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HISTÓRIAS E LENDAS DE S. VICENTE - CÂMARA
Berço da democracia americana (2)

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Embora certos estadunidenses se apropriem do patronímico "americanos", como se os demais povos das Américas não o fossem igualmente, e também se intitulem "campeões da democracia" (apesar das evidências em contrário encontradas em qualquer noticiário internacional da atualidade...), o fato é que o conceito grego de poder do povo (democracia) chegou ao Novo Mundo pela porção Sul do continente.

Foi em São Vicente que surgiu a primeira casa legislativa das Américas, já que nos demais países (então colônias) a possibilidade da população decidir sobre seus destinos só surgiria pelo menos um século depois. Mesmo nos Estados Unidos da América, o instituto do voto só apareceria na época da Declaração de Direitos, em 4 de julho de 1776. E o primeiro Legislativo das Américas está procurando reunir sua história, como relata o jornal santista A Tribuna, em sua edição de 22 de setembro de 2012, páginas A-12 e A-13:


DETALHES - Nilson Firmino é hoje responsável pelo arquivo da Câmara de São Vicente. Com mais recursos, pretende organizar melhor o acervo e alimenta o sonho de um dia poder abrir o local para a visitação pública
Foto publicada com a matéria

São Vicente

Câmara, 480 anos e só 180 de histórias

Arquivo do Legislativo foi vítima de piratas e de vários incêndios

Victor Miranda

Da Redação

A Câmara de São Vicente comemora 480 anos neste mês. Nunca na história do continente americano havia acontecido qualquer evento de ordem democrática. Até o dia 22 de agosto de 1532. Naquela data, cumprindo uma orientação do rei dom João III, de Portugal, foram realizadas as primeiras eleições da história do Brasil.

Desde lá, quatro séculos se passaram. Os eleitos, antes chamados de oficiais da Câmara, passaram a ser denominados de vereadores. Centenas deles passaram pelo cargo ao longo desse tempo. A estrutura física do Legislativo mudou várias vezes. Muitas histórias aconteceram - a maior parte não se tem registro, mas a instituição permanece em atividade.

E é no prédio da atual Câmara Municipal (na Rua Jacob Emmerich, 1.195), no primeiro andar, em uma sala pouco acessada pelo público, que os principais fatos políticos dos últimos 180 anos da história da Cidade resistem. Em meio a pastas, álbuns, recortes e quadros, o Arquivo do Legislativo calunga é capaz de conduzir a um mergulho em fatos que a memória teima em falhar, mas que os documentos insistem em preservar.


Soldado doou para a Câmara de São Vicente o capacete de aço e o uniforme usado nas batalhas da Revolução Constitucionalista de 1932. Material acompanha uma carta escrita pelo próprio militar voluntário
Foto publicada com a matéria

História perdida - Mesmo sendo o Legislativo mais antigo das Américas, a Câmara de São Vicente se ressente da falta de itens e dados históricos anteriores à segunda metade do século 19. Até as próprias causas que fizeram esses registros desaparecerem entraram para a história.

Tudo começou apenas quatro anos após a fundação da Vila. Em 1536, um pirata conhecido como Mosquera atacou e saqueou São Vicente. Levou consigo o chamado Livro do Tombo, onde os primeiros moradores registravam os fatos importantes do local.

Depois, em 1541 e 1542, um maremoto - que alguns estudiosos garantem se tratar de uma forte ressaca - destruiu a Vila de São Vicente. A Câmara, evidentemente, estava entre os locais afetados.

Um segundo ataque de piratas, entre 1591 e 1593, acabou mais uma vez com o acervo que se criava. Conhecido como corsário Cavendish, o principal líder da invasão levou consigo o que lhe interessava. E o que não lhe tinha valor, como os documentos, teve como destino o fogo.

As chamas voltaram a atormentar a memória do Legislativo vicentino em outras três oportunidades, conforme explicou o falecido pesquisador e assistente administrativo da Câmara de São Vicente, Narciso Vital de Carvalho.

"Em 1667, o juiz ordinário da Vila, Manoel Vieira Colaça (enlouquecido por contrariedades amorosas) queimou todos os livros recém-restaurados e papéis antigos", disse Vital.

O acervo começou novamente do zero, até que um secretário da Câmara do século 18 - cujo nome não se sabe - voltou a incendiar os documentos. "Anos mais tarde, outro secretário usou os documentos no fabrico de bombas", contou Vital.

História

Comparação - Ao imaginar a eleição de 480 anos atrás, é bom não comparar com o que existe hoje. Tudo era muito diferente. Naquela época, o povo escolheu seis delegados e eleitores que indicaram os oficiais da Câmara. Eram cinco os escolhidos, sendo dois juízes, dois vereadores e um procurador. Os mandatos durava 1 ano. Mas os nomes do triênio já ficavam definidos, sem chance de reeleição. Nem mesmo parentes podiam se repetir em uma mesma legislatura ou na sucessão. Os eleitos não recebiam salários e deviam comparecer às sessões bissemanais. Caso contrário, pagavam multa.

 


Registro fotográfico do prédio da primeira Câmara e Cadeia de São Vicente. Município foi o pioneiro da América a realizar eleição e consulta pública. Poucos documentos permanecem relatando aquela época
Foto: reprodução, publicada com a matéria

Ata mais antiga data de 1845

O ex-assistente administrativo da Câmara Narciso Vital de Carvalho dedicou boa parte de sua vida pesquisando em meio a centenas de pastas e livros-atas. Documentos que pudessem ser resgatados de modo a arquivar a recente história do Legislativo de São Vicente.

Encontrou, por exemplo, uma ata de 15 de julho de 1845 - a mais antiga que se tem registro. Em outro documento, da sessão de 1847, a determinação que se cobrasse multa dos parlamentares Manoel José da Graça e Leopordino José de Azevedo. O motivo? Faltaram na sessão ordinária.

Em outra descoberta, do mesmo ano, Vital se deparou com o registro de um folheto remetido pela Câmara de Santos, relatando a visita do imperador dom Pedro II e de sua esposa, dona Augusta.

Um dos documentos mais curiosos até hoje preservados aponta que um ano, seis meses e 13 dias antes de ser assinada a Lei Áurea pela princesa Isabel, São Vicente já havia proibido a escravidão em seu território.

Todas essas histórias e a paixão pela pesquisa foram passadas durante muitos anos por Vital a um jovem funcionário, chamado Nilson Firmino. O rapaz foi tomando gosto pela história da Câmara e, desde 1997, é o responsável pelo Arquivo da Casa. Sua meta agora é dar sequência ao trabalho de restauração de documentos iniciado pelo seu mestre.

"O Vital começou a fazer a transcrição dos livros-atas mais antigos. Mas não teve tempo de concluir. Quero dar sequência a esse desafio", relata Firmino, com brilho nos olhos. "Não é bem um trabalho. É uma viagem. Cada sessão antiga que eu leio me leva a outros tempos da história", confessa.

O pesquisador comemorou uma grande notícia neste ano. A atual administração da Câmara liberou a compra de novos arquivos, para organizar melhor o acervo. "Meu sonho é abrir esses documentos e objetos para a visitação do público, uma espécie de museu", almeja Firmino.


Livro-ata de 1845, com as anotações das decisões tomadas pelos parlamentares. Apesar da falta de documentos de um longo período, alguns sonham em transformar o acervo em uma espécie de museu
Foto publicada com a matéria

Curiosidades históricas registradas por Nilson Firmino


VEREADOR CAVALEIRO - "No final da década de 1970, a maioria dos vereadores já tinha carro. Mas um deles, que na verdade entrou como suplente, era um cara simples demais, pobre, homem de periferia. Sem a opção de um transporte mais eficiente, improvisou. Ia à Câmara de charrete. Seu nome: Wilson Thomaz"
Arte: Padron, publicada com a matéria


TENSÃO DO CHIQUEIRINHO - "Uma vez um grupo de mais de 500 jovens ligados à Igreja Católica e ao PT marcharam em direção à Câmara. O Renato Caruso era novinho e era um dos líderes do grupo. Eles pressionavam contra a instalação de umas cabines com catracas nos ônibus, chamadas de chiqueirinho. Era um projeto polêmico no transporte coletivo, que chegou a dar em morte e o povo reagiu. Neste dia, eu tentei ajudar a conter a manifestação e achei que ia apanhar"
Arte: Padron, publicada com a matéria


CORRE PARA A BICA - "Logo que eu entrei na Câmara e ainda trabalhava como contínuo, começou a circular um boato de que o zelador tomava banho na caixa d'água. Ninguém mais queria beber água de lá. Eu e outros funcionários tínhamos que ir até a Biquinha, encher galões de água e trazer no muque"
Arte: Padron, publicada com a matéria


LEI DA GRAVIDADE - "Certa vez um vereador apresentou um requerimento pedindo explicações à Sabesp por problemas no abastecimento de água de um bairro. A resposta veio em tom irônico: 'é um problema causado pela lei da gravidade'. Ao receber o retorno, o parlamentar disse em sessão que era um absurdo que o povo continuasse sofrendo por causa dessa lei. E sugeriu que a Câmara se unisse para revogar a tal lei da gravidade. Outro vereador, para não deixar o colega passar vergonha, apressou-se em corrigi-lo. 'Não podemos revogar a lei da gravidade pois ela é federal'."
Arte: Padron, publicada com a matéria


PRESSÃO DA DITADURA - "Ainda na época de contínuo, lembro que nos dias seguintes das sessões eu tinha que pegar uma montanha de papéis com os documentos e levar uma cópia até o Dops, outra até a delegacia e uma terceira para o quartel. Vi muito vereador ser cassado. A ditadura foi uma época de muita pressão".
Arte: Padron, publicada com a matéria


PENA DE MORTE - "Não lembro bem o ano, mas  já estávamos na década de 1980. O vereador Milton Luiz da Silva surpreendeu todo mundo ao apresentar um projeto pedindo a implantação da pena de morte no Município. É claro que não foi aprovado"
Arte: Padron, publicada com a matéria


OS INCOMODADOS... - "Na época do antigo prédio, na Praça Barão, as sessões começavam às 20 horas e se estendiam até 1 ou duas horas da manhã. Eram sessões quentes. Tanto que os moradores das redondezas batiam na Câmara pedindo silêncio, pois queriam dormir. O que tinha de tapa na mesa não está escrito"
Arte: Padron, publicada com a matéria


A travessa de cabelo que a princesa Isabel deixou em São Vicente como recordação de sua visita. A peça, que foi localizada no Instituto Histórico e Geográfico de Santos (IHGS) por indicação de Jaime Mesquita Caldas, apresentava-se quebrada. A visita ocorreu em 9 de março de 1885 e com a princesa, que regressava de viagem às províncias do Sul, no barco Rio Pardo, estavam o Conde d'Eu, os príncipes D. Pedro, D. Luiz e D. Antônio, e outras altas personalidades. Os visitantes ilustres chegaram de Santos em bondes especiais que a empresa Emmerich & Ablas pôs à sua disposição. Visitaram a velha Matriz, a Câmara Municipal, o lugar onde existiu, segundo os historiadores, a casa do fundador de São Vicente (à rua Martim Afonso), a Fonte (depois Biquinha de Anchieta) e as praias, repousando na residência do capitão Gregório Inocêncio de Freitas. Nessa oportunidade, a princesa deixou como lembrança uma travessa que usava no cabelo
Imagem: Vultos Vicentinos - Subsídios para a História de São Vicente, de Edison Telles de Azevedo (impresso na Empresa Gráfica Revista dos Tribunais S.A., S.Paulo/SP), S. Vicente/SP, 1972, p. 88


João José Ribas (nasceu em S. Vicente em 22 de maio de 1842, comandou como tenente as fortificações em Praia Grande durante a revolta do Marechal Floriano, entre o Porto do Rei e o canto do Itaipu, participou da Guerra do Paraguai e faleceu em São Paulo em 17 de agosto de 1907), assinalado por flecha, em foto ao lado do intendente Salvador Malaquias Leal e dos engenheiros e técnicos, no evento da inauguração da energia elétrica em São Vicente, em 1906, comemoração realizada no Largo Batista Pereira (hoje Praça João Pessoa). No grupo estão os vereadores Antônio Alvaro Gonçalves (1º à direita) e Antônio Militão de Azevedo (2º a esquerda, pai de Edison Telles de Azevedo). Terminava assim o arcaico, porém evocativo, lampião a querosene, dando lugar à energia elétrica

Imagem: Vultos Vicentinos - Subsídios para a História de São Vicente, de Edison Telles de Azevedo (impresso na Empresa Gráfica Revista dos Tribunais S.A., S.Paulo/SP), S. Vicente/SP, 1972, p.228

 


Coronel José Lopes dos Santos - Personalidade intimamente ligada à vida, progresso e cultura de São Vicente, foi vereador nesta cidade de 1887 até seu falecimento em 22 de maio de 1896

Imagem: Vultos Vicentinos - Subsídios para a História de São Vicente, de Edison Telles de Azevedo (impresso na Empresa Gráfica Revista dos Tribunais S.A., S.Paulo/SP), S. Vicente/SP, 1972

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