O antigo santuário de Nossa Senhora do Monte Serrate,
refúgio da fé católica da população santista
Foto: publicada com a matéria
Ermida de Nossa Senhora do Monte Serrate
Resumo histórico sobre a atuação dos Beneditinos em Santos - Logo após se terem
estabelecido em nossa cidade, esses religiosos se incumbiram da Ermida de Nossa Senhora do Monte Serrate e do culto deste já antigo santuário - Os
tradicionais festejos que anualmente se celebram, a 8 de setembro, em louvor da milagrosa santa
Pensamos que nesta edição comemorativa do 1º centenário
da elevação de Santos à categoria de cidade, a A Tribuna, sendo, como é, um órgão visceralmente popular, não podia de maneira alguma, deixar
de dizer algo a respeito do tradicional santuário onde se venera a imagem sacratíssima de Nossa Senhora do Monte Serrate.
Efetivamente, seria imperdoável que, a par de crônicas e relatos de diferentes
matizes, não figurasse uma notícia, resumida embora, a propósito da atuação que os virtuosos monges beneditinos tiveram em nossa terra, quando ela,
banhada pela luz da civilização, abria os braços, para um amplexo amigo e de solidariedade fraterna, a quantos procediam do ultramar, em frágeis
caravelas, com o escopo de trabalhar as reservas incalculáveis que emergiam do solo fecundo de Santa Cruz.
Data de 1650 a inauguração da igreja do Priorado do cenóbio santista primitivo. Embora
ele edificado em lugar diferente do de hoje, cuja construção começou em dezembro de 1725, sendo presidente frei Pedro de São Caetano.
Os primeiros que habitaram o Mosteiro de N. S. do Desterro de Santos - segundo diz um
documento da época - foram os revmos. padres frei Plácido da Cruz e o pregador frei Basílio da Ascensão, os quais tomaram posse da ermida e sítio
com o mais que lhe pertencia em 4 de fevereiro, dia em que era celebrada a festa de Nossa Senhora, do ano de 1650. Era nessa época Provincial o
padre M. frei Gregório de Magalhães, que nomeou e fez presidente da dita casa o referido padre frei Plácido, ofício em que foi continuando até o ano
de 1656. O aludido revdo., padre frei Basílio, que era o companheiro de frei Plácido, foi promovido para Dom Abade de S. Paulo.
Logo que aqui se estabeleceram, os monges beneditinos cuidaram da ermida de Nossa
Senhora do Monte Serrate, segundo se lê do seguinte Auto de posse e entrega:
"Ano de 1652. Aos 27 de abril do dito ano. Nesta Ermida
de N. S. do Monteserrate no outeiro da vila de Santos, onde eu escrivão fui chamado pelo Rvd. Padre Vigário & estando ali o mtº. rdº. frei Bernardo
Braga, Provincial da Ordem de S. Bento, em presença dos testemunhos abaixo assinados, foi dito pelo dito vigário ouvidor da vara eccl. que ele
estava de posse da dita ermida de N. S. do Monserrate como anexa desta Matriz pacificamente e que ele de sua livre vontade desanexava e havia por
desanexada para todo sempre a dita ermida de N. S. do Monserrate da sua Igreja Matriz, e unia como de fato unia ao Mosteiro de S. Bento da invocação
de Nossa Senhora do Desterro, sita nesta dita vila de Santos, para que o dito Rvdº. Pe. Pal. por si e pelos Prelados da dita casa possuam a dita
ermida e administrem como do sagrado Patriarca S. Bento, cujo é daqui para todo o sempre, e em cuja religião ela dito Rvdº. Pe. Vigº. há por
transferido todo domínio e pertença que na dita igreja tinha, e se desapossa da dita ermida e de todos os seus ornamentos e pertenças, heranças e
propriedades que tenha, e lhe pertençam por qualquer via e maneira e administrará as esmolas da dita ermida e as disporá como lhe parecer. E logo
mandou a mim escrivão desse fé de como o empossava da dita ermida, como de feito empossava e lhe fez entrega do cálice, ornamentos, missal e a
lâmpada, como com tudo o mais da dita igreja e o dito Rvdº. P. ali em virtude da dita entrega e [... N.E.: linha
inelegível por falha tipográfica] /mente a tomou por si, tomando o cálice na mão, abrindo o missal &c. &c. &c. e
ultimamente disse missa quieta e pacificamente, sem contradição de pessoa alguma, a qual posse eu lhe dei na forma ordinária e costumada e ele dito
Rdº. Pal. disse que se havia por empossado e por pacífico em sua posse e assim o outorgava o Rdº. Pe. Vigº. da vara e ouvidor em presença de mim
escrivão e de Antº. Gonçalves, ermitão de N. S. do Desterro, e os Rdos. Pes. fr. Augustinho de Jesus e fr. Bento da Victoria, Religiosos do
Patriarca S. Bento, conventuses do convento de S. Paulo que todos foram testemunhas e assinaram co o dito ouvidor da vara e Vig.º. da matriz, o sr.
Pe. Fernão Roiz de Cordova, o mtº. Rdº. Pe. fr. Bernardo Braga - Pal. da Província. Do que tudo fiz este auto, dia e ano acima. Eu Amaro Roiz
Sepulveda, escrivão do juízo eclesiástico o escrevi. Assinarão todos os acima declarados.
E logo pelo dito Rdº. Pe. Pal. foi entregue a chave da dita ermida Antº. Gonçalves
para que fosse ermitão da dita capela - Antº. Gonçalves - Amaro Roiz Sepulveda".
Foi a S. Bento ardorosamente contestada esta posse pelos carmelitas de Santos, o que
motivou o mais duradouro, quiçá, dos processos do Brasil, pois passando por diversas fases, encetado em 1660 ao que parece, veio a eternizar-se por
mais de dois séculos! Tendo definitiva solução em nossos tempos, durante a gestão do abade d. Miguel Kruse. A tal respeito, escreveu o notável
santista fr. Gaspar da Madre de Deus extensa "Dissertação e explicações sobre as terras que litigavam os padres do Carmo e os padres beneditinos".
Por ela se vê que já em 1660 houvera questão judicial a propósito do Monteserrate.
No arquivo fluminense se encontram novos papéis comprobatórios da legitimidade da
posse beneditina sobre Monteserrate como os seguintes:
"Parecendo depois bem a N. Pe. Pal. fr. Bernardo de Braga
q. as casas acima se vendesse, o fez o Pe. Presidente fr. Plácido da Cruz; e comprou a Juliana de Serva, dona viúva, três braças craveiras de chão
que parte com chãos do Capitão João Gomes Villas Boas correndo para as casas dela vendedora, é sítio melhor que o das casas vendidas, porquanto a
vila se veio mudando para esta parte. Ano de 1654 julho 3.
"Fez o dito Pe. Pal. fr. Bernardo petição ao Administrador do Rio para que se
consentisse, q. a image de N. Sa. de Monserrate de Santos se passasse para a Igreja do Desterro aonde lhe queriam fazer capela. O administrador
concedeu isto ao seu visitador D.or Thomaz Albernaz em 14 de abril de 1652. Não teve efeito.
"A esta petição porque declarasse como ouvidor e administrador as capelas de N. S. do
Monserrate pertence a Religião do Patriarca S. Bento lhe mandasse a administração da dita capela - Despacho - Em todas as Egrejas de N. S. do
Monserrate são administradas pelos Religiosos de São Bento e visto esta ermida de que esta faz menção não ter padroeiro, mando que seja administrada
pelos frades de S. Bento, não tendo a isto o vigário de Santos embargos. Rio de Janeiro, 14 de abril de 1652. - O administrador".
Resposta do vigário de Santos:
"Não tenho embargos algum a se entregar a ermida de N. S. do Monserrate ao mto. Rd.º.
Pe. Pal. de S. Bento. Antes, demito todo direito que nela tenho como pároco e vigário desta matriz de que é anexa. E mando lhe seja entregue com
todos os seus paramentos e pertences e como ouvidor da vara concedo licença para em todos os tempos a administrar por ermitões que virem que mais
convém ao serviço de Deus. E se lhe faça auto de posse p.a todo tempo constar. Santos, 27 de abril de 652. - O vigº. Fernão Roiz".
Nada mais se conhece sobre a vida do Mosteiro de Santos em seus
primeiros anos, de conformidade com sólidos fundamentos. Apenas se sabe que em 1694 era seu presidente fr. Manuel do Rosário depois abade de S.
Paulo, por uma escritura importante de doação feita por João Baruel e sua mulher.
***
Nos dias presentes, o santista venera a sua ermida tradicional, esse
santuário que é o relicário das nossas mais ridentes esperanças. Na capelinha branca que se ergue no cimo do monte, como um fanal luminoso a mostrar
aos navegantes pelo oceano da vida o rumo certo para porto de salvamento, domina gloriosamente a imagem sacrossanta da milagrosa protetora dos
fracos e desamparados, mãe amantíssima dos aflitos e dos desesperados, que recebe em seu regaço aqueles que, envoltos na clâmide puríssima da fé
religiosa, não olvidaram as divinas promessas do Cordeiro de Deus.
E muito embora o progresso, com seus tentáculos absorventes, tenha aberto um sulco profundo
na encosta do monte, por onde transita o elevador, tornando mais cômoda a ascensão, os verdadeiros crentes, em romaria piedosa, sobem a
ziguezagueante estrada que serviu aos nossos antepassados como traço de união entre a cidade e a modesta casa de Deus.
E ali, no dia consagrado a Nossa Senhora do Monteserrate, que é a 8 de setembro, vemos
todos os anos o espetáculo confortador apresentado por milhares de devotos, levando à ermida a sua oferenda sincera, numa demonstração de
imperecível sentimento religioso, que nem o tempo, nem o progresso, conseguirão diluir da alma essencialmente católica de nossa gente. |