Foi em 1947.
Os ônibus já dominavam a paisagem urbana santista. E a City, concessionária do serviço de bondes, parecia não querer mais honrar sua tradição de
bons serviços. A situação foi assim registrada na edição de 20 de maio de 1947 do jornal santista A Tribuna
(página 5):
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Título da matéria de 20/5/1947
Verdadeiro flagelo, o serviço de bondes em Santos
Injustificável desinteresse da City - A população aumenta e o número de bondes
diminui - Motorneiros apressados - A Prefeitura precisa intervir na questão
Santos está atravessando uma fase caótica em matéria de
transportes urbanos. No que diz respeito ao serviço de bondes, não há como classificar o estado a que o mesmo chegou. Há muitos anos não é colocado
um novo carro em circulação. A frota de elétricos é a mesma que vem sendo movimentada desde há muitos anos, com o desfalque de dezenas de carros que
permanecem abandonados nas oficinas, por falta de material para os consertar. É pelo menos essa a justificativa que se ouve. Entretanto, se não há
razões que justifiquem o não renovamento e aumento do número de veículos, muito menos poderá ser desculpada a não aquisição de material para reparar
os carros que se vão avariando.
Menos de 100 carros em movimento - Há
tempos, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Carris Urbanos nos afirmou que a empresa que explora esses serviços conta apenas com 150
carros. Contudo, uma média entre 50 a 60 estão constantemente nas oficinas, para reparos, muitos deles entretanto não podendo voltar ao tráfego por
falta de peças apropriadas.
Segue-se que há sempre menos de 100 carros em tráfego. Ora, tendo a população da cidade aumentado,
teria fatalmente que se verificar o congestionamento atual, com as perturbações enervantes que acarreta.
Impõe-se uma providência - Esta
situação não pode prolongar-se por muito tempo. Parece claro que a Cia. City, uma vez que está prestes a findar o seu contrato, não se interessa em
melhorar o serviço, com o evidente propósito de tirar o máximo proveito possível nestes últimos quatro anos em que explorará a concessão e, finda
esta, se o contrato não for reformado, a Prefeitura receberá apenas material imprestável. Faltam, entretanto, ainda quatro anos, durante os quais o
problema se agravará cada vez mais.
Não é possível continuar-se assim. É indispensável o imediato pronunciamento do poder público. Se
não consulta os interesses do município reformar o contrato, que se tomem providências para a encampação do material rodante da City, passando o
município a administrar os serviços. Ou, então, porque não se segue o exemplo de São Paulo, organizando-se uma empresa autônoma, para exploração dos
serviços de transportes urbanos, incluindo também os ônibus? Em Santos há elementos para isso. O que falta é o estímulo, a iniciativa.
Diversos fatores - Diversos fatores
contribuem para agravar a situação resultante da escassez de bondes e do desinteresse da Cia. City por esse serviço. É freqüente verem-se
verdadeiros comboios pelas ruas, quatro, cinco e mais bondes, da mesma linha, enfileirados uns atrás dos outros, sem horário, sem método. Nas horas
de almoço, e à noite, principalmente, esse fato cria uma situação de desespero para aqueles que precisam recorrer a esse meio de locomoção.
Muitas vezes, os bondes, superlotados, ficam imobilizados, até que o condutor complete a cobrança.
É uma prática injustificada, que não se verifica em nenhuma outra parte. O povo, entretanto, deve contribuir, para evitar esse fato, premunindo-se
de dinheiro trocado. Muitas vezes vemos passageiros dar ao condutor, que faz ginásticas de circo, pendurado pelos balaústres apinhados de pingentes,
para fazer a cobrança, cédulas de 20 e 50 cruzeiros, para pagar uma simples passagem de 30 centavos!
Todos precisam colaborar - Todos,
portanto, precisam colaborar, público e empregados da City, para atenuar os efeitos da insuficiência de veículos. Da parte de condutores e
motorneiros, principalmente. O público merece melhor tratamento do que muitos lhe dispensam. Regra geral, quando esses trabalhadores têm
reivindicações a pleitear, apelam para a simpatia popular, através da imprensa.
É de esperar que eles procurem corresponder a essa simpatia, servindo a população o melhor
possível. O que se observa, entretanto, é muito descaso, muito desleixo, mesmo, por falta de alguns desses trabalhadores, no meio dos quais há,
contudo, muitos que fazem jus ao reconhecimento do povo, pela sua dedicação e capricho.
Motorneiros apressados - Merece um
reparo destacado o procedimento de alguns motorneiros dos últimos bondes de diversas linhas. Na pressa de recolherem os veículos, há motorneiros que
saem sempre dos respectivos pontos finais muito antes da hora. Isso traz, como é fácil de calcular, enormes contratempos aos passageiros que
precisam de se locomover a essas horas, e chegam ao ponto dentro do horário estabelecido pela Companhia, não mais aparecendo, porém, o bonde.
Um desses motorneiros useiro e vezeiro nessa prática censurável é o 167, da linha 4. Do horário
publicado pela Cia. City, a 18 de fevereiro, consta que o último bonde dessa linha parte da Praça Mauá aos 28 minutos depois da meia-noite.
Entretanto, rara é a noite em que ele sai desse ponto depois dos 15 minutos. E durante toda a viagem , os passageiros que descem durante o percurso
estão constantemente ameaçados, pois o 167 não se conforma com ter de parar o bonde e esperar que o passageiro desça. Às vezes, o passageiro tem de
descer um ponto além, como ainda há pouco tempo aconteceu ao redator destas linhas.
Esse hábito de não respeitar o horário prejudica principalmente os trabalhadores da imprensa,
aqueles mesmos que os diretores do Sindicato procuram sempre para pleitear, por intermédio dos jornais, a simpatia para as suas reivindicações. De
nossa parte, podemos testemunhar esse fato, que ocorre todas as noites.
Outros inconvenientes - Já está
também exigindo uma providência o fato de, ao ocorrer qualquer acidente, ficar o trânsito impedido até que sejam tomadas numerosas e lentas
providências policiais. Até que cheguem a autoridade de plantão, a rádio-patrulha, a Polícia Técnica, a ambulância, no caso de haver feridos, se
arrolem testemunhas, se faça a remoção dos veículos avariados, no caso de colisões, decorrem às vezes horas, e então os bondes se vão alinhando às
dezenas, deixando milhares de pessoas impedidas de alcançar os seus pontos de destino. Nas linhas que servem os bairros operários, às vezes centenas
e milhares de trabalhadores ficam impedidos de alcançar os seus locais de trabalho. São prejudicados os aludidos trabalhadores e as tarefas que
possam executar, perturbando-se a produção.
Torna-se necessário que medidas sejam determinadas, para que, a não ser em certos casos muito
graves, o trânsito seja imediatamente desimpedido. Como se vê, há uma série de medidas a tomar, de fatores a eliminar, para se melhorar a situação,
enquanto se procura uma solução radical, que também não pode demorar.
A Prefeitura deve intervir quanto antes
- Como dissemos acima, a Cia. City não tem mais interesse nos serviços de bondes. Enquanto para algumas cidades esses veículos são importados na
medida do possível, a City deixa amontoar nas oficinas os carros quebrados.
Contudo, está ainda em vigor o contrato, pelo qual essa empresa, beneficiada com outros altamente
rendosos serviços, tais como os de água, gás, luz e força, é obrigada a cumprir cláusulas que prevêem o acautelamento dos interesses públicos. Deve,
portanto, a Prefeitura intervir, para constrangê-la a cumprir suas obrigações. Não se justifica desinteresses ou contemporizações, numa questão da
mais alta relevância, que vem constituindo um verdadeiro flagelo para esta gente pacífica e ordeira.
É o que espera o povo de Santos, de seu atual prefeito, que tem demonstrado o propósito de se
dedicar à solução dos problemas que estão sob sua alçada.
Assim trafegam os bondes, em Santos, pela manhã, nas
horas de almoço, e à noite, principalmente. Que remédio têm aqueles que precisam locomover-se de suas casas para o trabalho, ou vice-versa, senão
arriscar a vida, nessas acrobacias dignas de artistas de circo...
Foto publicada com a matéria, recuperada diretamente do arquivo particular do autor, o repórter
fotográfico José Dias Herrera
Chega a noite. Hora de enfrentar uma
aventura na linha do Matadouro... |