Perto do Centro, o Rio
Piaçabuçu, mesmo pouco conhecido, reúne os praticantes de canoagem. A poluição ainda não afastou as garças. A foz fica perto de ilhotas. Raízes
tentam proteger os manguezais
Fotos:
Edison Baraçal, publicadas com a matéria
No Piaçabuçu, as águas que São Vicente
'desconhece'
São Vicente abriga um universo fluvial
que ainda precisa ser descoberto pela maioria dos moradores. São três rios e mais alguns pequenos afluentes e braços. O
Piaçabuçu é o menor deles e também o mais próximo do Centro. Sofreu com a poluição vinda das muitas palafitas, mas conseguiu alguma recuperação
com ações ambientais.
ORIGEM |
Inicialmente, o Rio Piaçabuçu foi chamado pelos europeus de Rio
Formoso. No entanto, com o passar do tempo o nome usado pelos indígenas para designá-lo tornou-se mais popular. Piaçabuçu vem do tupi e
significa "Porto Grande". Curiosamente, foi também a primeira nomenclatura atribuída pelos índios à cidade de
Praia Grande.
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Piaçabuçu, um rio que ainda resiste
Ele nasce em
Praia Grande, na região da Santa Marina, e tem sua foz junto a um complexo de ilhotas cobertas de manguezais
Victor Miranda
Da Redação
Nem
só de mar vive São Vicente. Escondido entre manguezais e vegetação nativa, a Cidade abriga um universo fluvial que ainda precisa ser descoberto pela
maioria dos moradores. Uma realidade que, para muitos, é exclusividade de outras regiões mas que, na prática, está a poucos quilômetros de distância
do Centro da Cidade.
Ao todo, o Município conta com três rios (Piaçabuçu,
Mariana e Branco) e mais alguns pequenos afluentes e braços. Somados, eles formam uma área total de 11 quilômetros quadrados – para efeito de
comparação, a Cidade conta com 146 km².
Para quem vem de São Vicente, o Canal dos Barreiros, que
separa a área insular da continental, é o ponto de entrada de todos eles.
Dentre os três, o menor e mais próximo da região central é
o Piaçabuçu. Esse rio nasce em Praia Grande, na região da Santa Marina, e tem sua foz junto a um complexo de ilhotas cobertas de manguezais ainda no
Canal dos Barreiros, relativamente próximas à Ponte Esmeraldo Tarquínio (do Mar Pequeno). O meio do seu leito é a divisa entre as duas cidades.
Durante muito tempo, o Piaçabuçu foi alvo de preocupação
de ambientalistas, dada a sua proximidade com favelas. Para chegar até ele, partindo de São Vicente, os barcos navegam próximos a palafitas da
México 70 e, mais à frente, ao Quarentenário.
Como a urbanização desses núcleos é recente, o rio recebeu
durante décadas a poluição de barracos e foi castigado com a falta de saneamento.
Mas engana-se quem pensa que navegar sobre suas águas é se
deparar com muito lixo. Ações conscientes de limpeza dos manguezais e da referida remoção de famílias que viviam às suas margens, reduziram em muito
a quantidade de materiais nocivos ao meio-ambiente no local. Mesmo assim, quanto mais perto do Canal dos Barreiros, crescem as chances de avistar
garrafas PET, sacolas e até sofá.
À medida que há um distanciamento da civilização, porém, o
cenário muda completamente. As águas calmas e navegáveis ganham a companhia da vegetação típica de manguezais. Árvores com raízes profundas abrigam
aves como garças, socós, martins-pescadores, frangos d'água, biguás e gaviões.
No local também é comum avistar os belos guarás vermelhos,
que contrastam com o verde das árvores e com o turvamento do rio.
Com muita sorte, mamíferos como o cachorro do mato
vinagre, ratão do banhado, suruês e gambás, além de répteis, como cobras e até jacarés do papo-amarelo podem ser vistos.
Dependendo da maré, também é comum ver homens
aproveitando-se da vazão da maré para pegar crustáceos nos bancos de areia e nas margens dos rios.
Preocupação
– Os bancos de areia, aliás, representam uma preocupação para quem nunca navegou no Piaçabuçu. Quando a maré está muito baixa, é preciso conhecer os
locais mais profundos para as embarcações, mesmo aquelas pequenas, não encalharem.
Mesmo assim, o rio é navegável por quase toda a sua
extensão, tendo uma média de profundidade entre 6 e 8 metros, mas que chega a 15 metros em alguns pontos.
HISTÓRIA |
Historicamente, o Piaçabuçu ocupou um papel
importante, pois ligava pluvialmente (N.E.: pluvial se refere a
chuvas, no caso é "fluvialmente) as vilas de São Vicente e
Itanhaém. Como nos séculos XVIII e XIX as populações de Praia Grande e a da hoje chamada Área Continental de São Vicente se dedicavam à
agricultura e pecuária, o transporte da produção era feito pelo rio.Sendo assim, às margens do Piaçabuçu era possível encontrar sítios e
fazendas dedicadas à criação de gado, frutas e verduras. Como no curso do rio e no Canal dos Barreiros havia muitos portos – como o Porto do
Piaçabuçu (hoje Caieiras), o Porto do Campo (atual Portinho), e os portos do Tumiaru e das Naus (SV) -, a produção desses fazendeiros chegava
por navegação a Santos e São Vicente. |
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O
aposentado José Carlos de Souza escolheu os rios da região
Foto:
Edison Baraçal, publicada com a matéria
Pantanal foi deixado de lado
Se para muita gente o Piaçabuçu é um rio ao mesmo tempo
perto e distante, para outros ele se tornou um importante aliado. É o caso de José Carlos de Souza, de 56 anos.
Depois que se aposentou ele veio do Mato Grosso para
Praia Grande.
Embora já conhecesse a região, conheceu um novo mundo navegando.
"Eu pratico a canoagem há mais ou menos 10 anos. Mas não
sabia que aqui havia esses rios e nem a região de manguezais. Troquei o Pantanal pelos rios da Baixada", exagera.
Navega São Paulo
– Ele hoje integra a equipe do Navega São Paulo, em Praia Grande – programa do Governo do Estado que dá aulas de remo, canoagem e vela à população.
Todos os dias José Carlos desliza pelas águas do Piaçabuçu, partindo do Portinho.
"É uma paz maravilhosa. O som dos pássaros, o verde da
vegetação, é tudo lindo", conta. "Vejo todos os dias guarás vermelhos Já tem mais do que em
Cubatão. Esses dias, tinha no rio
uma cobra enorme. É um outro mundo que se descobre".
Preservação
– Ele, no entanto, tem uma preocupação. "Isso precisa ser preservado. Ainda se vê lixo, que maltrata muito a natureza. E nem é esgoto em si. É
material que o pessoal simplesmente atira pela janela", critica.
Os
biguás são encontrados em grande número às margens do rio
Foto:
Edison Baraçal, publicada com a matéria
Yumoto lamenta a falta de peixes
Apesar do belo cenário que se desenha ao entrar no
Piaçabuçu, é uma ausência que chama a atenção: os pescadores. No trecho do Mar Pequeno eles ainda são vistos. Mas dentro do rio, eles são cada vez
mais raros.
O pescador Yukito Yumoto, de 70 anos, sabe explicar
omotivo. Segundo ele, um dos mais antigos em atividade na cidade, o vilão não é só o lixo e a poluição, mas sim, os próprios zeladores do rio.
"A culpa da falta de peixes é dos próprios pescadores.
Durante anos a gente via gente pegando peixes miúdos, filhotes, que financeiramente não valem nada. São pessoas que não se preocupam com o futuro e
acabam com o próprio sustento", explica.
Ele ressalta que navega pelo local desde que tinha 12
anos. No Piaçabuçu, conta que já pescou muitos robalos, pescados amarelos e parabijus (peixe parecido com o bacalhau). Isso sem falar nas várias
vezes que conseguiu pegar 40 quilos de camarão. "Amo a pesca. Repeti três vezes a segunda série. Fugia da aula para pescar", diverte-se.
A lamentação de Yumoto é que as gerações futuras não
poderão viver essas sensações. "Os peixes nunca vão voltar ao Piaçabuçu. Não tem mais berço. A pesca de filhotes e as favelas de São Vicente e
Quarentenário acabaram com essa maravilha. Quem viu, viu".
O
pescador Yukito Yumoto disse que a fartura acabou.
Foto:
Edison Baraçal, publicada com a matéria |