HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS -
PIONEIROS DO AR
Um heróico pescador de avião
J.Muniz Jr. (*)
No dia 23 de janeiro de 1935, quando uma esquadrilha de hidroaviões da Aviação
Naval sobrevoava o litoral Norte do Estado, nas imediações de Picinguaba, caiu um temporal, oportunidade em que um dos aparelhos veio a sofrer uma pane
no motor e foi forçado a pousar no mar, ficando à deriva. Sua situação era perigosa, uma vez que fatalmente seria jogado contra as pedras daquela
costeira de rochas escarpadas.
Vendo a situação perigosa que se encontrava o piloto da aeronave, um pescador japonês, que se encontrava por
perto, não hesitou um só minuto e resolveu socorrê-lo. Ao chegar ao local com seu pequeno barco pesqueiro, de 10 HP de potência do motor e nove metros
de comprimento, lançou um cabo e puxou o aparelho para que não fosse de encontro às pedras, passando a rebocá-lo por um certo tempo até que encontrou um
outro barco maior, que vinha em socorro do oficial aviador acidentado.
Alguns dias depois, o modesto pescador foi chamado à Capitania dos Portos do Estado de São Paulo, onde, ao ser
indagado se queria ser recompensado pelo serviço prestado, respondeu que não queria nada, pois apenas tinha cumprido a sua obrigação de homem-do-mar. E,
qual não foi a sua surpresa, quando soube que o piloto que havia salvo era o comandante da Primeira Divisão de Patrulha Aérea, integrante da Força de
Aviação Naval, que vinha acompanhando a Esquadra - cujo navio capitânia, o encouraçado São Paulo, trazia a bordo o almirante Protógenes Pereira
Guimarães, ministro de Estado dos Negócios da Marinha, que vinha para Santos, de onde seguiria para a capital paulista, para participar da grandiosa
festividade do 381º aniversário de fundação de São Paulo.
De fato, posteriormente, quando o aludido oficial, o capitão-de-corveta aviador naval Hugo da Cunha Machado,
assumiu o comando da Base de Aviação Naval da Bocaina (N.E.: antecessora da Base Aérea de Santos, no
Guarujá), fez questão de agradecer pessoalmente ao pescador, que compareceu àquela unidade aeronaval, acompanhado do sr. Kinji Kanada, cônsul do
Japão em Santos, das duas filhas Takie e Sadayo Okida e de um amigo, sr. Yoshinobu Sakai. Após ter sido recebido pelo comandante da base,
capitão-de-corveta aviador naval Hugo da Cunha Machado, e por outros oficiais aviadores, o humilde aviador foi homenageado, recebendo - como recordação
da sua ação heróica -, uma pá de hélice aérea.
Sasaki, o cônsul Kinji Kanada, as meninas Sadayo e Takie, Sadami Okida, Hugo Machado e
Yoshinobu Sakai, na homenagem em 1935
Estamos nos referindo ao sr. Sadami Okida, natural de Hiroshima, onde nasceu a 10 de maio de 1894 e que imigrou
para o Brasil com a família (pai, mãe e irmãos) aos dezesseis anos de idade, tendo desembarcado no porto local após noventa dias de viagem por mar, como
integrante da terceira leva de imigrantes japoneses que pisou no solo brasileiro.
De Santos, o jovem Sadami seguiu para o interior do Estado, onde trabalhou ao lado dos seus pais e irmãos em
fazendas de café. Depois de algum tempo, veio para a capital, voltando finalmente para a nossa cidade, em fins da segunda década deste século, onde
passou a trabalhar como pescador na Ponta da Praia.
Cumpre notar que, pelo seu gesto de coragem, socorrendo o hidroavião da Força Aérea da Marinha que se encontrava
em perigo - com o risco da própria vida, uma vez que o mar estava agitado, pois estava soprando vento forte -, o pescador Sadami também foi homenageado
pela Sociedade Japonesa de Santos, que lhe concedeu uma medalha de prata com a seguinte inscrição: "Sociedade Japonesa de Santos - Sadami Okida" (no
verso) e "Amabelita Elogium Bravus - 23/01/35" (no reverso).
Ainda por ocasião do Cinqüentenário da Imigração Japonesa no Brasil, que ocorreu em 1958, o sr. Okida foi
homenageado pelo Governo Japonês devido ao seu feito heróico, impedindo que o hidroavião do comandante Hugo da Cunha Machado se despedaçasse nos
penhascos, em princípios de 1935, ocasião em que foi agraciado com um artístico pergaminho.
O heróico pescador japonês veio a falecer no dia 8 de janeiro de 1969, após mais de meio século de relevantes
serviços prestados no campo da pesca em nosso País, pois contava setenta e quatro anos de idade e havia se tornado uma figura benquista em nossa cidade.
N. do A.: Cabe-nos observar que o episódio relatado acima chegou ao conhecimento do 1º Ten. Inf. Aér. Polícia da
Base Aérea de Santos, que nos falou a respeito, colocando-nos ainda em contato com o Sr. Tsuneo Okida e Sra. Sadayo Okida, filhos do saudoso e heróico
pescador Sadami Okida, que nos forneceram os relatos necessários para a concretização do relato.
(*) J.Muniz Jr., jornalista e pesquisador em Santos.
Texto incluído em seu livro Episódios e Narrativas da Aviação na Baixada
Santista, edição comemorativa da Semana da Asa de 1982, Gráfica de A Tribuna, Santos/SP. |