HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS -
PIONEIROS DO AR
As primeiras aviadoras
J.Muniz Jr. (*)
No dia 18 de maio de 1922, os banhistas que se encontravam na praia do
Gonzaga tiveram uma grata surpresa. Tudo ocorreu por volta das 11h45, quando todos presenciaram as evoluções de um pesqueno
aeroplano, que pouco depois pousou na areia, sendo então rodeado pelos mais curiosos, que ficaram estupefatos quando viram que o piloto do aparelho era
uma encantadora moça. Era a aviadora Anésia Pinheiro Machado que havia decolado de São Paulo pouco antes, trazendo uma afetuosa saudação de A Gazeta
(N.E.: jornal paulistano) à imprensa santista.
O certo é que Anésia estava sendo aguardada na praia pelas autoridades da cidade e, ao desembarcar do seu
aparelho Aviatik, foi alvo de manifestações de carinho e apreço, tendo recebido inclusive vários ramalhetes de flores e outras homenagens pela
arrojada viagem. Depois de visitar as redações dos órgãos de imprensa de nossa cidade, a intrépida aviadora regressou à capital.
Quanto à saudação endereçada à imprensa local, foi a mesma redigida nos seguintes termos:
À imprensa de Santos:
Aos prezados colegas da imprensa de Santos, A Gazeta envia, através dos ares e por intermédio da gentil
aviadora patrícia Anésia Pinheiro Machado, as suas saudações afetuosas.
Nesse momento em que o espírito público acompanha, com indizível
interesse, as peripécias emocionantes de uma ousada e brilhante iniciativa nos domínios da aviação, a proeza da sota paulista deve merecer o
nosso mais simpático e dedicado apoio.
São Paulo, 17 de maio de 1922
Oliveira Vianna
Miguel Arco e Flecha
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Além do contato anterior com os aviadores Edu Chaves (brasileiro), Roland Garros
(francês), Edmundo Planchut (francês), Orton William Hoover (americano) e com os pilotos da Aviação Naval, fora aquela a
primeira vez que o público santista tivera oportunidade de ver uma mulher pilotando um aeroplano, o que era considerado na época uma iniciativa ousada
até para os homens.
Assim é que a destemida aviadora levou a cabo o raid aéreo São Paulo-Santos, vencendo a Serra sozinha e
pousando tranquilamente na Praia do Gonzaga, assombrando muita gente, pois contava apenas 17 anos de idade.
Vale relembrar ainda que, naquele memorável vôo entre São Paulo e Santos, Anésia bateu o recorde feminino de
altura na América do Sul, tendo atingido a marca de 4 mil 124 metros de altitude.
Anésia Pinheiro Machado em seu avião, na Revolução de 1924,
quando jogou rosas no Minas Gerais
Foto: Revista da Semana, janeiro de 1940
Brevetada como Piloto-Aviador Internacional, pela Federation Aeronautique Internacionale (FAI), Anésia Pinheiro
Machado veio a se destacar na história da Aviação Brasileira, pelas suas brilhantes proezas e pelo seu pioneirismo, ficando marcada a que fez em
setembro daquele mesmo ano de 1922, em comemoração ao Centenário da Independência do Brasil, concretizando o raid aéreo São Paulo-Rio de Janeiro,
que lhe deu a glória de ser a primeira aviadora brasileira a levar a cabo um vôo interestadual.
Não vamos relatar aqui todas as proezas nacionais e internacionais de Anésia, a primeira mulher a pilotar
sozinha um avião em nosso país e a primeira aviadora brasileira a realizar um vôo transcontinental entre Nova Iorque e Rio de Janeiro, sendo válido
relembrar ainda que, pouco depois da sua arrojada viagem aérea ligando a capital paulista com a nossa cidade, em 1922, batizou o seu avião com a
denominação de Bandeirantes, com o qual voltou a Santos (inclusive com jornalistas e passageiros), onde emocionou a todos com as suas evoluções
aéreas, comprovando a sua habilidade no comando de aeroplanos.
Ainda com o advento da Revolução de 1924, Anésia foi imobilizada juntamente com o seu avião J.N., que
havia ganhado do almirante Alexandrino de Alencar, no Rio de Janeiro, logo após o raid do Centenário.
Durante aquele movimento armado, realizou missões, tendo efetuado uma arrojada manobra sobre o encouraçado
Minas Gerais, que se encontrava ancorado no porto local, deixando cair um ramalhete de flores juntamente com um cartão com a seguinte inscrição:
A sua façanha revolucionária, que ficou gravada na história da Aviação Brasileira, repercutiu de Norte a Sul do
País, e certa vez, ao ser indagada sobre o acontecimento, ela disse sorrindo: "Foi esse movimento mais uma grande página da história paulista. Claro que
não bombardearia, por espírito patriótico, aquele vaso de guerra. Entretanto, se ali fiz isso, foi para demonstrar ao governo federal que São Paulo nada
temia".
Muito tempo depois, por ocasião do Ano Santos Dumont, comemorado em 1956, a mais antiga aviadora do mundo
viajava pelo Sul do País, num vôo de confraternização com destino ao Uruguai, Argentina e Chile, levando mensagens da Câmara Federal e do Ministério da
Aeronáutica.
Todavia, devido ao mau tempo, foi obrigada a descer no antigo Destacamento da Base Aérea de Santos, onde foi
recebida e homenageada pelo então comandante, major aviador Paulo Salema Garção Ribeiro (hoje brigadeiro-do-ar).
Voltando novamente à década vinte deste século (N.E.: século XX), quando uma viagem
de aeroplano de São Paulo a Santos era considerada uma verdadeira "prova de fogo", devido à Serra do Mar, devemos ressaltar que não só Edu Chaves e
Roland Garros (que foram os primeiros em 1912) bem como Anésia Pinheiro Machado tiveram essa primazia. Outros aviadores, como Edmundo Planchut e Orton
William Hoover, também o fizeram.
Thereza di Marzo, que também fez a viagem aérea São Paulo-Santos, em 9/1922
Foto: Folha da Tarde
Uma outra aviadora, Thereza di Marzo, a primeira mulher brasileira a tirar o brevet de piloto, não ficou
atrás, levando a cabo o ousado raid aéreo São Paulo-Santos, no dia 7 de setembro de 1922, como parte das comemorações do Centenário da
Independência do Brasil.
Atendendo convite da Prefeitura Municipal, ela veio à nossa cidade fazer evoluções aéreas e jogar braçadas de
flores no decorrer da inauguração nos monumentos ao padre Bartolomeu de Gusmão (no antigo Largo do Rosário) e aos Irmãos Andradas, na Praça da
Independência.
Brevê da aviadora Thereza di Marzo
Foto: Aviação em Revista
É sabido que Thereza ficou em Santos até o dia 13 daquele mesmo mês, quando participou de uma
comissão de recepção ao aviador chileno capitão Diego Aracena, que vinha tentando concretizar o raid Santiago-Rio de Janeiro e descera em Praia
Grande para reabastecimento, vindo em seguida para a praia do Gonzaga, onde foi recepcionado pelas autoridades locais.
Thereza di Marzo, a primeira aviadora do Brasil
Foto: Aviação em Revista
A
carreira da aviadora paulista Thereza di Marzo durou até o ano de 1926, e nesses quatro anos de atividades aéreas realizou inúmeras proezas, com
citações destacadas nos jornais, além das merecidas homenagens.
Seu sonho de adolescente fora concretizado, pois desfrutava de grande prestígio nos meios aeronáuticos do País e até
no Exterior, chegando a totalizar 325 horas de vôo, numa carreira coroada de êxito.
N. do A. - Os artigos de nossa autoria, denominados "Anésia, Uma Aviadora Pioneira" e "Tereza, a
Primeira Aviadora Brasileira", foram publicados no (jornal) Cidade de Santos, edições de 27 de setembro e 4 de outubro de 1981,
respectivamente.
(*) J.Muniz Jr., jornalista e pesquisador em Santos.
Texto incluído em seu livro Episódios e Narrativas da Aviação na Baixada
Santista, edição comemorativa da Semana da Asa de 1982, Gráfica de A Tribuna, Santos/SP. Fotos desse livro e da publicação Aviação em Revista,
ano XLVI, edição especial 509/510, março-abril de 1983, São Paulo/SP.
Thereza di Marzo e Fritz Roesler, instrutor de vôo e futuro marido,
no dia 8/4/1922 em que ela conquistou o brevê
Foto: Aviação em Revista
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