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HISTÓRIAS E LENDAS DE S. VICENTE - RIOS
Rios e terrenos de marinha vicentinos [2]

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Matéria publicada no jornal santista A Tribuna, em 10 de outubro de 2010, na página A-12:

Perto do Centro, o Rio Piaçabuçu, mesmo pouco conhecido, reúne os praticantes de canoagem. A poluição ainda não afastou as garças. A foz fica perto de ilhotas. Raízes tentam proteger os manguezais

Fotos: Edison Baraçal, publicadas com a matéria

 

No Piaçabuçu, as águas que São Vicente 'desconhece'

 

São Vicente abriga um universo fluvial que ainda precisa ser descoberto pela maioria dos moradores. São três rios e mais alguns pequenos afluentes e braços. O Piaçabuçu é o menor deles e também o mais próximo do Centro. Sofreu com a poluição vinda das muitas palafitas, mas conseguiu alguma recuperação com ações ambientais.

 

ORIGEM

Inicialmente, o Rio Piaçabuçu foi chamado pelos europeus de Rio Formoso. No entanto, com o passar do tempo o nome usado pelos indígenas para designá-lo tornou-se mais popular. Piaçabuçu vem do tupi e significa "Porto Grande". Curiosamente, foi também a primeira nomenclatura atribuída pelos índios à cidade de Praia Grande.

 

Piaçabuçu, um rio que ainda resiste

Ele nasce em Praia Grande, na região da Santa Marina, e tem sua foz junto a um complexo de ilhotas cobertas de manguezais

Victor Miranda

Da Redação

Nem só de mar vive São Vicente. Escondido entre manguezais e vegetação nativa, a Cidade abriga um universo fluvial que ainda precisa ser descoberto pela maioria dos moradores. Uma realidade que, para muitos, é exclusividade de outras regiões mas que, na prática, está a poucos quilômetros de distância do Centro da Cidade.

Ao todo, o Município conta com três rios (Piaçabuçu, Mariana e Branco) e mais alguns pequenos afluentes e braços. Somados, eles formam uma área total de 11 quilômetros quadrados – para efeito de comparação, a Cidade conta com 146 km².

Para quem vem de São Vicente, o Canal dos Barreiros, que separa a área insular da continental, é o ponto de entrada de todos eles.

Dentre os três, o menor e mais próximo da região central é o Piaçabuçu. Esse rio nasce em Praia Grande, na região da Santa Marina, e tem sua foz junto a um complexo de ilhotas cobertas de manguezais ainda no Canal dos Barreiros, relativamente próximas à Ponte Esmeraldo Tarquínio (do Mar Pequeno). O meio do seu leito é a divisa entre as duas cidades.

Durante muito tempo, o Piaçabuçu foi alvo de preocupação de ambientalistas, dada a sua proximidade com favelas. Para chegar até ele, partindo de São Vicente, os barcos navegam próximos a palafitas da México 70 e, mais à frente, ao Quarentenário.

Como a urbanização desses núcleos é recente, o rio recebeu durante décadas a poluição de barracos e foi castigado com a falta de saneamento.

Mas engana-se quem pensa que navegar sobre suas águas é se deparar com muito lixo. Ações conscientes de limpeza dos manguezais e da referida remoção de famílias que viviam às suas margens, reduziram em muito a quantidade de materiais nocivos ao meio-ambiente no local. Mesmo assim, quanto mais perto do Canal dos Barreiros, crescem as chances de avistar garrafas PET, sacolas e até sofá.

À medida que há um distanciamento da civilização, porém, o cenário muda completamente. As águas calmas e navegáveis ganham a companhia da vegetação típica de manguezais. Árvores com raízes profundas abrigam aves como garças, socós, martins-pescadores, frangos d'água, biguás e gaviões.

No local também é comum avistar os belos guarás vermelhos, que contrastam com o verde das árvores e com o turvamento do rio.

Com muita sorte, mamíferos como o cachorro do mato vinagre, ratão do banhado, suruês e gambás, além de répteis, como cobras e até jacarés do papo-amarelo podem ser vistos.

Dependendo da maré, também é comum ver homens aproveitando-se da vazão da maré para pegar crustáceos nos bancos de areia e nas margens dos rios.

Preocupação – Os bancos de areia, aliás, representam uma preocupação para quem nunca navegou no Piaçabuçu. Quando a maré está muito baixa, é preciso conhecer os locais mais profundos para as embarcações, mesmo aquelas pequenas, não encalharem.

Mesmo assim, o rio é navegável por quase toda a sua extensão, tendo uma média de profundidade entre 6 e 8 metros, mas que chega a 15 metros em alguns pontos.

HISTÓRIA

Historicamente, o Piaçabuçu ocupou um papel importante, pois ligava pluvialmente (N.E.: pluvial se refere a chuvas, no caso é "fluvialmente) as vilas de São Vicente e Itanhaém. Como nos séculos XVIII e XIX as populações de Praia Grande e a da hoje chamada Área Continental de São Vicente se dedicavam à agricultura e pecuária, o transporte da produção era feito pelo rio.Sendo assim, às margens do Piaçabuçu era possível encontrar sítios e fazendas dedicadas à criação de gado, frutas e verduras. Como no curso do rio e no Canal dos Barreiros havia muitos portos – como o Porto do Piaçabuçu (hoje Caieiras), o Porto do Campo (atual Portinho), e os portos do Tumiaru e das Naus (SV) -, a produção desses fazendeiros chegava por navegação a Santos e São Vicente.

 

O aposentado José Carlos de Souza escolheu os rios da região

Foto: Edison Baraçal, publicada com a matéria

 

Pantanal foi deixado de lado

Se para muita gente o Piaçabuçu é um rio ao mesmo tempo perto e distante, para outros ele se tornou um importante aliado. É o caso de José Carlos de Souza, de 56 anos.

Depois que se aposentou ele veio do Mato Grosso para Praia Grande. Embora já conhecesse a região, conheceu um novo mundo navegando.

"Eu pratico a canoagem há mais ou menos 10 anos. Mas não sabia que aqui havia esses rios e nem a região de manguezais. Troquei o Pantanal pelos rios da Baixada", exagera.

Navega São Paulo – Ele hoje integra a equipe do Navega São Paulo, em Praia Grande – programa do Governo do Estado que dá aulas de remo, canoagem e vela à população. Todos os dias José Carlos desliza pelas águas do Piaçabuçu, partindo do Portinho.

"É uma paz maravilhosa. O som dos pássaros, o verde da vegetação, é tudo lindo", conta. "Vejo todos os dias guarás vermelhos Já tem mais do que em Cubatão. Esses dias, tinha no rio uma cobra enorme. É um outro mundo que se descobre".

Preservação – Ele, no entanto, tem uma preocupação. "Isso precisa ser preservado. Ainda se vê lixo, que maltrata muito a natureza. E nem é esgoto em si. É material que o pessoal simplesmente atira pela janela", critica.

Os biguás são encontrados em grande número às margens do rio

Foto: Edison Baraçal, publicada com a matéria

Yumoto lamenta a falta de peixes

Apesar do belo cenário que se desenha ao entrar no Piaçabuçu, é uma ausência que chama a atenção: os pescadores. No trecho do Mar Pequeno eles ainda são vistos. Mas dentro do rio, eles são cada vez mais raros.

O pescador Yukito Yumoto, de 70 anos, sabe explicar omotivo. Segundo ele, um dos mais antigos em atividade na cidade, o vilão não é só o lixo e a poluição, mas sim, os próprios zeladores do rio.

"A culpa da falta de peixes é dos próprios pescadores. Durante anos a gente via gente pegando peixes miúdos, filhotes, que financeiramente não valem nada. São pessoas que não se preocupam com o futuro e acabam com o próprio sustento", explica.

Ele ressalta que navega pelo local desde que tinha 12 anos. No Piaçabuçu, conta que já pescou muitos robalos, pescados amarelos e parabijus (peixe parecido com o bacalhau). Isso sem falar nas várias vezes que conseguiu pegar 40 quilos de camarão. "Amo a pesca. Repeti três vezes a segunda série. Fugia da aula para pescar", diverte-se.

A lamentação de Yumoto é que as gerações futuras não poderão viver essas sensações. "Os peixes nunca vão voltar ao Piaçabuçu. Não tem mais berço. A pesca de filhotes e as favelas de São Vicente e Quarentenário acabaram com essa maravilha. Quem viu, viu".

O pescador Yukito Yumoto disse que a fartura acabou.

Foto: Edison Baraçal, publicada com a matéria

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