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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - MONTE SERRAT
Queriam demolir o monte

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A existência de duas rachaduras na encosta, comprovada nas verificações feitas dias antes e depois do grande desmoronamento de 1928, levou ao questionamento sobre o risco de se manter e os problemas legais em se demolir o Monte Serrat, antes que ocorressem novas tragédias.

Vale recordar que após o milagroso desmoronamento da encosta soterrando piratas que saqueavam a Vila de Santos, em 1614, a primeira notícia sobre problemas no Monte Serrate datam de 1898, quando ocorreu um desmoronamento de pequenas proporções. Depois, em 1920, também em função de fortes chuvas, ocorreu novo deslizamento na encosta, "muito sofrendo a serraria dos srs. Domingues Pinto e Cia., que tiveram prejuízos no valor de 100 contos de reis. Por essa ocasião foram sacrificados diversos muares, nenhum acidente pessoal, entretanto, se registrando", como recordou o jornal santista A Tribuna em 11/3/1928, em meio ao noticiário sobre o terceiro - e trágico - deslizamento, ocorrido após as fortes chuvas no dia anterior. Um novo deslizamento, aliás, voltaria a ocorrer em 1956.

Mas, em 1928, enquanto os peritos não apresentavam seus laudos confirmando a estabilidade do maciço rochoso, à exceção de trechos sedimentares nas encostas, que teriam de ser escorados ou demolidos, os advogados debatiam sobre se a Municipalidade poderia ser ou não acionada na Justiça por remover o morro. Na edição de 18 de março de 1928, na página 2, A Tribuna estampava este artigo de um colaborador, que assinava apenas com as iniciais A.M.:

O desmoronamento em 1928
Foto: Poliantéia Santista, 1996, Ed. Caudex, S. Vicente/SP

A demolição do Monte Serrate

Discutiu-se, há dias, numa sessão extraordinária da Câmara Municipal, respeito a este assunto: - Pode a Municipalidade provocar a demolição do Monte Serrate, a fim de evitar maior perigo à população e proceder a essa demolição sem o risco de responder, mais tarde, por perdas e danos aos proprietários de prédios na encosta e no cume do morro?

Houve opiniões que sim e houve opiniões que não. A discussão descambou para a imprensa, e jornais daqui e de S. Paulo vêm se ocupando do assunto, a tecer-lhe comentários de variada polpa. Até um ilustrado causídico de nosso Foro, em parecer ontem publicado alhures, trata do caso, e, terminando a sua exposição, deixa a solução pendente, a balançar no fio de uma dúvida.

Pode ou não pode? A Municipalidade é, ou não é, obrigada a indenizar?

Essa dúvida salteia os espíritos, e enquanto a certeza de uma convicção não a dissipar, ficam lá acima na falta do morro, suspensas as picaretas, os caminhões parados e os trabalhadores, e os engenheiros, e todos os que se interessam e que querem que se acabe o serviço de desentulho, toda essa gente, ansiosa, se entreolha, aflita, à espera que se decida a pendência jurídica, a discussão livresca em torno do caso, que é de uma simplicidade de entrar pelos olhos de quem quer que os não tenha debruçados sobre compêndios a deletrar artigos de códigos e sentenças de juristas complicados.

Esqueça-se, por um momento, a ciência e reflita-se sobre este ponto. O morro vai cair, cai fatalmente, ou o morro pode não cair, pode suster-se, pode ser escorado lá em cima? Respondido que sim, que o morro vai cair de verdade, hoje ou amanhã ou com as primeiras cargas d'água, a solução única que há, curial, acertada, exata, é adiantar-se à obra da natureza e provocar a queda do morro, seja por que meio for, desde que seja pelo meio menos prejudicial, está claríssimo.

Respondido que não, que o morro não pode cair, que é possível escorá-lo, sustê-lo etc., então o que se tem a fazer é obrigar os donos dos terrenos a deitar essas escoras, fazer as obras necessárias pra conjurar o perigo, pôr, em suma, a cidade a coberto de uma nova calamidade.

Mas, dir-se-á (e isso até já foi dito) mesmo que se verifique a inevitabilidade da queda, mesmo que isso do morro cair seja coisa impossível de evitar-se, basta que a Municipalidade vá lá e dê um impulso, o impulso inicial para essa queda, que vai dar-se hoje ou amanhã, basta somente isso, para ela, a Municipalidade, ser obrigada a indenizar milhares de contos de perdas e danos.

Demoremos meio minuto num raciocínio: - Se a queda é inevitável, visto está que o ato da Municipalidade, provocando-a, nada mais é que antecipar, por uns momentos, a obra da natureza. É como se a queda se tivesse dado, naturalmente, fatalmente. Nestas condições, onde a obrigação de indenizar?

Não se obumbrem as vistas e as inteligências com tão pouca coisa. A ser assim, difícil é admitir-se a existência das corporações de bombeiros numa cidade.

Um exemplo (e esse exemplo é de um dos mais sagazes causídicos do foro santista) elucida a questão. Imagine-se um prédio na iminência de ser devorado por um incêndio. Para salvá-lo, parcialmente embora, os bombeiros têm que quebrar uma ou outra tábua de porta, amolgar fechaduras etc. E salva-se o prédio. Terá, acaso, o proprietário ação para cobrar indenização dos prejuízos sofridos para evitar mal maior?

Responder que sim é responder que devem suprimir-se todos os corpos de bombeiros do mundo.

Em resumo: faça-se a vistoria e, verificado que o morro tem que vir abaixo, inevitável, a Municipalidade que provoque, sem receio, a queda do morro. O resto, as construções jurídicas assentes sobre a área, isso virá abaixo mais facilmente ainda...

A.M.

O desmoronamento em 1928
Foto: Poliantéia Santista, 1996, Ed. Caudex, S. Vicente/SP

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