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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
O cozinheiro Miguel
Havia em Santos um cozinheiro famoso, proprietário de um restaurante que, nem por muito afreguezado, deixava de sofrer agudas crises financeiras. Numa delas resolveu o rival de Brillat Savarin atear fogo ao estabelecimento para receber a quantia do seguro.

Ilustração original do 'Almanhaque'

Pensou e executou.

Por entre as prateleiras da casa meteu boa quantidade de estopa abeberada em querosene. Um fósforo aceso fez o resto. Quando as primeiras chamas ensaiavam a tarefa destruidora, o Miguel, mais cedo do que devera, foi para o meio da rua a gritar que estava perdido, a clamar por socorro, que veio muito mais depressa do que deveria ter vindo. Os bombeiros tiraram a estopa e era uma vez um seguro...

Isto, porém, não o livrou do processo e do júri.

O Miguel era alto. Magríssimo. Pretíssimo. Usava óculos.

Apresentou-se perante o tribunal excentricamente vestido. Seu advogado era Martim Francisco de Andrada, que assim começou a defesa:

- "Senhores: Conheceis o Miguel, que não contente de afrontar a majestade deste tribunal com a sua sobrecasaca cor de louva-a-Deus, desafia as minhas convicções monárquicas com essa gravata republicana? Não conheceis? É o primeiro cozinheiro de Santos, mas não sabe fazer fogo!"

O réu foi unanimemente absolvido.

A. de C. M.

A força do absurdo - Martim Francisco de Andrada, o Terceiro, encontrou-se em viagem com o dr. Melo Nogueira. Conversara, seguidamente, mais de duas horas.

- Não o tratarei por "senhor". Fui colega de seu pai. Tenho, por isso, autoridade para lhe dar conselhos. Você é culto mas tímido. A timidez é um mal. Nunca fique quieto. Diga sempre o que entender dizer. E se não entender coisa nenhuma diga o que lhe vier à cabeça. Oiça esta história. Sou pontualíssimo. O primeiro a chegar. Uma ocasião, em Santos, marquei a um amigo hora para um encontro no meu escritório. Desço do bonde. Havia incêndio na extremidade da rua, que precisava atravessar, custasse o que custasse. A rua estava interdita. Avancei mesmo assim. Logo à esquina, um bombeiro, com voz de bombeiro, que dá ordem:

- Não pode passar!

- Posso. Sou da Regência!

O bombeiro perfilou-se. Fez-se continência. Passei. Fui pontual à entrevista.

Melo Nogueira, com aquela timidez distinta:

- E porque disse: sou da Regência?

- Foi o primeiro absurdo que me ocorreu. Os absurdos vencem sempre. Adeus!

Extraído de Almanhaque para 1949 ou Almanhaque d'A Manha - Primeiro Semestre, "super-tele-visionado na sua parte científica, astronômica e profética pelo Exmo. Sr. Barão de Itararé, o Brando - marechal-almirante e brigadeiro do ar condicionado, que o escreveu todinho, em grande estilo e vertiginosa velocidade, com a sua nova caneta de propulsão a jato, comandando um exército de esteno-datilógrafas mecanizadas e sob a carinhosa e permanente vigilância das exmas. autoridades federais e internacionais da ordem política e social". "Copyright by Baron of Itararé - Sob o patrocínio da SOciedade GRAfica Ltda. (SOGRA)"

Barão de Itararé é a alcunha de Apparício Torelly (1895-1971). A Batalha de Itararé é famosa por nunca ter ocorrido.

A. de C.M., na assinatura do primeiro texto, é abreviatura de Arthur de Cerqueira Mendes

A família santista Andrada e Silva, à qual pertenceu Martim Francisco de Andrada, deu ao Brasil, entre outros, o Patriarca da Independência, José Bonifácio de Andrada e Silva.

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