Fantasma do Paquetá Foi uma história que ocupou muito a população de
Santos entre o final do século retrasado e início do passado, assim me contou em 1966 dona Elvira Lopez (falecida em 1970 aos 87 anos), espanhola que já morava no Brasil desde criança no final do século XIX, na Rua Dr. Cocrane, 179.
Sua explicação foi confirmada pelo Sr. Clovis Benedito de Almeida (nascido em Santos em 1934), que também escutou atentamente as histórias de sua avó, dona Maria do Rosário (falecida em
1956, aos 86 anos).
Segundo os dois depoimentos, ocorreu que uma certa Maria, apelidada "a Maracajá", que era uma beata, teve um envolvimento com um religioso da Matriz Velha, pois sua residência era também
para os lados da antiga matriz. Dessa relação proibida nasceu uma criança, que veio a falecer logo depois, devido ao alto índice de mortalidade infantil, tão comum naquele final de século XIX.
Por vergonha, foi a criança enterrada de forma bem discreta, mas a sociedade condenou a pobre Maria e, todas as noites, ela surgia na esquina da Rua São Francisco de Paula, com seu
vestido (próprio da época) com um véu semelhante à Verônica de Semana Santa.
Seguia pelo gradil do cemitério da Rua Dr. Cócrane e se dirigia até o portão principal, onde se ajoelhava, levantava o véu, enxugava suas lágrimas e acenava para dentro, em direção da
capela onde, à direita de quem olha, está a quadra infantil. Muitas vezes, era obrigada a abrir o grande portão trabalhado e encimado por uma cruz, pois não havia velório na capela. Acabando a sua manifestação de dor, retirava-se para a Rua
Bittencourt e ali desaparecia rapidamente.
Em 1878, defronte ao Cemitério do Paquetá havia o Largo do Cemitério.
Os pontilhados indicam os percursos das linhas de bondes nessa época
Imagem: detalhe da Planta de Santos feita em 1878 por Jules Martin
e reproduzida em desenho pelo santista Lauro Ribeiro de Souza (Ribs)
Não podemos esquecer que a iluminação pública era feita pelos famosos lampiões de gás, muito distantes um do outro e da frente do grande Largo do Paquetá. Também era comum a população se
recolher cedo, para acordar às 5 horas da manhã, num costume bem rural que persistia na cidade grande, auxiliado pelo frio dos meses de julho, que seria mais forte devido à alta concentração de plantas nos jardins e quintais das casas da
época. Assim, no largo hoje desaparecido, tudo favorecia à aura de sobrenatural da cena.
Foi em 26 de julho de 1900 que ocorreu a última aparição, o que se explica porque a moça adoeceu e faleceu. Ainda surgiriam, mais tarde, pessoas que afirmariam ter visto a mesma cena se
repetir até os idos da década de 1920, mesmo com a iluminação elétrica, mas a recordação da violenta repressão da polícia fazia com que o fantasma se apresentasse em paz, em seu estranho ritual.
A mesma figura está pintada em um quadro que se encontra na administração do cemitério. Esse cemitério, como todos os outros, tem mais histórias de fantasmas, como a da noiva que
passeava por suas alamedas durante a noite com seu vestido branco (explicando o povo que seu noivo havia falecido alguns dias antes do casamento), ou a meretriz que chamava os boêmios para dentro do cemitério oferecendo seus serviços, sendo comum
que quando o sol surgia os mesmos acordassem e se encontrassem deitados em cima de um túmulo, e seu paletó ou casaco delicadamente colocado sobre a lápide.
Igualmente havia a molecada que retirava os crânios do ossuário e os colocava primeiramente nas grades e, seguindo o tempo, sobre os muros da necrópole, para assustar os passantes,
segundo relata dona Matilde das Neves (falecida em 1999 aos 91 anos).
Todas essas histórias populares refletem bem o imaginário popular, pois só existirão histórias de fantasmas e lendas onde existirem seres humanos bem vivos.
Durante os preparativos para a teatralização da história de "Maria a Maracajá", em 2007, verificou-se coincidentemente que, na área destinada à Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo,
à direita de quem entra no cemitério, existe de fato um jazigo da família Maracajá
Foto: Carlos Pimentel Mendes, em 19/7/2007
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Casario é testemunho de uma época Segundo o professor Francisco Carballa, provavelmente durante a
segunda década do século XX o Largo do Cemitério desapareceu, sendo loteado, como se pode ver nas datas das construções que resistiram ao tempo, como a da Floricultura Imperial (de 1915), situada na Rua Dr. Cochrane, em terreno antes ocupado por
aquele Largo:
Parte superior da fachada da Floricultura Imperial, vendo-se a data de construção, 1915
(o que indica que já nesse ano o Largo do Cemitério não mais existia nesse local)
Foto: Carlos Pimentel Mendes, em 19/7/2007
Ainda segundo o professor Carballa, o gradil e o grande portão encimado por uma cruz, que se dividia ao meio quando era aberto, cedeu lugar a um portal majestoso, onde se pode ler a
inscrição em Latim, idêntica à das catacumbas de Calixto de Roma, que foi retirada do Salmo nº 4, versículo nº 9: "In pace in idipsum dormiam et requiescan".
Na tradução, lemos: "Apenas me deito, logo adormeço em paz,..." - como se fosse uma afirmação do sono eterno dos mortos e para pôr termo as histórias de fantasmas no Paquetá...
Inscrição latina no moderno órtico do Cemitério do Paquetá
Foto: Carlos Pimentel Mendes, em 19/7/2007
Esta casa, situada na confluência da Rua Dr. Cochrane com a Avenida São Francisco, é de 1900, mesmo ano das aparições fantasmagóricas:
Foto: Carlos Pimentel Mendes, em 19/7/2007
No frontispício, a data: 1900:
Foto: Carlos Pimentel Mendes, em 19/7/2007
Defronte, na mesma esquina, outro conjunto de casas, algumas delas contemporâneas dessa história. Em uma delas viveu Elvira Lopez, na época das aparições do fantasma do Paquetá:
Fotos: Carlos Pimentel Mendes, em 19/7/2007
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