Praça Barão do Rio Branco - parece que tudo começou
neste lugarCentro nevrálgico de São Vicente, contam que
foi na Praça Barão do Rio Branco que tudo começou. Pelo menos o comércio organizado como tal, segundo os mais antigos.
Localizada entre as ruas Frei Gaspar e Jacob Emmerich, dividindo a Rua Martim Afonso ao meio, a praça é um
verdadeiro rosário de histórias e negociações. Lá são realizados desde o mais simples negócio de "jogo do bicho" às grandes aplicações no mercado
(lá estão instaladas várias agências bancárias) e as mais sigilosas articulações políticas, que depois, naturalmente, espalham-se para todos os
cantos, surpreendendo até mesmo aquele que fora o centro da articulação. Tudo isso sem falar no comércio em si.
Afinal, a praça reúne lojas de todos os tipos, desde armarinhos a grandes magazines, bares, restaurantes,
pipoqueiros e outros ambulantes, ponto de táxi (nos dois lados da praça). E, como não podia faltar, uma banca de jornal, talvez a mais antiga do
município, onde os interessados podem adquirir desde jornal a coleções de livros. Há espaço também para o lazer: um palco para apresentações
diversas, mesas para jogos (damas, xadrez etc.) e naturalmente os bancos, pois, sem eles, o que seria dos namorados, que nem prestam atenção ao
olhar do Barão do Rio Branco, cujo busto se encontra sobre um pedestal.
Chova ou faça sol, desde o início do século XIX, a
Praça Barão do Rio Branco nunca está vazia, como nesta foto de 1979
Imagem: reprodução da página 57 (ou 62) da
publicação (cor acrescentada por Novo Milênio)
Um imponente castelo em frente ao boulevard
A Praça Barão do Rio Branco foi um dos logradouros que mais sofreu
alterações desde o início do século (N. E.: século XX). Foi terminal de
bondes, desde que eles eram puxados por burros; teve estação de bondes elétricos; foi ponto final de ônibus intermunicipais e central de agências de
todas as linhas intermunicipais para a capital.
No início do século a praça era formada apenas por uma quadra, começando na Rua Frei Gaspar. Depois se estendeu
até a Rua Jacob Emmerich e o tráfego era desenvolvido à sua volta. Em 1979, foi interditada para uma grande reforma, transformando-a em boulevard.
Antes da grande reforma, tudo acontecia: desfiles, concentrações políticas e todas as novidades do comércio
chegavam primeiro à "Barão", como é chamada. Afinal, lá também funcionava o Serviço Royal de Alto-Falantes.
Embora o Bar Esporte, localizado na praça, esquina com a Rua Martim Afonso de Souza, seja conhecido como um dos
mais antigos estabelecimentos do local (em 1933 já estava em pleno funcionamento), a arquitetura arrojada de um prédio de três andares, com aspecto
de um verdadeiro castelo, deu impulso às construções comerciais naquele local.
O português Antonio Zuffo escolhera exatamente a área onde estava o Bar Esporte para, em 1935, erguer um
grande conjunto comercial. O prédio, hoje ocupado pela Associação Comercial, Industrial e Agrícola de São Vicente e outros
escritórios, continua chamando atenção pela linha arquitetônica. No térreo, de frente para a praça, continua o Bar Esporte.
No palacete Anchieta, cuja arquitetura resiste, as
notícias em primeira mão
Imagem: reprodução da página 59 da
publicação (cor acrescentada por Novo Milênio)
Com o Royal no ar, até guerra podia acontecer na praça
Viva os aliados! - bradava pelo alto-falante Antonio Peixoto,
informando à multidão que acabara a II Guerra. Enquanto o povo aplaudia e dançava, Peixoto foi ao solarium do Edifício Zuffo e começou a hastear as
bandeiras. Eram cinco mastros e cinco bandeiras.
Hasteou inicialmente apenas quatro: do Brasil, Inglaterra, França e Estados Unidos. Faltava uma, a da União
Soviética. Ao perceber, a multidão começou a gritar. Peixoto, propositadamente, havia preparado uma das suas: enquanto o povo gritava pela bandeira
da URSS, ele hasteou a de seu país, Portugal. Peixoto quase provocou outra "guerra".
"Senhoras e senhores, o Serviço Royal de Alto-Falantes está no ar para levar a todos muita alegria, informação e
tudo mais a que tiver direito e conhecimento..."
Quem assim falava, por volta de 1937, era A. Tabagy, proprietário do serviço instalado no último andar do Edifício
Zuffo, ou Palacete Anchieta, como já era chamado.
O Serviço Royal fazia as vezes de emissora de rádio que São Vicente não tinha. Além de música e publicidade
transmitidas por poderosos alto-falantes prestava todo tipo de informação. Assim, já naquela época, a Praça Barão do Rio Branco era o "centro das
novidades". Tudo ia ao ar de forma imediata.
Além de shows e cinema ao ar livre, apresentava, aos domingos, o famoso programa de calouros "A Hora do
Pato", que revelou o grande seresteiro vicentino Mauricy Moura, também seu irmão, o cantor Maurício, Saraiva e seu saxofone, a cantora Leila Silva e
a dupla Jararaca e Ratinho, entre tantos outros valores da música brasileira.
A. Tabagy vendeu o Serviço para Antonio Peixoto que, em 1956, vendeu a empresa para Marcos Machado, um dos mais
famosos locutores do Royal e que manteve o serviço de alto-falantes até 5 de dezembro de 1969, fazendo o último programa em 1º de janeiro de 1970.
Marcos Machado
Imagem: reprodução da página 59 da
publicação (cor acrescentada por Novo Milênio)
É Marcos Machado, radialista profissional, falecido em junho de 1991,
que contou as peripécias do Serviço Royal e da alegria que levava ao povo, ávido de lazer e informação.
O Serviço Royal teve como característica a irreverência de seus proprietários e locutores. A instituição promovia
anualmente o Carnaval do Povo, com um amplo tablado que a Prefeitura montava na praça, onde eram realizados bailes, matinês, concursos de blocos e
fantasias.
Lembra Machado que as grandes agremiações carnavalescas de Santos, como o Bloco
Chineses do Mercado (extinto) e a Escola de Samba X-9 desfilavam apenas pelo prazer de mostrar seu carnaval
ao povo e para concorrer a um simples troféu.
"Colocávamos o serviço no ar de segunda a segunda, das 19 às 22 horas, e retransmitíamos, inclusive, a Voz do
Brasil. Aos sábados, domingos e feriados, era uma loucura. Casais de namorados ofereciam músicas e Vicente Celestino era o preferido. O programa
de calouros era uma alegria só e, muitas vezes, o prêmio da Hora do Pato era um frango assado, ou uma tainha recheada, oferta do Bar e
Restaurante Ao Amigo Campos".
Foi Antonio Peixoto que transmitiu para uma multidão apinhada na praça o final da II
Guerra Mundial. Naquele dia 8 de maio de 1945, pela manhã, a praça lotada e a rádio no ar, dando, em primeira mão, a vitória dos aliados. Ah! dia
feliz.
Em 1946, quando foi criada a Rádio Cultura de São Vicente, nosso serviço
continuava, mas o avanço das comunicações, a marcha do progresso, como era de se esperar, colocou um ponto final na vida da Royal de Alto-Falantes,
que muito serviço prestou ao povo e à cidade. Ficou o prédio e a saudade.
Toninho Campos
Imagem: reprodução da página 59 da
publicação (cor acrescentada por Novo Milênio)
Na Barão, tudo se sabe
Assim como o Barão do Rio Branco no meio da praça não se abalou com
as mudanças realizadas no local, muitos dos comerciantes ali instalados durante décadas também não. No máximo, em virtude do tempo, passaram seus
estabelecimentos para os filhos, que procuram manter a tradição de ser o ponto mais bem informado da cidade.
"Da praça e do Barão ninguém consegue esconder nada". Quem afirma isso é Antonio Campos, o Toninho Campos,
proprietário do Bar e Restaurante Ao Amigo Campos, que pertenceu a seu pai desde os idos da década de 40.
Risonho, considerado um dos maiores "gozadores" da cidade e também um dos mais bem informados, Toninho diz que,
quando seu pai adquiriu o restaurante, existiam na praça o Bar Esporte, um grande depósito de cereais, os trilhos do bonde, sua estação e muitas
árvores.
Há pessoas que frequentam o restaurante do Toninho há 36 anos e lá há uma mistura de raças, credos, situações
financeiras e correntes políticas. O Restaurante Ao Amigo Campos, segundo algumas estatísticas, é o mais antigo da cidade.
Busto do patrono da Praça Barão do Rio Branco
Imagem: reprodução da página 62 da
publicação (cor acrescentada por Novo Milênio)
No centro da praça, Walter e suas histórias
Ela está lá, no meio da praça, chamando a atenção de todos. É a banca
de jornais e revistas do Walter, outro ponto de novidades.
Há 43 anos com sua banca na Barão, Walter é uma das pessoas mais consultadas, principalmente sobre altas e baixas
de preços e assuntos políticos. Começou a trabalhar aos 11 anos, distribuindo jornal para a Empresa Magalhães (sede em Santos). Desde então,
levantava às 3h30 da madrugada, distribuía seu serviço em 37 bancas, que incluía a Praia Grande, que ainda era bairro de São Vicente.
Em 1948, conseguiu uma banca própria, graças aos serviços prestados à empresa. Ficava em frente ao prédio do
Serviço Royal.
Com a reforma transformando a praça num boulevard, a banca foi transferida para o centro do logradouro, mas
tudo continua igual: "O povo quer saber das notícias".
Walter e Toninho, amigos de décadas, afirmam que a praça, apesar das reformas, não mudou em seus corações: "Ela
continua sendo o ponto de partida de tudo. Um exemplo são as discussões acirradas com relação à política e às altas do mercado".
Sempre sorridente, Toninho diz que tem saudades da antiga praça, mas tudo se adapta. Walter é mais saudosista e
diz que o progresso o decepcionou: "As pessoas não têm mais respeito pela coisa pública e muitas vezes tenho que chamar a atenção de moças e
marmanjos que destroem luminárias, bancos etc."
A padaria Chic, o Café Floresta, o restaurante do Toninho, a banca do Walter e o Bar Esporte formam um verdadeiro
Senado. Grupos diferentes reúnem-se num desses locais, trocam ideias, depois vão discuti-las em outro ponto e, no final, criam correntes de
pensamento que chegam a decidir alguns rumos a serem tomados no município.