Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/sv/svh020b.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 03/29/09 12:25:33
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE S. VICENTE
Flipper, do Oceanório ao oceano (2)

Leva para a página anterior

Já foi ponto de referência turística em São Vicente, mas acabou fechando logo após uma campanha dos ecologistas, que denunciaram as más condições dos animais marinhos ali mantidos e montaram grande operação para devolvê-los ao mar: era o Oceanório (também chamado de Oceanorium), instalado na praia do Itararé, onde o golfinho Flipper era o último de sua espécie ainda em cativeiro no País, até ser solto em 1993. Quinze anos depois, sua história era relembrada, na edição de 20 de novembro de 2008 do jornal santista A Tribuna, página A-13:

MEMÓRIA - Há 15 anos, Flipper, principal atração turística da orla de São Vicente, deixava o cativeiro e conquistava a liberdade
Foto: João Vieira Jr., em 22/11/1991, publicada com a matéria

HISTÓRIA

Há 15 anos, Flipper trocava o cativeiro pela liberdade

Animal foi atração turística de São Vicente

Valéria Malzone

Da Redação

Quem tem mais de 30 anos de idade e é da região, ou freqüenta as cidades da Baixada Santista desde o final dos anos 80, deve se lembrar bem do golfinho Flipper, boto marinho que marcou época em São Vicente, entre 1984 e 1993. Quinze anos após seu retorno ao mar, o que muita gente não sabe é que, apesar de estar com seu paradeiro desconhecido há 14 anos, Flipper deixou um legado de preservação da espécie.

Isso porque o mamífero, que viveu por nove anos em cativeiro em São Vicente, inspirou a criação de duas organizações não-governamentais (ONGs), ambas de abrangência nacional, em defesa destes animais. "Criamos a ONG Arca Brasil a partir do fato ocorrido com Flipper, em São Vicente, que foi removido de helicóptero para Laguna (SC), mas voltou nadando para a Cidade", lembrou Marco Ciampi, que viveu toda aquela história de perto e hoje preside a organização.

Também para o professor doutor José Antônio da Silva Santos, presidente da ONG Instituto Ambiental Boto Flipper, de Laguna, o mamífero se transformou em uma bandeira de educação ambiental e por isso sempre será lembrado. "Hoje temos 51 golfinhos da espécie do Flipper residentes na nossa cidade. Aqui, por força de lei municipal, estes mamíferos são patrimônio". Na semana passada, toda a história de Flipper voltou à tona durante um congresso ambiental no Sul do País.

Laguna é famosa mundialmente pela verdadeira parceria que existe entre pescadores e golfinhos. Os pescadores lançam suas tarrafas (redes de arrasto) orientados pela movimentação dos botos. Assim acontece a parceria, já que as tainhas, que não caem nas redes, são espantadas direto para os mamíferos, que têm no peixe um dos itens principais do seu cardápio. Este tipo de comportamento dos golfinhos só acontece também na costa da Mauritânia, na África.

MEMÓRIA

A mega-operação de transporte de Flipper para Laguna atraiu a atenção inclusive da mídia internacional. Além de toda a divulgação maciça no Brasil, a revista alemã Stern e a rede de TV National Geographic cobriram grande parte do projeto. A Fox Television também enviou uma equipe a Santa Catarina para registrar tudo

 

Oceanorium - A história do golfinho mais famoso do Brasil começou em 1984, quando Flipper teria sido capturado em Laguna, com somente dois anos de idade. O boto foi então transferido para um dos maiores atrativos turísticos da região da época: o Oceanorium de São Vicente, que ficava na Praia do Itararé, próximo à Pedra da Feiticeira.

"Foi assim que começou a vida em cativeiro de Flipper, que foi o último boto marinho do Brasil a sobreviver nestas condições", recordou Ciampi, que tem residência em São Vicente. O tanque do parque tinha somente 12 metros de diâmetro e cinco de profundidade. Flipper foi treinado para fazer os mesmos "truques" que seu homônimo americano realizava em um seriado de TV. Ele se apresentava com outros golfinhos (Tony, Brigit, Suzi e Tojo), que já estavam em São Vicente desde julho de 1967.

Esta exploração animal começou a mudar no Oceanorium, do francês Roland Marc Degret, quando o químico Márcio Augelli do Tucuxi, do Grupo de Proteção ao Boto, entrou com uma ação na Justiça. Foi assim que, em 1991, os shows com os golfinhos foram embargados, com base na primeira lei de proteção animal do País (a 24.645, de 1934).

Golfinho se apresentava no Oceanorium, que ficava na Praia do Itararé, perto da Pedra da Feiticeira
Foto: João Vieira Jr., em 22/11/1991, publicada com a matéria

Sobrevivência do golfinho é duvidosa

Faz 14 anos que ninguém mais viu ou ouviu falar de possíveis aparições de Flipper pelas praias e baías do litoral. "A verdade é que não há provas de que ele tenha morrido", comentou Marco Ciampi, da ONG Arca Brasil, que ainda acredita na sua sobrevivência até hoje.

"A experiência com Flipper mostrou na prática que o lugar do animal, seja ele da espécie que for, é em seu habitat. A reintrodução ao meio é um processo complicado e envolve muitos recursos. Porém, Flipper foi praticamente uma exceção. Por isso acredito ainda que ele possa estar vivo".

Para Ciampi não é impossível que ele esteja vivo também porque Flipper provou que reaprendeu a caçar e comer peixes vivos sozinho; provou que pôde se readaptar ao meio, o que é raríssimo na natureza. Já o biólogo Mário Rollo Júnior, especialista da Unesp, acredita ser "remota" a possibilidade de o golfinho ainda estar vivo.

"Pode até ser, mas acho difícil. Ele estava condicionado a fazer aparições em praias urbanas e de grande movimento e ele sumiu". Pelo fator idade, Flipper pode estar vivo. "Ele teria hoje 26 anos. Este não seria o empecilho. Porém, porque ele nunca mais foi visto?"

Rollo Júnior lembrou que nestes 14 anos outros dois golfinhos machos e da mesma espécie de Flipper surgiram na região e, no início, chegaram a ser confundidos com o boto famoso. "Em 1995, em São Sebastião, no Litoral Norte, um golfinho ficou durante uns seis meses nadando por ali. Depois, Tião, como foi apelidado na época, apareceu em Caraguatatuba e, em dezembro daquele ano, acabou matando um banhista a cabeçadas, porque atacaram o animal, obstruindo seu orifício de respiração com objetos pontiagudos".

Em 2004, outro boto marinho apareceu e morreu por aqui. "Esse ficou uns oito meses nadando entre a Ponta da Praia e o Estuário de Santos, mas acabou todo retalhado, provavelmente por hélice de embarcação, boiando morto no canal do porto", recordou Rollo Júnior. Já o biólogo doutor em Educação Ambiental, José Antônio da Silva Santos, do Instituto Ambiental Boto Flipper, de Laguna, não acredita que Flipper ainda esteja vivo, apesar da ausência de provas concretas.

Milagre - "Os estuários, que são os principais ambientes desta espécie, estão muito contaminados e poluídos. Muitos golfinhos têm aparecido mortos com câncer de pele, com contaminação por parasitas e por mutilação". Para ele, só um milagre explicaria a sobrevivência até hoje de Flipper. "Ainda mais ele, que viveu muitos anos em cativeiro". Mais importante do que saber se Flipper ainda está vivo, entretanto, é o aprendizado que sua história ensinou, garantem os três especialistas.

"Hoje, o Brasil se orgulha de não ter nenhum boto marinho em cativeiro. Flipper mostrou a maneira correta de amar os animais silvestres, deixando-os livres", opinou Ciampi.

Biólogos e curiosos acompanham a retirada do animal do cativeiro
Foto: João Vieira Jr., em 17/1/1993, publicada com a matéria

Animais eram maltratados

A decisão da Justiça de acabar com os shows do Oceanorium teve com base também outras denúncias da época, de que os animais eram maltratados e estavam morrendo em conseqüência de estresse.

"Os golfinhos machos podem viver cerca de 30 anos e as fêmeas, 35, 40. Alguns mamíferos do Oceanorium estavam morrendo co m menos de 15 anos", esclareceu Marco Ciampi, que em janeiro de 1993 participou da ciração da Associação dos Amigos do Golfinho Flipper, entidade que deu origem à ONG Arca Brasil.

"A associação foi desenvolvida para cuidar dos aspectos legais e administrativos da mega-operação que foi criada para levar Flipper de volta a Laguna, com o auxílio da World Society for the Protection of Animals (WSPA)". Posteriormente, a Arca ganhou a atual denominação, sem qualquer vínculo com outra entidade.

O projeto de transporte teve à frente o ex-treinador de golfinhos, o norte-americano Ric O'Barry, que na década de 1970 mudou sua metodologia de trabalho, passando a readaptar cetáceos cativos à liberdade. Naquela altura dos acontecimentos, o tanque de Flipper já estava com o filtro de água quebrado.

No fundo havia uma crosta de fezes acumuladas, roupas e até latas. Para disfarçar essa sujeira, era usado muito cloro. Por conta desse excesso, Flipper praticamente não abria os olhos. Sua pele estava com queimaduras de sol, por ficar longas horas na superfície do tanque.

A falta de cobertura fazia com que a água chegasse a temperaturas de 30 graus centígrados durante o dia e esfriasse bastante à noite Foi assim que no dia 17 de janeiro de 1993 cerca de quatro mil pessoas assistiram à chegada de um helicóptero Sikorski ao Oceanorium, para o transporte do mamífero.