HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS -
PIONEIROS DO AR
Um invento de Gago Coutinho...
...foi destacado na imprensa santista, pouco antes de sua visita à cidade
Gago Coutinho
Foto: Marinha Portuguesa
Também
estiveram em Santos, onde foram calorosamente recepcionados, os aviadores portugueses que fizeram a travessia pioneira de Lisboa ao Rio de Janeiro, em
1922. Pouco antes, um invento de Gago Coutinho era destacado na primeira página - parte do jornal onde costumavam ser narrados quase diariamente os
feitos dos aviadores em seus primeiros percursos aéreos pelo mundo -, do jornal santista A Tribuna de 22 de maio de 1922 (ortografia atualizada
nesta transcrição):
Imagem: reprodução parcial da matéria original
Um grande invento para os navegadores do ar
Da "balestilha" ao "sextante" e deste ao "astrolábio de precisão"
Sobre os inventos do almirante Gago Coutinho tem-se dito
muita coisa que nem sempre corresponde à verdade. Julgamos, por isso, do maior interesse, neste momento, publicar a descrição do instrumento de
navegação que inventou e de que se tem servido durante a viagem ao Brasil o intrépido aviador, que todo o mundo admira e é já hoje uma glória
nacional que vai enfileirar na galeria dos imortais que a história consagra.
Ninguém melhor do que o seu autor poderia descrever as modificações introduzidas no
antigo sextante, que tem sido o instrumento de navegação marítima por excelência, e que Gago Coutinho aplicou à navegação marítima por excelência, e
que Gago Coutinho aplicou à navegação aérea, com o êxito retumbante que já todo o mundo conhece.
Como Gago Coutinho descreve o seu extraordinário invento, que vai sendo conhecido pelo
mundo afora:
"É sabido que, para a navegação das aeronaves, tanto por
cima do mar como mesmo através de territórios cuja cartografia esteja por fazer ou seja de difícil reconhecimento, ou esteja coberta de nuvens, e
ainda nos casos em que se tenha que navegar de noite, seja por cima do mar ou da terra, há toda a vantagem, talvez mesmo inadiável necessidade de se
recorrer à navegação e, portanto, às observações astronômicas. E mesmo na opinião de muitos navegadores práticos, esta navegação de um aeroplano é
mais complicada e exige mais recursos e habilitações práticas do que a de um navio.
O aparelho exclusivamente usado hoje para a navegação astronômica marítima é o
sextante, descoberto e empregado desde meados do século XVIII, época em que passou a substituir a "balestilha". Seria, portanto, também o sextante o
instrumento usado na navegação aérea se, para o empregar tal como está, se não levantassem vários obstáculos materiais, como são principalmente:
1º - Necessidade de se recorrer a observações tão amiudadas quanto possível, e
portanto, à observação de estrelas de noite, visto as grandes velocidades do vento e a grande dificuldade de conhecer o rumo – por causa das más
condições em que tem que funcionar a bússola - tornarem sempre grosseira a estima, fato este que era de esperar e que as experiências já feitas têm
confirmado.
2º - Como a navegação se faz a grandes altitudes, de onde o horizonte de mar, quando o
há, é em geral mal definido ou mesmo totalmente invisível, e como não convém perder trabalho dos motores vindo descer a uma altura de onde o
horizonte seja visível, há, mesmo de dia, vantagem em nos despreocuparmos nas observações de alturas sobre o horizonte de mar, recurso indispensável
para o sextante, como já o era para a "balestilha", que ele veio substituir.
3º - Estas observações sobre o horizonte de mar tornam necessário que o observador
exponha parte da cabeça e do instrumento ao vento violento causado pelo andamento do aeroplano, geralmente mais de cem quilômetros por hora, a que,
como se sabe, corresponde um esforço de cerca de 94 quilos por metro quadrado. Está assim naturalmente indicado o recorrermos a um aparelho que
tenha em si mesmo um horizonte artificial ou maneira satisfatória de o tornar aparente, como acontece com o teodolito, e como acontecia com o
primitivo astrolábio e instrumentos que dele derivam.
Também se poderia recorrer ao emprego do giroscópio aplicado ao
sextante, idéia que é já antiga de algumas dezenas de anos, mas que nunca teve focos de prática entre os navegadores.
Astrolábio Dundee, de 1555
Imagem: Art Galleries and Museums, Dundee, Inglaterra, no site da
Associação Nacional de
Cruzeiros - Portugal (Consulta em 26/8/2007)
Pondo
em prática o seu extraordinário invento – Convidado, a propósito do raid Lisboa-Rio de Janeiro, a ocupar-me deste assunto, pelo meu
camarada e antigo companheiro de serviços geodésicos em África, Arthur de Sacadura, lembrei-me de estudar praticamente a solução do problema segundo
idéias antigas, a que nunca tivera tido necessidade de recorrer, que se fundavam na adaptação do nível usual de bolha de ar ao sextante.
De princípio procurei conseguir esta adaptação sem perturbar o usual emprego do sextante
para observações de alturas referidas ao horizonte de mar, e até de modo que os dois sistemas pudessem funcionar simultaneamente, dando assim
ocasião a que pudessem comparar resultados e se pudesse concluir definitivamente o grau de confiança que se podia depositar no novo sistema.
Só depois de uma longa prática se poderá estudar a forma do tubo de nível a empregar,
o sistema de iluminação, a natureza e coloração do seu líqüido e até se haverá necessidade de recorrer a um nível esférico, para evitarmos o ter de
procurar a altura mínima por meio do balanceamento, como se faz com o horizonte do mar. O traçado elíptico poderá também servir para atenuar as
oscilações da bolha, devido ao instrumento dever ser empregado no braço sem apoio; mas as experiências feitas até agora, e que têm dado resultados,
a meu ver, suficientes, têm sido feitas sob o nível usual de bolha de ar, de éter, de traçado circular e de raio de 25 centímetros.
O princípio a que me lembrei, por fim, de recorrer (por o considerar muito mais
simples do que o emprego de nível dentro do óculo com retículos e lente colimadora) foi o de chamar ao lado direito do espelho horizontal do
sextante, por meio de um pequeno espelho colocado por trás, a imagem da bolha de um nível preso inferiormente na parte mais avançada da armação do
sextante. Desta maneira, observar-se-á no mesmo espelho horizontal o seguinte:
1º, Uma parte limpa, através da qual se verá, como usualmente, o horizonte de mar,
quando o houver.
2º, A meio, uma parte espelhada onde se vem refletir a imagem do astro que já se
refletiu no espelho central da alidade do sextante.
3º, À direita, e através de uma parte limpa do espelho horizontal, a imagem da bolha
de ar, cortada pelo seu traço de referência e movendo-se, na aparência, verticalmente, permitindo-nos ajuizar a posição do sextante no plano
vertical.
Com esta disposição, as alturas dos astros continuam a observar-se sobre o horizonte
de mar, e, eventualmente, sobre o traço de referência refletido ao lado através do espelho horizontal e mesmo até sobre a imagem da bolha de nível,
sem preocupação do braço de referência. Assim, não fica de maneira alguma prejudicada a antiga maneira de observar com o sextante, nem os seus
antigos processos de retificação, bastando adaptar novos parafusos de retificação, tanto ao espelho auxiliar como ao estojo metálico do nível, de
modo a conseguir que o seu traço de referência indique o horizonte real, ou mesmo, para evitar confusões, a linha usual do horizonte de mar a bordo
do navio onde se esteja embarcado, e da altura a que se costuma observar.
Desta maneira, a retificação do instrumento só é possível de dia, quando haja
horizonte de mar à vista, e é de supor que o instrumento conserve durante a noite, ou durante o pequeno número de horas que durar a navegação de um
aeroplano, a sua retificação, se houver o cuidado de lhe não tocar nos parafusos, nem sujeitar o instrumento a choques, o que, de resto, como todos
sabemos, acontece com o sextante usual, que conserva longos meses a sua retificação.
Há, contudo, uma solução independente e assentando no mesmo princípio em que assenta a
retificação do teodolito: a inversão, ou seja, a observação em posições trocadas do instrumento. Assim, se o astro estiver tão elevado que permita
observações em direções opostas, a comparação dos resultados indicar-nos-á o erro de calagem, ou seja, a diferença entre a pontaria horizontal e a
leitura do instrumento. E, quando não haja astro nestas condições, poderemos servir-nos de um processo análogo comparando os resultados de astros
observados em azimutes opostos, e portanto com retas de altura paralelas.
Para evitar a necessidade de complicar o sistema introduzindo uma lente colimadora
entre o nível e o espelho auxiliar, ter-se-á (como aliás eu tenho feito nas minhas observações de experiência) que observar só através da pínula
usual do sextante, mas com um orifício mais pequeno do que ela costuma ter, o que não só torna o processo de observação mais preciso, como permite
às pessoas de vista defeituosa o observarem sem lente.
De resto, o erro que a pínula introduz não tem importância em presença dos outros
erros fundamentais do sistema, como são a paralaxe de colocação da pínula e o efeito de força centrífuga, a que adiante me referirei.
Para tornar mais cômodas as observações por este novo processo, evitando a obrigação
de procurar a coincidência de três objetos, a bolha, o astro e o traço de referência, é elementar que bastará escolher um nível cujo raio aparente
seja igual à distância aparente entre o furo da pínula e o traço de referência do mesmo nível. Desta maneira, o movimento das imagens do astro e da
bolha de nível serão equivalentes e será suficiente que nas imediações do traço de referência se procure tangenciar lateralmente o astro com a bolha
(analogamente ao que se faz usualmente com o sextante, quando se traz a imagem do astro ao horizonte), independentemente da posição do instrumento.
Nos casos vulgares, a distância da pínula ao traço de referência é de pouco mais de
vinte centímetros, o que, por outro lado, dá ao nível uma sensibilidade pouco incômoda, e que ainda se poderá talvez reduzir, substituindo o líqüido
usual, o éter, por um outro líqüido mais pastoso e que também não seja congelável.
Atendendo à inevitável variação do comprimento da bolha de nível com a temperatura, as
observações terão sempre que ser combinadas aos pares, sobre as duas extremidades da bolha, inconveniente este que se me afigura de pequena
importância, e que até, no caso de se observar o sol, serviria para lhe eliminar a correção do semi-diâmetro, fazendo-se as observações com as
posições do sol cruzadas com as da bolha".
Uso da balestilha
Imagem: Associação Nacional de
Cruzeiros - Portugal
|
A descrição do invento continuou no dia 11 de junho do mesmo ano de 1922, também no jornal
A Tribuna:
Imagem: reprodução parcial da matéria original
[...]
Concluímos hoje a descrição da extraordinária descoberta do intrépido aeronauta Gago
Coutinho, aparelho a que deu o nome de "astrolábio de precisão".
Do exposto se conclui que, em geral, a normal a seguir nas novas retificações do
sextante será a seguinte:
1º – Trazer, por meio de parafusos do espelho auxiliar, a imagem da referência do
nível, ao prolongamento da linha do horizonte de mar, refletida na parte central do espelho horizontal e, eventualmente, correta da depressão
conhecida.
2º – Inclinar convenientemente o nível de modo que a média das duas leituras das
extremidades da bolha indique o horizonte verdadeiro, ou o de mar.
3º – Tornar, por meio de parafuso próprio, o nível paralelo ao plano do sextante, o
que se verificará quando a inclinação do instrumento apontado para um mesmo ponto, ou para o horizonte, não produza movimento aparentemente vertical
da imagem da bolha.
4º- Procurar subir ou descer o nível paralelamente a si mesmo, de modo que o seu raio
aparente seja tal que a coincidência da bolha com o horizonte, ou com qualquer ponto observado, se mantenha, apesar dos movimentos do sextante, no
plano vertical. Creio mesmo que será mais prático fazer esta última correção por meio de movimento da chapa ocular da pínula; talvez mesmo cada
correção, como a anterior, se possa obter por construção; mas será necessário que o nível de sobressalente tenha, com diferença inferior ao
milímetro, o mesmo raio do nível que estiver aplicado.
É claro que uma perfeita retificação só se conseguirá por aproximações sucessivas. É
natural supor que as observações com este sextante, assim dotado de horizonte artificial e a que mais propriamente se poderá chamar "astrolábio de
precisão", sejam mais difíceis do que as observações usuais em horizontes de mar; mas a minha pequena experiência pessoal já me mostrou que com
facilidade se consegue quase imobilizar a bolha, afigurando-se-me a nova observação mais fácil do que as observações do mar com a luneta inversa, ou
astronômica, do sextante.
Creio por isso que bastará a limitada experiência de alguns dias para se conseguir
obter do instrumento a precisão relativa de que ele é capaz, que é amplamente suficiente para a navegação aérea e não de a desprezar para
observações de noite a bordo dos navios.
A causa principal do erro nas observações zenitais, feitas por meio de horizonte
artificial, seja de bordo de um navio ou aeroplano, reside na "força centrífuga", a qual causa um desvio transversal da vertical, que, como é
sabido, cresce com o quadrado da velocidade e na razão inversa do raio da curva que, por mais cuidado que haja no governo, com a imperfeição
inevitável das bússolas, existe sempre com um raio de alguns quilômetros. Este desvio é máximo na perpendicular ao rumo e anula-se praticamente para
as observações de astros pela proa ou pela popa.
Para se fazer idéia da importância desse desvio máximo, bastará dizer que para um
barco, navegando a vinte milhas por hora e descrevendo a curva de uma milha de raio, o desvio pelo través é de 19 minutos de arco; e de bordo de um
aeroplano, andando à velocidade de uma milha de raio, tal desvio máximo chega a 2º 50' na direção do centro da curva.
A maneira de reduzir a importância deste erro está não só na alteração do rumo para a
direção do astro a observar, como na reiteração das observações, as quais tenderão naturalmente a ter erros de sinais diferentes. O emprego do nível
parece, por esta razão, preferível ao do giroscópio por este ter grande inércia e lentidão de indicações, ao passo que o nível vai-nos indicando as
sucessivas verticais instantâneas.
Mas pode-se desde já concluir que os pequenos erros fundamentais, resultantes da
maneira como o nível é aproveitado neste astrolábio, não têm importância comparados com este erro dinâmico da vertical. Para dar idéia da grande
aproximação que este instrumento permite, indicarei na seguinte tabela o resultado da observação de alturas circum-meridianas do sol, feita em
terra; cada resultado, que é a média de duas observações sucessivas, cruzando o sol com as duas extremidades da bolha do nível, está reduzido ao
meridiano e foi correto do erro de calagem, por comparação com alturas do sol em horizonte artificial.
Vários oficiais, que têm examinado meu instrumento provisório, têm mostrado a vantagem
das observações se poderem fazer com a luneta vulgar de Galileu. Apesar de eu, como já disse, julgar os resultados já obtidos suficientes na
prática, e ter repugnância em complicar mais o sextante, que, a meu ver, deve ser de manipulação o mais simples possível, creio que será
perfeitamente realizável a adaptação de uma lente colimadora a aplicar logo por trás do espelho horizontal, devendo nesse caso nível ser de pequenas
dimensões, com dois ou três milímetros de diâmetro, para a sua bolha facilmente caber no campo. Neste caso, é evidente que o volume e peso do
horizonte artificial serão muito reduzidos.
Observações do sol em 14 de setembro de 1919 com pínula
Horas
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Alturas
|
13h19.30
|
10º58'
|
21.15
|
61
|
22.35
|
60
|
25.08
|
59
|
27.20
|
62
|
29.20
|
63
|
34.05
|
64
|
35.55
|
62
|
37.22
|
64
|
38.45
|
60
|
40.15
|
61
|
41.30
|
62
|
Erro provável de cada observação 1',3
Erro provável da média 0',4
As experiências, tanto em terra como a bordo e no ar, têm sido até agora feitas com
uma adaptação provisória a um sextante usual de alumínio, sendo o nível vulgar de éter, e não havendo retificações; os recursos das nossas oficinas
de instrumentos de precisão não me têm permitido experimentar algumas modificações, que me têm sido propostas.
Mas, como a minha disposição não está privilegiada, nem tenho tenção de a fazer
privilegiar em Portugal, fica o campo aberto a todas as iniciativas, para uma mais ou menos larga modificação. E dar-me-ei por satisfeito se desta
idéia inicial derivar finalmente a maneira prática de adaptar o sextante às observações de astros, quando não haja linha de horizonte, adaptação
esta que desde há cerca de dois séculos tem encontrado da parte dos navegadores um manifesto desinteresse, sem que se possa pretender que é inútil à
navegação marítima o procurar um meio eficaz de fazer observações astronômicas, tanto de noite, como de dia, quando a névoa encobre o horizonte,
como é freqüente, por exemplo, nas costas americanas.
E foi necessário que a navegação aérea viesse tornar palpitante a
solução deste problema, à qual eu tentei concorrer com uma disposição que se me afigura difícil de realizar com mais simplicidade.
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Artigo publicado no
site do Museu da Marinha de Portugal (consulta em 25/8/2007):
Sextante de Gago Coutinho
Imagem publicada com o artigo
PATRIMÔNIO CULTURAL DA MARINHA - PEÇAS PARA RECORDAR - 18
O sextante de horizonte artificial do almirante Gago Coutinho
Comandante A. J. Silva Soares
Aviador Naval
Entre as criações científicas portuguesas do século XX,
uma das mais notáveis terá sido o sistema de navegação aérea concebido e concretizado pelos comandantes Sacadura Cabral e Gago Coutinho. Um sistema
integral, abrangendo os métodos inéditos de cálculo e pré-cálculo e os meios específicos para a resolução da navegação estimada e astronômica. Dois
instrumentos fundamentais integraram este conjunto: o Corretor de Rumos e o Sextante de Horizonte Artificial.
Este sextante resultou de uma adaptação do clássico sextante de marinha, realizada em
1919 pelo então CMG Gago Coutinho, mediante a aplicação de um nível de bolha de ar e de um espelho auxiliar para refletir a imagem da bolha. Este
dispositivo permitia assim definir um plano horizontal, à semelhança da prática com nível de pedreiro. A adequada justaposição da imagem de um astro
com a bolha do nível equivalia ao clássico trabalho de colocar a imagem do astro sobre o horizonte de mar visível, determinando assim a altura
observada do astro. Gago Coutinho desenvolveu inicialmente este trabalho com vista à navegação marítima, nas situações de horizonte de mar não
visível, de dia ou de noite.
Aconteceu que nesse ano de 1919 o Comandante Sacadura Cabral tomou a iniciativa de
planejar uma viagem aérea ligando Lisboa ao Rio de Janeiro, por ocasião do centenário da independência do país irmão, em 1922. Tal idéia implicou
desenvolvidos estudos técnicos e logísticos relativos às rotas, tipo de avião e métodos de navegação. E foi neste contexto que decidiu convidar o
Comandante Gago Coutinho, seu ex-chefe nas missões geodésicas em África, para colaborar nesses estudos, incluindo a finalização e aperfeiçoamento do
sextante de horizonte artificial, elemento indispensável para a navegação astronômica aérea.
Na mesma época existiam já dois modelos ingleses e um americano de horizonte
artificial, tentativamente utilizados em navegação aérea, não muito bem aceitos pelos navegadores. O sistema de Gago Coutinho trouxe, porém, uma
inovação genial, que facilitou grandemente a prática das observações e melhorou o rigor das leituras. Essa inovação consistiu em utilizar um nível
cujo raio de curvatura era exatamente igual à distância entre o olho do observador e a imagem virtual da bolha no espelho auxiliar.
Desta simples sutileza geométrica resultava que as oscilações angulares do sextante
devidas à instabilidade do navio (ou avião) eram iguais às deslocações angulares da bolha. A leitura da altura do astro não era afetada por essas
oscilações, desde que se mantivesse a respectiva imagem coincidente com a bolha, sem sujeição a qualquer outra referência fixa, como era o caso dos
modelos estrangeiros.
O modelo Gago Coutinho permitia também efetuar observações sobre horizonte de mar, o
que o autor recomendava, sempre que possível.
A partir de centenas de observações com horizonte artificial, em terra e em vôo, Gago
Coutinho determinou o erro médio de ± 10' para uma leitura isolada, e ± 3' para a média de 7 leituras consecutivas. Por isso o seu autor lhe chamou
"astrolábio de precisão".
A firma alemã Plath produziu em série, com a anuência graciosa de Gago Coutinho, um
modelo baseado naquele original, no qual foram introduzidos pequenos ajustamentos propostos pelo Capitão Navegador Jorge de Castilho, designadamente
a mudança da pega do lado direito para o esquerdo e a melhoria da iluminação da escala e da bolha.
O sextante original, utilizado por Gago Coutinho nos vôos históricos com Sacadura
Cabral em 1921 de Lisboa ao Funchal e em 1922 na 1ª Travessia Aérea do Atlântico Sul, é hoje uma das mais valiosas relíquias do nosso Museu de
Marinha, estando em exposição juntamente com o Corretor de Rumos, próximo do hidroavião Santa Cruz, que finalizou a histórica Travessia
Aérea.
Hidroavião Santa Cruz, passando defronte à Torre de Belém, em Lisboa
Imagem:
site Memorial Pernambuco (consulta 26/8/2007)
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