Imagem: reprodução parcial da matéria original
Beneditinos versus carmelitas
Duas contestações
Falam o procurador da Província Carmelitana e o dr. Roberto Simonsen - A
cláusula segunda do contrato e a péssima redação deste - As nossas considerações
A propósito do artigo que ontem publicamos, subordinado ao
título "Beneditinos versus carmelitas" e subtítulos diversos, recebemos a seguinte carta do sr. Antenor da Rocha Leite, procurador nesta
cidade da Província Carmelitana:
"Sr. Redator d'A Tribuna - Permita-me
v. exa. que tome a sua atenção por algum momento, para uma explicação necessária, de forma a convencer a v. exa. como foi mal e perversamente
informado com relação ao contrato de aforamento dos terrenos do Monte Serrate, pertencentes à Província Carmelitana Fluminense e cujas informações
deram origem ao artigo sob título - 'Beneditinos versus carmelitas' -; e se tomo o precioso tempo de v. exa. para opor desmentido a essas
inverdades, é porque não quero que recaia sobre os frades carmelitas, residentes nesta cidade, a odiosidade de atos que eles não praticaram.
"Os negócios civis da Província Carmelitana são geridos pelos seus procuradores, e assim é que
contrato de aforamentos, construções etc., tudo é resolvido por mim, que tenho, já há muitos anos, procuração para esse fim. Logo à primeira leitura
do vosso artigo depreende-se que o vosso informante não teve outro fim senão o de intrigar as duas ordens religiosas com sede nesta cidade e muito
principalmente trazer para a Província Carmelitana a odiosidade dos que porventura acreditassem na sua insidiosa informação, e que foi com tão boa
fé e a melhor das intenções aceita por v. exa.
"Está claro que seria um delito de lesa-religião se a Província Carmelitana aforasse a quem quer
que fosse o terreno onde está construída a Ermida de Nossa Senhora, a qual nós todos, santistas ou não, estamos acostumados a venerar e respeitar.
"O célebre contrato de aforamento que somente agora irritou ao oficioso informante é datado de
1854 e transferido a diversos em várias datas; em 1904, não sendo cumprido pelo foreiro de então diversas cláusulas, foi ele considerado comisso e
em 1910 aforei ao dr. Roberto Cochrane Simonsen o aludido terreno, não dando ao foreiro o direito de 'por enquanto' respeitar o terreno onde está a
Capela, conforme declara o informante, mas sim com a cláusula positiva, clara e insofismável, impondo ao foreiro o dever de respeitar esse terreno.
"É cláusula contratual, exmo. sr. Redator, e ponho à disposição de v. exa. o referido contrato
para de visu poder aquilatar quão rudemente foi v. exa. ilaqueado na sua boa fé de jornalista.
"Sobre as outras calúnias assacadas aos frades carmelitanos, deixo de me referir porque o seu
passado já é um desmentido a essas torpes insinuações.
"V. exa. me desculpe ter tomado o seu precioso tempo, mas era preciso, de minha parte, essa
explicação para que não pairasse no espírito de meus conterrâneos a dúvida sequer, que eu tivesse praticado tão reprovável ato.
"Subscrevo-me com muita estima e consideração - De v. exa. att. cdº., obdº. - Antenor da Rocha
Leite".
Corroborando as linhas acima, escritas pelo sr. procurador da Província Carmelitana, damos a
seguir a carta que o dr. Roberto Cochrane Simonsen nos dirigiu ainda a propósito do mesmo assunto:
"Deparei hoje, lendo o seu conceituado
jornal, com uma grande notícia sob a epígrafe acima que, por ter pontos absolutamente inverídicos, deixa patente que v. s. foi completamente
ludibriado em sua boa fé, por um informante perverso e que obedeceu a algum interesse de ordem pessoal para assim agir.
"Nada tenho nem nada sei sobre a questão das ordens religiosas que a notícia diz existir. O que
posso assegurar é que na parte referente à minha pessoa, contém ela falsidades que me obrigam a vir retificá-la.
"Sou, de fato, foreiro de terras situadas no planalto do Monte Serrat, por escritura lavrada nas
notas do 1º tabelião desta cidade, em 7 de outubro de 1910, com a Província Carmelitana Fluminense, representada pelo seu procurador Antenor da
Rocha Leite.
"Fui levado a propor esse negócio e realizá-lo, por pretender nessa ocasião o meu irmão, Wallace
Simonsen, promover a construção de um funicular para aquele morro. Sabedor de que o foreiro dessas terras tinha deixado cair o foro em comisso,
apressei-me em fazer uma proposta à Província Carmelitana, que, por ser julgada vantajosa, foi aceita. Na escritura então passada, não me foi dada a
capela do Monte Serrat, nem incluída cláusula alguma de má fé, como declarou o seu perverso informante. Muito ao contrário: além de conter a
obrigação expressa de ser eu obrigado a respeitar o terreno ocupado pela capela, tem uma cláusula que favorece a Ordem de S. Bento, no caso dela
desejar aumentar o lugar ocupado por esse santuário.
"A cláusula citada pela notícia: 'A
Província Carmelitana Fluminense não se responsabiliza pelos danos que resultarem deste contrato'
não existe. Quanto à propriedade do morro, convém notar que penso não existir dúvida alguma sobre os títulos da Província Carmelitana; aliás, todas
as vertentes desse morro estão aforadas por essa Província há muitos anos à Câmara Municipal de Santos, Domingues Pinto e C. Belmiro Ribeiro de
Moraes e Silva, Manoel Gonçalves e outros.
"É de supor, pela natureza da notícia, que o informante dessa folha tenha sido um padre. E será
deveras lastimável que tal seja, pois que veremos, os verdadeiros cristãos, o caso de um sacerdote que, devendo praticar a paz e a verdade, abriga
sob suas vestes instintos de perversidade e intuitos pouco escrupulosos.
"Terminando, junto o traslado da minha escritura, para que fique depositado nessa redação, para
ser examinado por quem o desejar.
"Agradecendo a v. s. pela publicação desta, tenho o prazer de me subscrever com toda a
consideração e estima de v.s. - Amº. Attº. e Obrigº.- Roberto Cochrane Simonsen".
(N.E. - a expressão abreviada no final das duas cartas era um padrão em correspondência
comercial na época, significando Amigo, Atento e Obrigado).
A cláusula do contrato a que se referem os nossos dois missivistas e dentro da qual se move toda a
questão é a 2ª, que assim reza:
"2º - 'O foreiro poderá fazer nessas terras
todas as obras e benfeitorias que entender, respeitando, porém, a parte ocupada pela capela de N.S. do Monte Serrat'".
Antes de ir mais longe, cumpre-nos declarar que o artigo ontem publicado por nós, sobre esta
questão, é do punho do revdmo. padre Gastão de Moraes.
Sua revdma., procurando-nos ontem à noite, expressamente para esse fim e entregando-nos o
supracitado artigo, garantiu-nos, com a afirmativa peremptória e enérgica de que possuía insofismáveis documentos, comprobatórios, a plena
veracidade do que avançava no seu escrito, terminando por assumir a sua responsabilidade nas linhas que constam do seguinte fac-simile que
publicamos com a aquiescência de s. revdma.:
Imagem publicada com a matéria
Em toda essa controvérsia, o que nos quer parecer é que há simplesmente péssima
redação do contrato e absolutamente nenhuma má fé por parte dos contratantes.
No seu art. 1º, a Província Carmelitana afora ao dr. Roberto Simonsen todos os
terrenos do planalto do Monte Serrate, sem excetuar a parte ocupada pela respectiva capela, que na cláusula 2ª o dr. Simonsen se obriga a
respeitar tão somente nas obras e benfeitorias que julgar necessárias nos terrenos em questão. Daí depreende-se que o aforamento do terreno em que
assenta a capela de N. S. do Monte Serrate existe insofismavelmente, militando somente, contra isso, a obrigação do respeito que o dr. Simonsen se
obriga a manter quanto a obras e benfeitorias naquela parte. Essa obrigação mesmo está em franco conflito com a cláusula 4ª, que diz caber o direito
ao foreiro de requerer em juízo o que entender a bem de seus interesses, quando houver edificação ou plantação dentro dos citados terrenos, o que
está perfeitamente no caso da igreja do Monte Serrate.
Pelas cartas que acima publicamos e pelos próprios defeitos de redação do contrato,
levando em conta principalmente a seriedade das pessoas envolvidas no incidente, vê-se claramente que nem o dr. Roberto Simonsen supõe aforado a si
o terreno em que está edificada a tradicional capela, e nem a Província Carmelitana supõe ter aforado àquele engenheiro o terreno em questão.
Não obstante, o aforamento é um fato inegável e para chegar a tanto basta um estudo
atento das cláusulas 1ª e 2ª, aquela não excetuando dos terrenos do planalto a área ocupada pela ermida, [e esta determinando]
(N.E.: trecho ilegível devido ao dilaceramento do exemplar de jornal consultado)
como única condição o respeito que, em suas obras e benfeitorias, o foreiro deve manter para com a dita ermida.
Essa é, pelo menos, a nossa opinião, que julgamos, aliás, bem estribada, ficando,
entretanto, ao critério dos interessados e dos que nos lêem, o estudo da questão.
Em todo esse caso, é preciso ficar bem patente que o nosso único interesse visa tão
somente a defesa de uma tradição venerada do nosso povo e por motivo da qual ele leva anualmente a efeito uma das suas mais belas e tocantes festas.
Nestas condições, e uma vez que a má fé não existe, somos de parecer que a melhor
solução para o incidente seria a reforma do contrato entre a Província Carmelitana e o dr. Roberto Cochrane Simonsen, em termos cuja clareza não
dessem, de futuro, margem a interpretações, perfeitamente cabíveis, como a que acabamos de expender. |