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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - FANTASMA
O fantasma do Paquetá (2)

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A história de um fantasma junto ao Cemitério do Paquetá foi tema de comentários no jornal Cidade de Santos (terceiro com esse nome, que circulou de 29/9/1898 a cerca de 1911), na primeira página da edição de sábado, 28 de julho de 1900 (grafia atualizada nesta transcrição - exemplar conservado na Hemeroteca Municipal de Santos):
 


Imagem: reprodução parcial do jornal Cidade de Santos de 28 de julho de 1900
Acervo: Hemeroteca Municipal de Santos

Respigando

Não sou daqueles que negam absolutamente certas aparições e nem é possível negar, porque quem acredita na existência de outra vida, naturalmente, sanciona a possibilidade do aparecimento de visões, ou melhor, de espíritos que vêm ao mundo, em suas formas mais puras.

Entretanto, não serei eu quem vá acreditar no aparecimento do fantasma do cemitério do Paquetá e acho mesmo que é grave tolice afirmar a sua existência.

Os espíritos atrasados que se deixam emocionar por notícias adrede preparadas, são sujeitos a desvarios, a falsas visões que, em dados momentos psicológicos, podem determinar desarranjos mentais de gravidade.

O fantasma do cemitério do Paquetá não passa de uma brincadeira de mau gosto que tem determinado muita gente sair fora de horas dos seus lençóis para verificar a sua veracidade.

Ora, não é justo que a imprensa assim incomode a população e dê trabalho à polícia para manter a ordem a horas mortas da noite.

A missão do jornal é, às vezes, bem diversa do que deveria ser e não se compreende como em uma cidade civilizada se deixem embalar por fantasias dessa ordem.

O que se está dando durante as noites, nos arredores do cemitério, necessário se torna coibir para evitar fatos de maior gravidade, porque licitamente a polícia não pode permitir a aglomeração de povo, fora de horas, quanto mais que os imprudentes não faltam nessas ocasiões.

Acertada anda a polícia pondo cobro a semelhantes arruaças à meia noite e bem andará a imprensa aconselhando ao povo que fique em casa, porque os fantasmas dificilmente podem aparecer às multidões.

Se realmente houvesse alguma coisa fora do natural, para quem conhece as condições necessárias às revelações de além túmulo, facilmente verificaria que, se o fantasma aparecesse para uma ou duas pessoas, só excepcionalmente se revelaria a um grande número de pessoas, com crenças indefinidas.

Os aparecimentos de qualquer visão às multidões são casos pouco conhecidos, o que não dá com aparecimentos de entes queridos às pessoas queridas, mas, isoladamente, ou em reuniões revestidas de caráter íntimo, onde a concentração determina o estabelecimento das correntes fluídicas que põem em contato as forças psicológicas, que mal começam a ser estudadas e conhecidas.

O simples caráter de curiosidade que predomina nas pessoas que concorrem a uma reunião, como a que ontem vimos no cemitério do Paquetá, era uma força mais que necessária para repelir qualquer comunicação entre as forças astrais que vagam nos espaço nas proximidades da terra. Explicados os fatos por esse prisma, que é hoje uma ciência experimental como o têm demonstrado os sábios do mundo inteiro que se têm dedicado ao estudo das forças ocultas, fácil é verificar-se que no cemitério do Paquetá não tem aparecido fantasma algum e a insistência em se propalar semelhante tolice só traz prejuízos à sociedade e deve ser coibida pela polícia.

Aqueles que, escudados nas opiniões de Allan Kardec, Crooks, Rochat, Assakoff e tantas outras notabilidades científicas, acreditam em uma relação íntima, presidida por força incontestável, entre a humanidade terrestre e a espiritual, não podem sancionar o sacrílego princípio que preside a divulgação dessa enorme mentira do fantasma do Paquetá.

As pessoas bem intencionadas que se não deixem embalar pela fantasia dos noticiaristas e fiquem em suas casas, na cama que é lugar quente.

Rizote.



Imagem: reprodução parcial do jornal Cidade de Santos de 28 de julho de 1900
Acervo: Hemeroteca Municipal de Santos

O Fantasma

Natural curiosidade tem conduzido muitos habitantes desta cidade aos arredores do cemitério do Paquetá, desejando ver o fantasma que dizem ali aparecer.

Da curiosidade, porém, passaram ao abuso e ontem algumas pessoas pretenderam escalar os muros e penetrar no cemitério.

A força de cavalaria ali postada, para prevenir qualquer acontecimento, conseguiu dispersá-las, tendo recebido instruções para não consentir agrupamento nas imediações.


Ilustração publicada com essa coluna, em 28/7/1900

Badaladas

[...]

***

- Vamos ver o fantasma?

- O quê? Já não bastam os que eu vejo de dia.

- Julgava-os somente noturnos.

- Não preciso ir ao Paquetá. Estão ali um, dois, três...

- Quem?

- Os meus cadáveres.

***

[...]

Padilha

Imagem: reprodução parcial do jornal Cidade de Santos de 28 de julho de 1900
Acervo: Hemeroteca Municipal de Santos

No dia seguinte, domingo, 29 de julho de 1900, o tema continuava em destaque na edição 534 do mesmo jornal Cidade de Santos (grafia atualizada nesta transcrição - exemplar conservado na Hemeroteca Municipal de Santos):


Foto: reprodução parcial do jornal Cidade de Santos de 29 de julho de 1900
Acervo: Hemeroteca Municipal de Santos

Através da semana

Um fato notável, apenas.

Apenas um fato envolto no sudário do incognoscível, singular, misterioso, preocupou a atenção dos nossos habitantes, quebrando a monotonia soturna das nossas ruas, enchendo de pavor os espíritos tímidos e dando asas à fantasia dos cronistas.

Nota dominante, única, no perpassar dos dias da semana, ela relembra as histórias de duendes, que ternas mães sabem contar, fitando amorosamente o seu ídolo que adormece ao balançar isócrono de ideal bercinho.

Bordar uma crônica, procurar festões de gala e recorrer ao assunto predileto e de atualidade - o Fantasma! - exclama o espectro da obrigação, em frases bifrontes a ambíguas, como o oráculo de Delfos.

***

Confesso, e não ria, leitor amigo, da minha pueril fraqueza, não resisti ao fluído magnético da curiosidade e me deixei levar para as proximidades do campo santo, antevendo quadrilhas macabras de esqueletos e quejandas imbecilidades.

À plangência lúgubre do sino, indicando a hora mística e tétrica da meia noite, já lá me achava, irritadiço, praguejando à luz amortecida da City, distribuída com a prodigalidade avara de inglês, e sem experimentar o menor resquício de comoção ou de pavor.

Brotou de uma campa, como a fonte cristalina da rocha alvadia - ele - o Fantasma, envolto na mortalha que levara para ali.

Moço ainda, cabelos anelados, olhos grandes e pretos como o ébano, onde se espraiam indiscretas lágrimas, lágrimas talvez, cruciantes, de uma saudade infinda.

Num andar compassado e lento, lento e contínuo, passou por mim, deixou cair, não sei se propositalmente, alguma coisa, e desapareceu.

Aguçou-se a minha curiosidade: apanhei o objeto fantástico, abri o receptáculo e encontrei um bilhete misteriosamente escrito, numa caligrafia divinamente talhada:

"Mentiu o genial poeta: Amor não é a vida. Acertou o divino Dante: O amor conduz a uma morte".

Eis, portanto, amáveis leitores, decifrado o misterioso enigma, descoberto o segredo da alma penada do Paquetá.

É a saudade do ente amado que a faz vagar. Deixai em paz, portanto, a assustadora visão e repeti comigo:

"Lasciate ogni speranza, ó voí que entrate." (N.E.: SIC: mistura de italiano e latim. Em italiano: "Lasciate ogni speranza, voi ch'entrate". Em latim: "Lachiáte ônhi speránza, vói qu'entráte". Significado: "Deixai aqui toda a esperança, vós que entrais" - inscrição na porta do inferno, segundo a obra Divina Comédia, de Dante Aliguieri).

***

[...]

Ximenes Júnior


Imagem: reprodução parcial do jornal Cidade de Santos de 29 de julho de 1900
Acervo: Hemeroteca Municipal de Santos

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