Antes da implantação do Radiopatrulhamento
Hidroviário da Polícia Militar,
os traficantes tinham a rota de fuga facilitada
Foto de Raimundo Rosa, publicada com a matéria
PERIGO NA ÁGUA
Os novos piratas
Na Baía de Santos há três tipos de saqueadores aquáticos atuando: um trabalha
sozinho, outro tem barcos potentes e o terceiro age em marinas
Rivaldo Santos
Da Reportagem
Os piratas estão de volta. Não são os velhos corsários
de 500 anos atrás. Aqueles bárbaros que atacavam o litoral brasileiro em embarcações à vela, para saquear as nossas riquezas tropicais do tempo de
colônia. A pirataria do século 21 é mais sofisticada e audaciosa.
O novo bandido do mar não tem perna-de-pau nem o lado romântico das aventuras de
folhetins. São criminosos que agem à luz do dia para roubar barcos, assaltar pescadores e até traficar drogas e armas. Um esquema que já preocupa as
autoridades militares e coloca em pânico as populações ribeirinhas.
Na baía de Santos, há três tipos de pirata. O primeiro é o que age individualmente.
Utiliza-se de barcos pequenos a remo. Suas vítimas são pescadores e funcionários de marinas. Roubam motores de popa e mercadorias, atacando, na
maioria das vezes, de madrugada. Recentemente, um comerciante e um pescador foram abordados por esses piratas.
O segundo grupo é mais organizado e perigoso. De acordo com as informações da Polícia
Militar, a quadrilha costuma agir com barcos mais potentes. Usam motores de 40 hp, que atingem velocidade acima de 60 km/h. Com embarcações velozes,
fazem deslocações rápidas e fugas com maior agilidade.
Apesar do risco causado pelas ondas, preferem atacar no alto-mar, assaltando barcos
pesqueiros. Diferentes dos primeiros, cobiçam objetos mais valiosos, como GPS, sonares e radiotransmissores.
Também trabalham sob encomenda, com roubo de peças previamente solicitadas por
receptadores. Esses piratas gostam de atuar em grupo. Sem desprezar pesados armamentos, como metralhadoras.
Em Bertioga, pescadores denunciaram a existência de uma quadrilha com esse perfil. O
temido bando atormenta quem está no mar para trabalhar ou passear. A Polícia Militar já estuda uma estratégia para capturar os salteadores
aquáticos.
Os marginais do segundo grupo ampliaram o rol de vítimas. Na faixa do estuário e do
cais portuário, fazem incursões noturnas em navios cargueiros atracados no porto. O alvo são os contêineres com mercadorias importadas,
especialmente produtos eletrônicos. Para coibi-los, agências marítimas contrataram vigilantes que ficam em pequenas embarcações.
Traficantes - O terceiro grupo de piratas não ataca pescadores ou assalta
marinas e barcos de passeio. A atividade no mar é outra; tráfico de drogas e armas. Aproveitando-se da localização estratégica das favelas montadas
em manguezais, ligando com palafitas três municípios da região (Santos, São Vicente e Guarujá), os traficantes têm nos barcos um meio de transporte
ideal para a entrega de encomendas nos pontos de tráfico e bocas de fumo.
O traficante-pirata entra em cena de madrugada, tendo como aliados a escuridão da
noite e o silêncio dos moradores. A proximidade das favelas com as duas principais rodovias da região - Anchieta e Imigrantes - acaba favorecendo
ações interligadas com bandidos que ficam em terra.
Antes da implantação do Radiopatrulhamento Hidroviário da Polícia Militar, em abril do
ano passado, os traficantes tinham a rota de fuga facilitada pela água. Enquanto a polícia atacava por terra, os bandidos escapavam ilesos pelo mar.
Apesar do pouco tempo de funcionamento do
patrulhamento,
os resultados começam a aparecer
Foto de Raimundo Rosa, publicada com a matéria
Patrulhamento aquático reduz ocorrências
A vida mansa dos piratas do Litoral Paulista começou a mudar há pouco mais de um ano e
meio, com a criação do Radiopatrulhamento Hidroviário. O grupo de 40 policiais militares, treinado para operações em mar, está reprimindo as
quadrilhas aquáticas. Para isso, contam com seis embarcações de 40 hp. As rondas acontecem em rios da região, como o Mariana, o Branco e o
Casqueiro.
Nos barcos equipados com holofotes, luz de navegação e radiotransmissor, fazem
incursões diárias. No entanto, por causa das limitações técnicas das embarcações, os policiais têm dificuldades em patrulhar em alto-mar.
"Precisaríamos de barcos mais potentes. Mesmo assim, não deixamos de dar proteção aos navios pesqueiros", explica o tenente Abreu.
Com base montada no Iate Clube de São Vicente, no Bairro Japuí, o grupo também faz
operações localizadas. Atua em pontos onde os bandidos costumam agir com maior freqüência, como nos braços de rios próximos de favelas. São locais
que também servem para a desova de cadáveres. Geralmente, bandidos mortos em guerra de quadrilhas rivais.
Apoio - Apesar do pouco tempo de funcionamento, os primeiros resultados já
começam a aparecer. Embora não haja estatísticas oficiais sobre os crimes praticados no mar, a PM garante que houve uma diminuição significativa no
número de ocorrências. Ressalva-se, porém, que muitos pescadores preferem não dar queixa do roubo, atitude que é condenada pela polícia.
"Os assaltos às marinas tornaram-se bastante raros com o trabalho dos policiais. As
ações dos bandidos são mais isoladas", revela o capitão Marcelo Prado, sub-comandante interino do 39º Batalhão da Polícia Militar, com sede em São
Vicente.
O tenente Abreu admite que a fiscalização dos municípios mais distantes, como
Bertioga, é uma dificuldade que ainda precisa ser superada. "Já existe um projeto para montar uma base naquela cidade, o que vai facilitar a atuação
dos policiais".
A base montada em São Vicente é a primeira do estado. Como projeto-piloto, deve servir
de modelo para outros municípios paulistas, que ficaram impressionados com os resultados alcançados no curto espaço de tempo.
Tranqüilidade - A chegada do patrulhamento hidroviário foi motivo de
comemoração para os pescadores. A Tribuna acompanhou ontem uma equipe da PM e constatou a satisfação dos pescadores, que não tinham qualquer
proteção no mar antes da criação do policiamento aquático.
Pescador artesanal há 15 anos, Roberto Lopes, de 27 anos, se sente mais seguro quando
sai com o seu barco a remo. Ele mora no Jardim Rádio Clube e já viu outros barqueiros assaltados pelos piratas.
"A gente fica mais tranqüilo, sem medo de ser atacado", conta o pescador, que, no
momento, está preocupado com outro tipo de ataque, também muito perigoso: a poluição.
"O rio está muito sujo. As pessoas jogam lixo no mar. Sem falar das pescas feitas com
malhas muito finas, que capturam peixes muito miúdos", reclama.
Equipes também atuam em salvamentos,
resgates de embarcações à deriva e apoio aos bombeiros
Foto de Raimundo Rosa, publicada com a matéria
Policiais são recebidos a tiros em VC
Além do tráfico de drogas na beira dos mangues, o radiopatrulhamento hidroviário tem
uma preocupação especial com dois locais do litoral paulista: Bertioga e Guarujá. No primeiro município, a polícia luta para desmantelar uma
quadrilha que está aterrorizando pescadores e turistas.
Em Guarujá, o alvo são os traficantes que agem na Prainha Branca (Vicente de
Carvalho), um bairro que fica em uma área próxima de atracadouro de navios. Lá também existem instalações de terminais de contêineres. Na última
ronda feita na área, a equipe da PM foi recebida a tiros pelos traficantes, em plena luz do dia. Nenhum policial ficou ferido.
Na manhã de ontem, quando acompanhou o patrulhamento no mar, A Tribuna
verificou que a ação dos piratas conta com o apoio de bandidos que ficam em terra. Diante da aproximação das duas embarcações, jovens que estavam
perto do cais fugiram. Outros fizeram gestos com as mãos, como se estivessem transmitindo sinais de alerta para pessoas escondidas nos manguezais.
"É um trabalho bastante perigoso. Existe o risco de emboscadas", conta o cabo Walter,
um dos mais experientes do grupo de patrulhamento. "Atuamos também em salvamentos, resgates de embarcações à deriva e no apoio ao Corpo de Bombeiros
e à Polícia Federal".
Armadilhas - Na captura dos piratas, os policiais também enfrentam armadilhas.
A colocação de redes sob a ponte para virar o barco é uma delas. Por isso, o trabalho é feito em duplas e com apoio de equipes em terra.
Outra barreira é provocada indiretamente pelo homem: o lixo despejado pelos moradores
de favelas à beira do mangue. O material descartado, além de poluir os rios, pode travar a hélice do motor e virar a embarcação, como chegou a
acontecer recentemente com uma equipe da PM. |