmoler.

O frade holandês enxovalha o Brasil nos púlpitos de Holanda, pedindo esmolas para os nossos índios; é asserção que se prova com jornais de Holanda e com o testemunho ocular de pessoa aqui residente.

***

Porque disputam os carmelitas holandeses o Monte Serrate?

Será por espírito de sacrifício? Não, mil vezes, não!

Eles querem o Monte Serrate porque é um santuário rico e, com a futura estrada funicular, julgam poder ali adquirir fabulosos lucros.

Os carmelitas poderiam ir para São Sebastião administrar a fazenda que lá possuem.

Por que não o fazem?

Porque essa cidade litorânea é pobre e eles só buscam lugares onde possam ganhar dinheiro.

Passar-se-ão, certamente, para lá, no dia em que esse município da zona marítima do Estado de São Paulo sentir o frêmito do Progresso.

 
No dia seguinte, 29 de novembro de 1914, o jornal santista A Tribuna voltou ao assunto, em sua primeira página (ortografia atualizada nesta transcrição):
 


Imagem: reprodução parcial da matéria original

Beneditinos versus carmelitas

Duas contestações

Falam o procurador da Província Carmelitana e o dr. Roberto Simonsen - A cláusula segunda do contrato e a péssima redação deste - As nossas considerações

A propósito do artigo que ontem publicamos, subordinado ao título "Beneditinos versus carmelitas" e subtítulos diversos, recebemos a seguinte carta do sr. Antenor da Rocha Leite, procurador nesta cidade da Província Carmelitana:

"Sr. Redator d'A Tribuna - Permita-me v. exa. que tome a sua atenção por algum momento, para uma explicação necessária, de forma a convencer a v. exa. como foi mal e perversamente informado com relação ao contrato de aforamento dos terrenos do Monte Serrate, pertencentes à Província Carmelitana Fluminense e cujas informações deram origem ao artigo sob título - 'Beneditinos versus carmelitas' -; e se tomo o precioso tempo de v. exa. para opor desmentido a essas inverdades, é porque não quero que recaia sobre os frades carmelitas, residentes nesta cidade, a odiosidade de atos que eles não praticaram.

"Os negócios civis da Província Carmelitana são geridos pelos seus procuradores, e assim é que contrato de aforamentos, construções etc., tudo é resolvido por mim, que tenho, já há muitos anos, procuração para esse fim. Logo à primeira leitura do vosso artigo depreende-se que o vosso informante não teve outro fim senão o de intrigar as duas ordens religiosas com sede nesta cidade e muito principalmente trazer para a Província Carmelitana a odiosidade dos que porventura acreditassem na sua insidiosa informação, e que foi com tão boa fé e a melhor das intenções aceita por v. exa.

"Está claro que seria um delito de lesa-religião se a Província Carmelitana aforasse a quem quer que fosse o terreno onde está construída a Ermida de Nossa Senhora, a qual nós todos, santistas ou não, estamos acostumados a venerar e respeitar.

"O célebre contrato de aforamento que somente agora irritou ao oficioso informante é datado de 1854 e transferido a diversos em várias datas; em 1904, não sendo cumprido pelo foreiro de então diversas cláusulas, foi ele considerado comisso e em 1910 aforei ao dr. Roberto Cochrane Simonsen o aludido terreno, não dando ao foreiro o direito de 'por enquanto' respeitar o terreno onde está a Capela, conforme declara o informante, mas sim com a cláusula positiva, clara e insofismável, impondo ao foreiro o dever de respeitar esse terreno.

"É cláusula contratual, exmo. sr. Redator, e ponho à disposição de v. exa. o referido contrato para de visu poder aquilatar quão rudemente foi v. exa. ilaqueado na sua boa fé de jornalista.

"Sobre as outras calúnias assacadas aos frades carmelitanos, deixo de me referir porque o seu passado já é um desmentido a essas torpes insinuações.

"V. exa. me desculpe ter tomado o seu precioso tempo, mas era preciso, de minha parte, essa explicação para que não pairasse no espírito de meus conterrâneos a dúvida sequer, que eu tivesse praticado tão reprovável ato.

"Subscrevo-me com muita estima e consideração - De v. exa. att. cdº., obdº. - Antenor da Rocha Leite".

Corroborando as linhas acima, escritas pelo sr. procurador da Província Carmelitana, damos a seguir a carta que o dr. Roberto Cochrane Simonsen nos dirigiu ainda a propósito do mesmo assunto:

"Deparei hoje, lendo o seu conceituado jornal, com uma grande notícia sob a epígrafe acima que, por ter pontos absolutamente inverídicos, deixa patente que v. s. foi completamente ludibriado em sua boa fé, por um informante perverso e que obedeceu a algum interesse de ordem pessoal para assim agir.

"Nada tenho nem nada sei sobre a questão das ordens religiosas que a notícia diz existir. O que posso assegurar é que na parte referente à minha pessoa, contém ela falsidades que me obrigam a vir retificá-la.

"Sou, de fato, foreiro de terras situadas no planalto do Monte Serrat, por escritura lavrada nas notas do 1º tabelião desta cidade, em 7 de outubro de 1910, com a Província Carmelitana Fluminense, representada pelo seu procurador Antenor da Rocha Leite.

"Fui levado a propor esse negócio e realizá-lo, por pretender nessa ocasião o meu irmão, Wallace Simonsen, promover a construção de um funicular para aquele morro. Sabedor de que o foreiro dessas terras tinha deixado cair o foro em comisso, apressei-me em fazer uma proposta à Província Carmelitana, que, por ser julgada vantajosa, foi aceita. Na escritura então passada, não me foi dada a capela do Monte Serrat, nem incluída cláusula alguma de má fé, como declarou o seu perverso informante. Muito ao contrário: além de conter a obrigação expressa de ser eu obrigado a respeitar o terreno ocupado pela capela, tem uma cláusula que favorece a Ordem de S. Bento, no caso dela desejar aumentar o lugar ocupado por esse santuário.

"A cláusula citada pela notícia: 'A Província Carmelitana Fluminense não se responsabiliza pelos danos que resultarem deste contrato' não existe. Quanto à propriedade do morro, convém notar que penso não existir dúvida alguma sobre os títulos da Província Carmelitana; aliás, todas as vertentes desse morro estão aforadas por essa Província há muitos anos à Câmara Municipal de Santos, Domingues Pinto e C. Belmiro Ribeiro de Moraes e Silva, Manoel Gonçalves e outros.

"É de supor, pela natureza da notícia, que o informante dessa folha tenha sido um padre. E será deveras lastimável que tal seja, pois que veremos, os verdadeiros cristãos, o caso de um sacerdote que, devendo praticar a paz e a verdade, abriga sob suas vestes instintos de perversidade e intuitos pouco escrupulosos.

"Terminando, junto o traslado da minha escritura, para que fique depositado nessa redação, para ser examinado por quem o desejar.

"Agradecendo a v. s. pela publicação desta, tenho o prazer de me subscrever com toda a consideração e estima de v.s. - Amº. Attº. e Obrigº.- Roberto Cochrane Simonsen". (N.E. - a expressão abreviada no final das duas cartas era um padrão em correspondência comercial na época, significando Amigo, Atento e Obrigado).

A cláusula do contrato a que se referem os nossos dois missivistas e dentro da qual se move toda a questão é a 2ª, que assim reza:

"2º - 'O foreiro poderá fazer nessas terras todas as obras e benfeitorias que entender, respeitando, porém, a parte ocupada pela capela de N.S. do Monte Serrat'".

Antes de ir mais longe, cumpre-nos declarar que o artigo ontem publicado por nós, sobre esta questão, é do punho do revdmo. padre Gastão de Moraes.

Sua revdma., procurando-nos ontem à noite, expressamente para esse fim e entregando-nos o supracitado artigo, garantiu-nos, com a afirmativa peremptória e enérgica de que possuía insofismáveis documentos, comprobatórios, a plena veracidade do que avançava no seu escrito, terminando por assumir a sua responsabilidade nas linhas que constam do seguinte fac-simile que publicamos com a aquiescência de s. revdma.:


Imagem publicada com a matéria

Em toda essa controvérsia, o que nos quer parecer é que há simplesmente péssima redação do contrato e absolutamente nenhuma má fé por parte dos contratantes.

No seu art. 1º, a Província Carmelitana afora ao dr. Roberto Simonsen todos os terrenos do planalto do Monte Serrate, sem excetuar a parte ocupada pela respectiva capela, que na cláusula 2ª o dr. Simonsen se obriga a respeitar tão somente nas obras e benfeitorias que julgar necessárias nos terrenos em questão. Daí depreende-se que o aforamento do terreno em que assenta a capela de N. S. do Monte Serrate existe insofismavelmente, militando somente, contra isso, a obrigação do respeito que o dr. Simonsen se obriga a manter quanto a obras e benfeitorias naquela parte. Essa obrigação mesmo está em franco conflito com a cláusula 4ª, que diz caber o direito ao foreiro de requerer em juízo o que entender a bem de seus interesses, quando houver edificação ou plantação dentro dos citados terrenos, o que está perfeitamente no caso da igreja do Monte Serrate.

Pelas cartas que acima publicamos e pelos próprios defeitos de redação do contrato, levando em conta principalmente a seriedade das pessoas envolvidas no incidente, vê-se claramente que nem o dr. Roberto Simonsen supõe aforado a si o terreno em que está edificada a tradicional capela, e nem a Província Carmelitana supõe ter aforado àquele engenheiro o terreno em questão.

Não obstante, o aforamento é um fato inegável e para chegar a tanto basta um estudo atento das cláusulas 1ª e 2ª, aquela não excetuando dos terrenos do planalto a área ocupada pela ermida, [e esta determinando] (N.E.: trecho ilegível devido ao dilaceramento do exemplar de jornal consultado) como única condição o respeito que, em suas obras e benfeitorias, o foreiro deve manter para com a dita ermida.

Essa é, pelo menos, a nossa opinião, que julgamos, aliás, bem estribada, ficando, entretanto, ao critério dos interessados e dos que nos lêem, o estudo da questão.

Em todo esse caso, é preciso ficar bem patente que o nosso único interesse visa tão somente a defesa de uma tradição venerada do nosso povo e por motivo da qual ele leva anualmente a efeito uma das suas mais belas e tocantes festas.

Nestas condições, e uma vez que a má fé não existe, somos de parecer que a melhor solução para o incidente seria a reforma do contrato entre a Província Carmelitana e o dr. Roberto Cochrane Simonsen, em termos cuja clareza não dessem, de futuro, margem a interpretações, perfeitamente cabíveis, como a que acabamos de expender.

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