FEDERAIS DÃO BATIDA-SURPRESA NO PORTO
Federal aciona "Operação Capitão Blood"
Foto: Tateo Ikura
Foto: Tateo Ikura
Foto: Tateo Ikura
Foto: Tateo Ikura
E a contra-ofensiva aos piratas do cais, que voltam a atacar com intensidade. Na
noite de quarta-feira, foi invadido um outro navio, o Estrela Del Mar, que carregava barras de estanho
São nove horas. Um movimento anormal toma conta da praça da
República. Junto ao monumento a Braz Cubas, uma professora, com auxílio de um megafone, tenta
transmitir um pouco da História, mas os alunos não conseguem concentrar-se. A atenção está voltada para o outro lado da rua, no prédio da Polícia
Federal, onde se encontram três carros da Federal, 15 agentes armados com metralhadoras, escopetas e outras armas de grosso calibre.
Três delegados dão as últimas instruções. É o início da contra-ofensiva à pirataria no
cais, a Operação Capitão Blood, cuja ordem vem diretamente do delegado Romeu Tuma, superintendente da Polícia Federal em São Paulo, para um
trabalho em conjunto entre equipes da Capital e de Santos.
Em meio aos policiais, os comentários de mais um ataque pirata, ocorrido à noite, a
bordo do navio Estrela Del Mar, de bandeira uruguaia, atracado no cais do armazém 37 ponto 1. No porão 4 desta embarcação foi preso um
conhecido pirata: Antonio Carlos de Andrade, Foquinha, e com ele, apreendida uma barra de estanho de 30 quilos, avaliada em Cr$ 5 milhões
(N.E.: US$ 759,87, numa época em que o salário mínimo era de Cr$ 333.120,00 e um dólar oficial era comprado por Cr$
6.580,00).
Todo o aparato policial na praça da República atraiu a curiosidade do público e, em
poucos minutos, uma pequena multidão se formava. No comando, o delegado Veronezi e, exatamente às 11h10, foi dada a ordem de partida: três viaturas
da Federal, seguidas por carros com jornalistas. No trajeto até o cais do armazém 35, onde se deu a vistoria ao primeiro navio, o Lloyd
California, as pessoas paravam nas ruas, os motoristas queriam saber o que acontecia. Quando a caravana policial seguiu via balsa para o
Terminal de Contêineres de Conceiçãozinha, mais uma vez chamou a atenção de populares.
Nos cinco navios vistoriados, uma irregularidade: a ausência de vigia de bordo em três
deles. Durantre a blitz monstro, um detalhe curioso. Um elemento ocupando um barco a remo tentava encostar sua embarcação no navio Morillo,
atracado no armazém 37, ponto 2, junto ao navio Estrela Del Mar atacado à noite. Contudo, ao notar a presença de policiais a bordo e da
reportagem, com vigorosas remadas, afastou-se rapidamente do navio.
A presença da Polícia tranqüiliza e agrada os tripulantes
Foto: Tateo Ikura
Ausência dos vigias de bordo
A ousadia dos piratas de cais, que voltaram a agir com intensidade incomum, mobilizou
a Polícia. O delegado Romeu Tuma reuniu seus auxiliares e recomendou um trabalho em conjunto com a Divisão de Polícia Federal de Santos, para
combatê-los com eficácia. O primeiro navio vistoriado foi o Lloyd California. Uma dezena de agentes subiu a bordo, mas não detectou nenhuma
irregularidade. No cais também nada de anormal, mesmo porque era hora de almoço e a Estiva estava parada. Um outro grupo vistoriou o navio
Itaquatiá, no cais do armazém 35, ponto 2, com igual resultado.
Foi no navio Jil-Far, atracado no cais do armazém 34, que os federais
encontraram a primeira irregularidade. Não havia vigia a bordo, nem mesmo o de portaló, uma exigência de lei. Em decorrência do problema de idioma,
não foi possível apurar a causa desta ausência. No navio Mikonos, armazém 33, apesar de contar com uma carga valiosíssima e muito procurada
pelos piratas - pneus -, também não havia vigia de bordo. A história se repetiu com o navio Avon, fato a ser esclarecido pelas federais.
Posteriormente, os agentes estiveram no cais do Terminal de Contêineres de
Conceiçãozinha, onde mais três navios foram vistoriados, nada constatando-se de anormal. A bordo do São Paulo, os tripulantes levaram um
grande susto ao ver tantos homens armados, mas ouviu-se um "very good" quando souberam tratar-se de policiais. Depois, acompanharam os
policiais na vistoria, dando todas as informações necessárias. Não quiseram identificar-se, com exceção do 2º oficial, Nelson Thwinr. Ele explicou
que o navio passou pelo Uruguai, esteve em Buenos Aires e depois veio para o Brasil, parando primeiro no porto do Rio Grande do Sul. Ressaltou que o
problema dos furtos a bordo é comum aos portos, porém, nenhum com a mesma intensidade de Santos.
No porão do navio African Star, a carga danificada - a marca registrada
dos piratas que atacam os navios
Foto: Luiz C. Fernandes
No mar, a fuga desesperada
Agentes federais, jornalistas e tripulantes estavam a bordo do navio Estrela Del
Mar, onde Foquinha foi surpreendido furtando o estanho. Eram 13h15, a operação vistoria continuava, quando alguns policiais e repórteres,
coincidentemente, chegaram à amurada do navio, do lado de mar. Todos viram um barco a remo, movimentado por um homem loiro, com uma tatuagem no
braço direito. A seu lado, um menor. Ambos aproximavam-se do navio Morillo, quando o barqueiro percebeu a presença de policiais e repórteres.
Sua primeira preocupação foi esconder o rosto, baixando a cabeça, enquanto com
vigorosas remadas procurava afastar-se o mais rápido possível. Quando viu as máquinas fotográficas e filmadoras voltadas para ele, apesar de uma
distância de 50 metros do navio, falou algo paa o rapaz, que logo pegou uma caixa, encobrindo seu rosto.
Para os policiais, não resta dúvida de que a dupla pretendia mesmo encostar o barco
junto ao navio. Por uma corda, o menor poderia subir a bordo e, facilmente entrar pela vigia da embarcação, fazendo a limpeza nos camarotes. Segundo
a Polícia, é um tipo de furto que acontece com impressionante freqüência.
"Não sabemos de nada" - Dando por encerrada a primeira fase da operação, a
caravana policial retornou à sede da Divisão de Polícia Federal. Eram 14 horas. E foi neste momento que surgiu a informação de que os piratas haviam
estado a bordo do navio African Star atracado no cais do armazém 10 da Codesp. Num dos porões, o vigia de bordo constatou que várias caixas
estavam estouradas, apesar do navio ter acabado de atracar, e imediatamente comunicou o fato às autoridades. Segundo o vigia Carlos Augusto da
Sonseca Regis, durante o atracamento não houve tempo dos ladrões agirem. Logo, ou a embarcação foi atacada antes de atracar ou no momento em que
ainda se encontrava no cais do porto no Rio de Janeiro.
A reportagem do Cidade de Santos tentou obter maiores informações junto à agência
Lauritz Lachmann, que representa o African Star em Santos. A princípio, a agência informava desconhecer qualquer irregularidade relacionada
com aquela embarcação. Mas o certo é que piratas estivaram a bordo e furtaram catéteres, macacos hidráulicos, rolamentos e prendedores de cabelos.
Posteriormente, uma fonte do agnte confirmou o furto a bordo do African Star, mas o fato teria ocorrido em Barranquilla, na Colômbia. De
qualquer forma, o fato está sendo apreciado pela Polícia Federal, já que houve informações, oficiosas, de que quando o African Star atracou
no Rio de Janeiro, ladrões tentaram sair de bordo com muamba.
Autoridades da área discutem a pirataria
A Operação Capitão Blood, desfechada pela Polícia Federal, acontece como conseqüência
dos problemas que se agravam no porto. Ontem, a Subconfac - Subcomissão da Facilitação do Comércio Exterior - reuniu-se com todas as autoridades com
responsabilidade na faixa portuária (ver matéria na página 8), para debater o assunto. A intenção é minimizar as ações de pirataria e para isso
equipes da Polícia Federal da Capital reforçarão o efetivo da Divisão santista. As blitz serão diuturnas em locais previamente escolhidos,
mas de conhecimento apenas dos coordenadores da operação.
A ação se torna necessária, na medida em que os prejuízos aumentam de forma
assustadora. De barras de estanho a rolamentos, de lentes de óculos a rádios toca-fitas, de carne seca a sapatos e de perfumaria, roupas e bebidas,
até dinheiro e objetos pessoais de tripulantes, tudo se furta no cais em Santos. Ontem, um oficial do navio Estrela Del Mar explicou que,
depois de Santos, só um porto em todo o mundo preocupa tripulantes e armadores: o de Bilbao, na Espanha. Lá o número de furtos é grande, mas não
como em Santos.
Força parapolicial - A busca de solução para combater a pirataria só acontece
aqui quando os ladrões agem com maior intensidade, causando repercussão junto aos órgãos de imprensa. Passada a agitação, todos os planos
mirabolantes, a maioria inexeqüível, são esquecidos até os próximos ataques.
Já em junho de 1983, as autoridades defendiam a necessidade de criação de uma força
parapolicial que combatesse com eficácia a ação dos piratas do cais. A força seria composta de 500 homens que trabalhariam fardados, devidamente
treinados e autorizados ao uso de armas.
Colocou-se também que a criação deste corpo especial, mais o trabalho em conjunto da
Receita Federal, Polícia Federal, Capitania dos Portos e eventualmente até mesmo a Base Aérea com seus helicópteros, seriam o golpe de misericórdia
contra os piratas. O tempo passou e nada foi feito. A pirataria continua tão intensa quanto antes.
Os setores de repressão, até mesmo pela falta de recursos, são ineficientes, o que
possibilita grandes chances de impunidade. Isto pode ser considerado fator de grande importância nas atividades dos ladrões e da ousadia com que
atuam, às vezes até com violência contra os tripulantes que tentam obstar-lhes o caminho.
Conflito de jurisdição - O conflito de jurisdição na faixa portuária é um velho
problema. A Polícia Federal tem poder, porém carece de um aparelhamento mais moderno e eficaz. Precisa aumentar seu efetivo, necessita urgentemente
de carros em condições de tráfego e de uma ou duas lanchas para a perseguição aos piratas. A Polícia Naval não tem poder de polícia, mas sempre que
solicitada auxilia quando o problema é no mar. Também este setor, com múltiplas outras atribuições, não dispõe de recursos para prestar uma
assistência permanente às autoridades no combate aos atos de pirataria.
A Delegacia da Receita Federal conta com uma lancha, mas os AVRs - Agentes de
Vigilância e Repressão - sequer podem trabalhar armados; além do que, também não têm poder de polícia. A parte de terra é vigiada pela Guarda
Portuária, cujos agentes trabalham desarmados e, em hipótese alguma, podem subir a qualquer embarcação. Restam os vigias de bordo, mas aí também há
problemas. O ideal seria a requisição da equipe completa: o rondante, o portaló e o chefe. Porém algumas agências, como medida de economia,
contratam apenas o portaló, outras nem isso fazem, como ficou comprovado ontem: dos cinco navios vistoriados, três estavam sem vigias.
Tudo isso gera um clima de intranqüilidade e mal-entendidos. Um não faz porque é da
responsabilidade do outro e vice-versa. E quem sai perdendo é o porto santista, o maior da América Latina, mas também o mais temido. No cais, a
sombra do perigo e do medo dos assaltos chegaram a gerar um movimento da International Shipping Federation, entidade que congrega todas as
companhias de navegação do mundo, e que fez circular entre suas filiadas um documento de alerta contra os perigos do porto de Santos. Na mensagem, a
ISF recomenda cautelas especiais à tripulação para a salvaguarda da carga e até mesmo visando à preservação da integridade física dos tripulantes.
Segundo a entidade, as condições de segurança no porto de Santos são precárias. As armadoras devem redobrar a vigilância.
Antonio Carlos de Almeida, Foquinha
Fotos: Ernesto Papa, publicação com a matéria
Foquinha, o pirata, é preso
Eram 18h45 de quarta-feira, quando um oficial do navio Estrela Del Mar, de
bandeira uruguaia, surpreendeu o pirata Antonio Carlos de Andrade, Foquinha, no porão 4 da embarcação, tentando retirar uma barra de estanho,
pesando 30 quilos. Valor: Cr$ 5 milhões. A Federal foi chamada e Foquinha, um velho conhecido dos agentes, foi preso e levado para a Divisão
de Polícia Federal de Santos, onde negou o furto.
Contou que apesar de não ter a senha, entrou a bordo, na esperança de obter trabalho
(só não contou como conseguiu entrar). Sendo bagrinho da estiva, por casualidade passava pelo local, quando foi surpreendido. Respondendo a
dois processos na Justiça Federal, Foquinha não conseguiu convencer as autoridades, foi autuado em flagrante por furto e recolhido à Cadeia
Pública de Santos.
Outros - Para os agentes federais, Foquinha deveria contar com a ajuda
de comparsas. É provável que o estivessem esperando em alguma embarcação, do lado do mar, pois ele jamais tentaria deixar o navio carregando a barra
de estanho. Tão pouco a jogaria no mar sabendo que nunca mais a recuperaria. Mas de nada valeram os esforços dos policiais. Foquinha se
manteve na negativa de autoria, e em momento algum admitiu que tivesse cúmplices.
Esse comportamento não surpreendeu os federais, afinal "A Lei do Silêncio", um
código que impera no submundo do crime, especialmente na área da pirataria. Se três estão envolvidos, um assume toda a responsabilidade pelo
ocorrido. Os outros dois, em contrapartida, responsabilizam-se pela contratação de advogados na defesa do companheiro. Por isso, Foquinha foi
taxativo: "não vi nada, não sei de nada, Não estava pegando esse negócio e não ia fazer furto nenhum". |