HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
O rato virou sobrenome
"...ratos cosmopolitas, ratos indígenas..."
Costa e Silva Sobrinho (*)
Na Praça da República, desde a esquina da Rua Alberto Leal até a esquina da Praça
Barão do Rio Branco, vemos hoje um grupo de casas que há de falar à memória dos santistas uma linguagem muito especial. Estão ali sete prédios, cuja
numeração vai de 20 a 35. Acha-se no último deles, no que tem os números 32, 33 e 35, o Lloyd Brasileiro. Há cem anos atrás, em lugar de sete, existiam
nesse mesmo local oito prédios. O edifício da esquina, onde esteve o Santos Hotel, e cujos números 32, 33 e 35 mencionamos acima, ocupou o terreno de
dois dos antigos prédios.
Pouco variou também a numeração daquele tempo para cá. Entretanto, mudança interessante e palpável foi esta:
A Rua Alberto Leal chamava-se então Beco da Estufa; na Praça Barão do Rio Branco, esquina da Praça da República,
ficava o Beco do Arsenal; e a frente das casas, em vez de dar para a Praça da República como agora, era para o lado ímpar da Rua Setentrional. A casa
então situada na esquina do Beco da Estufa tinha o número 25 e a da esquina do Beco do Arsenal tinha o número 39.
Pertenciam elas, na maioria, a um mesmo dono - que era Francisco José Ribeiro Rato. Esse homem, que conta ainda
hoje numerosos e distintos descendentes entre nós, veio para Santos logo após a Independência. Português, natural do Porto, onde veio a lume em 1798,
orçava pelos 25 anos quando aqui chegou.
Loja do Corvelo, nas proximidades do Armazém do Rato
Imagem: bico-de-pena de Ribs
Origens - Seu nome era apenas Francisco José Ribeiro. Assinou assim até 1834. Em 1835, sem professar,
como muitos, o fetichismo do apelido, acrescentou ele ao seu a palavra Rato, alcunha pela qual era conhecido. Como a razão das antonomásias é uma
circunstância que estimula sempre a nossa curiosidade, vamos neste caso apresentá-la. É ela bem interessante:
Francisco José Ribeiro, partindo para o Brasil, vinha deslumbrado dentro de um sonho radiante. Era o de
entregar-se inteiramente ao comércio. Assim, no frondejar desse sonho, via-se ele em poucos anos dono de importante casa comercial. Ficava ela na Rua
Setentrional nº 39, canto do Beco do Arsenal. Seria hoje a Praça da República nº 35, onde está o Lloyd Brasileiro.
Era um grande sobrado, que tinha na frente quatro portas no primeiro piso e quatro janelas no segundo. E, do
lado do Beco do Arsenal, igualmente quatro portas em baixo e quatro janelas em cima. Os fundos deitavam para o mar.
Havia também ali uma larga e longa prancha para atracação dos navios e o embarque e desembarque de mercadorias.
Depois, vinha o espelho glauco do Estuário e, ao longe, o pano teatral da Ilha de Santo Amaro e da Serra, com a sua ampla gama de azuis.
O comércio era de secos e molhados, especialmente de gêneros de consumo. Os líquidos iam para outro armazém
próximo, no mesmo correr, porque não podiam ser transportados para o interior da Província senão em animais. Trafegavam-nos então das pipas para os
barris, logo depois de tratada a venda.
O motivo - No armazém, sempre abarrotado de mercadorias, propagavam-se assustadoramente os roedores.
Ratos pretos, pardos e cinzentos; ratos cosmopolitas; ratos indígenas; ratos viscosos; ratos pelados; e até ratazanas rabilongas, de olhinhos redondos e
inquietos, esburacavam os soalhos e roíam famintamente os gêneros que encontravam.
Esse armazém, onde os ratos andavam em cardumes, tornou-se afinal conhecido pelo nome de Armazém do Rato. E o
seu dono ficou sendo o Rato.
Habituado com a alcunha, um dia resolveu ele firmá-la a par do seu sobrenome. E, dessarte, ficou sendo Francisco
José Ribeiro Rato. Alcunha que vemos luzir hoje como legítimo sobrenome nos seus descendentes. Aí está, pondo um exemplo, o distinto corretor de câmbio
Quintino Rato, que é neto daquele homem lhano, de falar franco, feito do mesmo bronze em que se moldaram as figuras egrégias dos viscondes de Embaré, de
Vergueiro e de Mauá.
O velho Rato faleceu em 28 de fevereiro de 1854.
(*) Costa e Silva Sobrinho, cronista e historiador da Baixada Santista.
Extraído de seu livro Santos Noutros Tempos, 1953, São Paulo/SP, páginas 568/570. História escrita em 24/12/1950.
Praça Barão do Rio Branco. No lugar do prédio à esquerda (Palacete Martins, que
depois seria transformado no Santos Hotel), foi construído o prédio do IBC, depois da Polícia Federal
Foto: Calendário de 1979, editado pela Prodesan - Progresso
e Desenvolvimento de Santos S.A.,
com o tema Imagens Antigas e Atuais. Santos/SP, 1979
A pouco lembrada Rua Alberto Leal tem apenas um quarteirão (quadra) no que seria o
prolongamento da Rua Martim Afonso até o cais, tendo a um lado o atual prédio da Alfândega e do outro um estacionamento de carros (num terreno onde
existiram até o século XIX instalações da Câmara e Cadeia de Santos), ambos com frente para a Praça da República. As ruas Setentrional (lado mar) e
Meridional (mais interna) correspondem aos dois lados da atual Praça da República.
O Lloyd Brasileiro foi uma armadora brasileira fundada em 19/2/1890 e extinta meses
antes de completar seu centenário. O hotel Santos, com frente para a Praça Barão do Rio Branco,
foi substituído pelo prédio por muitos anos ocupado pelo Instituto Brasileiro do Café, mais recentemente pela Polícia Federal.
Sobre essa história, acrescentou o pesquisador Olao Rodrigues, na obra Veja Santos!
(2ª edição, 1975, edição do autor, Santos/SP), no verbete sobre a Praça Barão do Rio Branco:
[...] Primitivamente chamava-se Beco do Rato o espaço
que, acrescido, veio a denominar-se em nossos tempos Praça Barão do Rio Branco. É que nele se estabelecia Francisco José Ribeiro, que mantinha
regular casa de negócios, freqüentemente invadida por roedores. E com tal insistência que o zé-povo deu à pequena e tortuosa via pública o nome de
Rato, que o negociante também adotou em seu sobrenome, seguido, aliás, por seus descendentes, a distinta família Rato.
Depois de Beco do Rato, chamou-se Travessa do Arsenal, por referir-se ao
Arsenal de Marinha, que ficava defronte da Igreja do Carmo, em cujos estaleiros foram
construídas diversas embarcações, a primeira das quais, um barco canhoneiro, chamado Leal Paulista, foi lançada ao mar a 25 de janeiro de
1825. [...]
Em 1865, quando presidente da Câmara Municipal, o Visconde de Embaré propôs a
alteração de nomes e limites de algumas vias públicas, como a Travessa do Carmo, "a que ia do pátio do Carmo ao Mar, entre o Arsenal de Marinha e
casas do finado Rato". Também o logradouro, ou parte dele, foi designado por Largo da Cadeia, que cessou com a demolição da Cadeia. No Largo do
Carmo ficava a redação de O Comercial, folha dos irmãos José Roberto e Roberto Maria de Azevedo Marques, cujo número inicial circulou a 16 de
agosto de 1857.
No dia 20 de abril de 1909, cerca de 300 cidadãos de todas as classes sociais da
Cidade representaram à Câmara Municipal solicitando que, em homenagem ao Barão do Rio Branco, cujo natalício decorria naquele dia, fosse seu nome
atribuído ao Largo do Carmo [...]. |
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