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O regime pastoril, desde os primeiros dias da fundação de S. Vicente, se constitui
como indústria e forma de conquista e povoamento. Em nossa história o pastoreio é o
antecedente obrigatório da agricultura. O sertanista povoador, por onde vai passando, deixa,
como prova de sua passagem e sinal da sua posse, um curral. Depois de metido o gado,
alega esse fato, e os dispêndios e as lutas com o gentio – e pede a sesmaria,
assim preliminarmente povoada.
O curral é uma fundação sumaríssima. No seu Roteiro dos Sete Capitães, o
famoso Miguel Aires Maldonado, que o escreveu em 1664, pinta-nos ao vivo a maneira rápida pela
qual os velhos paulistas realizam a fundação dos currais.
"O primeiro curral – diz ele,
descrevendo a sua viagem aos campos goitacazes – foi levantado no dia 8 de dezembro de 1663 pelo capitão João de Castilho em terras que para esse
fim lhe cedeu o capitão Miguel da Silva Riscado, por achá-las aquele mais próprias do que as do seu quinhão. Na mesma ocasião se engendrou ali uma
choupana, coberta de palha, para o curraleiro, que era o índio Valério da Cursunga. Neste ficaram três novilhas, uma vaca e um touro. O segundo foi
levantado no dia 10 do mesmo mês e ano, na ponta do cabo de S. Tomé, pelo capitão Riscado, que, dias depois, e a pouca distância deste, armou um
outro, deixando em cada um deles cinco novilhas e um touro: – naquele ficou como curraleiro o escravo Antônio Dias e neste o índio Miguel – o qual,
tendo trazido consigo um santo do seu nome, ali lhe ergueu um tosco oratório."
Da descrição de Maldonado, vê-se que
o curral é o meio mais rápido de conquista e povoamento. Depois do curral vem a fazenda, o engenho, o
arraial, a povoação, a vila. Lajes é um exemplo. Curitiba, outro. Palmas, ainda outro. São povoações que se fundam com o fito de "reunir os
moradores dispersos" pelos latifúndios. O vaqueiro é, então, em nossa história o vanguardeiro da civilização. É o batedor dos engenhos. Anuncia-os;
prepara o meio para sua instalação; abre clareiras a fogo; afugenta as feras; bate o índio, e o expulsa e assegura por toda parte a tranqüilidade
indispensável ao labor das sementeiras.
Essa colonização pastoril é fortemente favorecida pela fisionomia e pela flora
das nossas regiões tropicais e subtropicais. Na baixada meridional, como se observa no Rio de Janeiro, em Santos, no planalto paulista, no vale do
Paranapanema e do Iguaçu, abrem-se grandes planícies, próprias para fundações de currais.
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Há que contar também com a contribuição do meio geográfico. Quem observa a ondulação
do planalto paulista, para norte e para sul, para este e para oeste da atual capital; quem,
viajando pelo traçado da Central do Brasil, atenta na paisagem em derredor, da Barra do Piraí
em diante, boleando-se em planícies amplíssimas e rasgadas; quem da
praia de José Menino, em Santos, na vasta baixada horizontalíssima
que os trilhos da Inglesa cortam, contempla a sua imensa distinção
até à base da serra do Cubatão, onde vai morrer, é que compreende o surto
espantoso dessas grandes migrações, verdadeiras caravanas colonizadoras
que ali, de São Paulo e de Taubaté, nos séculos II e III
(N.E.: a partir de 1500, portanto de 1500 a 1700),
partem em busca do vale de S. Francisco ou dos sertões de Curitiba.
Galgado o planalto, através dos
contrafortes florestosos e íngremes da serra do Mar, o Tietê, o Paraíba, o Rio Grande, o
Paranapanema as arrebatam para os centros de Minas, de Goiás, de Mato Grosso ou as levam até
os pampas rio-grandenses. Esses rios valem aos aventureiros paulistas
como verdadeiras estradas duplas – uma fluvial, que é a sua própria
corrente, por onde eles deslizam as suas jangadas e canoas, cavadas a
fogo no tronco de árvores seculares; outra, terrestre, de margens ferazes
e graminosas, onde o caminho está feito, o pasto é natural e é grande a
fertilidade. [...]
Veja a obra completa - que inclui também o relato sobre
uma batalha entre Santos e São Paulo -: clique na imagem abaixo para abrir o arquivo em formato Adobe PDF (1,29
MB), disponível também no site Domínio Público (obra sf000067):
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