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TRILHOS (67)
Quase que os bondes entraram nos canais
Em 1979, continuava a discussão sobre qual a melhor política para o transporte de passageiros em Santos: seguir a tendência rodoviarista, prejudicada pela alta nos preços do petróleo, adaptando-a para a defesa dos ônibus elétricos (trólebus), ou retomar a idéia dos bondes, sobre trilhos. A polêmica foi enfocada na edição de 15 de julho de 1979 do jornal santista A Tribuna:

Transporte coletivo: asfalto ou trilhos?

Áureo de Carvalho e José Carlos Silvares

Santos está ameaçada de perder uma verba de Cr$ 197 milhões, concedida pela Empresa Brasileira de Transportes Urbanos, a fundo perdido, no início do ano, caso não seja definida a prioridade na política do transporte coletivo da Cidade, pelo prefeito Carlos Caldeira Filho. Pelo menos essa expectativa percebe-se da EBTU, já que o novo prefeito de Santos trouxe consigo a idéia de reimplantar todo um sistema de bondes, utilizando como via expressa e privativa uma cobertura em lajes de pré-moldado sobre os canais.

Caso os estudos que o prefeito vem desenvolvendo, no sentido de conhecer os pareceres técnicos para a reimplantação dos bondes, forem positivos, escolherá essa medida, nem que para isso tenha que utilizar-se de um plebiscito. O Programa de Revitalização dos Trólebus - para o qual se destinam os Cr$ 197 milhões concedidos pela EBTU por insistência da administração municipal anterior - caminha devagar, enquanto a Cidade ressente-se de um transporte coletivo urbano deficiente, quase falido, e parcialmente explorado por empresa particular.

Enquanto se sabe que o trólebus, em relação ao ônibus a diesel, é cinco vezes mais rentável, estudos entregues a Caldeira Filho revelam que, para cobrir de lajes um metro quadrado de canal, serão necessários Cr$ 4.300,00. Dentro desse total, seriam necessários Cr$ 24,8 milhões para se cobrir um quilômetro de canal (estabelecendo-se a largura média de seis metros) ou Cr$ 734 milhões (61 por cento do orçamento de Santos para 1979) para que fossem cobertos 30 quilômetros de canais. Sabe-se, também, que um quilômetro de linha de bondes operando, com todo o sistema montado mas sem os gastos com desapropriações e obras de arte, custa, segundo cálculos utilizados pela Companhia Metropolitana do Rio de Janeiro, para o sistema de pré-metrô, nada menos do que 12 milhões de dólares - ou quase Cr$ 360 milhões. Diante de tudo isso, fica a expectativa da prioridade. E fica, também, a expectativa do usuário.

A revitalização dos trólebus já tem verba garantida
Foto publicada com a matéria

Trólebus

No dia 12 de dezembro do ano passado [N.E.: 1978], um telex da Secretaria de Planejamento da Presidência da República comunicou, oficialmente, ao então prefeito de Santos, Antônio Manoel de Carvalho, a liberação de Cr$ 197 milhões, destinados ao Programa de Revitalização do Sistema de Trólebus. Na mesma data, o Diário Oficial da União publicou o despacho 574, de 5 de dezembro de 1978, formulado em conjunto pelo então presidente da República, general Ernesto Geisel, e pelos ministros de Transportes e Minas e Energia, dando conta da locação daquela verba, a fundo perdido, proveniente, em parte, do Fundo Nacional de Apoio ao Desenvolvimento Urbano (sub-conta do Fundo de Desenvolvimento Urbano) e o restante, dos recursos próprios do Ministério de Minas e Energia. À Prefeitura de Santos caberia, no Programa de Revitalização do Sistema de Trólebus, a participação, em convênio, com cerca de Cr$ 10 milhões.

Mas, para chegar ao despacho 574 do presidente Ernesto Geisel, Santos e o ex-prefeito Antônio Manoel de Carvalho andaram muitos anos de chapéu na mão, batendo de porta em porta para reivindicar o que para nós, santistas, era um direito líquido e certo, conquistado a partir da obstinação e teimosia da Cidade, conservando seus poucos e desgastados trólebus de 1962, quando todas as outras cidades os venderam como sucata, a exemplo dos bondes. A obstinação nos pedidos, até à conquista, marca registrada do ex-prefeito, extra-oficialmente começou aqui mesmo em Santos, quando aqui esteve, pela primeira vez, o ex-ministro Dirceu de Araújo Nogueira, dos Transportes.

Oficialmente, a reivindicação da Cidade começou em 14 de abril de 1976, com um ofício do ex-prefeito ao presidente da Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (EBTU), expondo a situação da CSTC, recém-criada, e oferecendo à EBTU uma participação acionária no capital da nova empresa santista. Na mesma data, em outro ofício, Carvalho expôs a situação do serviço de trólebus de Santos, como um pedido de socorro. Em 23 de abril daquele ano, de Santos partiu um outro ofício-pedido, desta feita encaminhado ao general Golbery do Couto e SIlva, para interferência junto à EBTU.

Praticamente a mesma solicitação foi feita ao mesmo general Golbery, em 17 de outubro de 1977. O último contato oficial foi em 17 de outubro do ano passado, com um ofício de Carvalho ao presidente da EBTU, reiterando solicitações anteriores. Entre as datas oficiais das correspondências trocadas, foram feitos contatos pessoais do prefeito de Santos com o Ministério dos Transportes, em Brasília, e também com o Ministério de Minas e Energia, além de 19 (dezenove) ligações telefônicas Santos-Brasília, com a EBTU, também cobrada em encontros informais na Capital, no Rio de Janeiro e até em Porto Alegre.

O programa - Dos Cr$ 197 milhões destinados pela Empresa Brasileira de Transportes Urbanos ao Programa de Revitalização do Sistema de Trólebus de Santos, Cr$ 99.504.000,00 se destinam às reformas de um modo geral, sendo Cr$ 5,5 milhões para garagem e oficinas; Cr$ 45.188.000,00 para reforma da rede aérea atual; Cr$ 35.832.000,00 para recuperação dos trólebus; Cr$ 3.114.000,0 para recondicionamento de subestações de força e/ou aquisição de novas subestações; e Cr$ 9.870.000,00 para aquisição de veículos de socorro e apoio à frota em tráfego. Os restantes Cr$ 101 milhões, pelos planos e projetos da EBTU, serão empregados na implantação de novas redes e aquisição de novos veículos.

Foram colocados à disposição da Prefeitura e da CSTC, para manipulação imediata, Cr$ 29 milhões, e com esses recursos a CSTC contratou os serviços da Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo, para estudar os sistemas de trólebus existentes em Santos, levantar as condições técnico-operacionais e projetar as reformas e ampliações necessárias. os trabalhos da CET estão sendo concluídos, e já se sabe, por exemplo, que todas as instalações da CSTC de trólebus, na Vila Matias, precisam de reformas, bem como 45 dos 49 trólebus adquiridos em 1962.

O projeto também prevê reforma total da rede aérea existente, bem como das subestações de força, ampliação das linhas (e redes) existentes e, finalmente, aquisição de mais 10 trólebus, para totalizar uma frota de 55 unidades, dentro de uma primeira fase do programa.

Com a ampliação da frota e da rede aérea, serão criadas novas linhas, com terminais no Valongo, junto à estação da estrada de ferro. Essas linhas serão da Ponta da Praia ao Valongo, via Ana Costa; e do José Menino ao Valongo, com duas alternativas, via Pinheiro Machado e via Bernardino de Campos.

Para a CSTC, o Programa de Revitalização do Sistema de Trólebus é a solução lógica e racional para o transporte coletivo da Cidade: com os trólebus, o santista terá um transporte eficiente, moderno e, tanto quanto possível, barato e altamente confiável. E será totalmente diferente, porque com os veículos novos e os que serão totalmente reformados, os trólebus poderão circular numa rede também nova, eliminando-se as quebras de cabos e interrupções das viagens, que irritam os passageiros, tudo isso sem consumo de óleo diesel, sem barulho de motores e sem poluição atmosférica. Pode acontecer, também, uma segunda etapa do programa dos trólebus, para levar a rede elétrica aos outros bairros da Cidade, onde se incluirão, principalmente, os que integram a populosa Zona Noroeste. Pelo menos, é o que se deduz dos acenos da EBTU, deixando em aberto a problemática de novos investimentos a fundo perdido.

A volta dos bondes exigirá um alto investimento
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Bondes

"Veja, ilustre passageiro/o belo tipo faceiro/que o senhor tem a seu lado./ E no entretanto, acredite,/quase morreu de bronquite! Salvou o Rum Creosotado".

Carlos Caldeira Filho, quando fala sobre os bondes que pretende trazer de volta a Santos, deixa de lado a figura de prefeito municipal e retorna no tempo, enterrado na poltrona macia de seu gabinete. Enquanto levanta os pés protegidos por felpudos chinelos de quarto, abre um sorriso e fala das jardineiras, dos bondes abertos e dos camarões, como se estivesse dentro de um deles naquele momento. Caldeira pretende, como prefeito de Santos, trazer os bondes de volta. Mais que isso: quer trazê-los sobre caneletas instaladas em lajes de pré-moldados que cobririam os canais. Enquanto fala no assunto, Caldeira Filho desfia com tranqüilidade uma série de planos, como se estivesse contando um sonho: "Acho que seria melhor um bonde leve, barato, sobre caneletas que poderiam ser eletrificadas. Seria como as antigas jardineiras. E é tudo muito fácil e simples, em faixa privativa, com rodas maciças, de borracha".

Sonho ou não, a idéia vingará, se depender de Caldeira. Para isso, ele encomendou - e já recebeu - um estudo de viabilidade técnica para a cobertura dos canais com lajes de pré-moldado. Esse estudo, entregue na quinta-feira por representantes da empresa Sobrafe ("de meu amigo de muitos anos, Paulo Lorena"), especialista em pré-moldados, afirma que tecnicamente não há nenhum empecilho para a cobertura dos canais santistas com lajes por onde passariam os bondes. Diz mais: que o metro quadrado de laje custará entre Cr$ 3.500,00 e Cr$ 4.300,00.

"Como se vê - diz Caldeira Filho -, o problema é apenas financeiro. O maior problema é o financeiro. Tecnicamente, não há problema. Mas o Município não tem condições de arcar com a verba para a cobertura dos canais. O investimento é vultoso. A verba terá que vir do plano federal, e a Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (EBTU) teria condições de fornecê-la. Aliás, estamos indo ao encontro da filosofia da esfera federal, de economia de combustível. Estamos no caminho certo".

Embora caracterize a reimplantação do sistema de bondes como "um investimento vultoso", Caldeira Filho ressalva que, se tudo der certo e o sistema de bondes voltar a Santos, "voltará para sempre", pois pretende fazer dos canais via expressa de bondes entre a Praia e o Centro - método que, segundo ele, se eternizaria. "Com os trólebus - compara Caldeira Filho - não aconteceria o mesmo, porque os trólebus são deficitários. Como todos sabem, a companhia (CSTC) está deficitária".

Filosofia não altera - Questionado sobre se a sua filosofia de reimplantação do sistema de bondes em Santos alteraria alguma coisa em relação ao Programa de Revitalização dos Trólebus, firmado entre a administração de Antônio Manoel de Carvalho e o EBTU (este órgão entregou Cr$ 197 milhões, a fundo perdido, para salvar a situação dos trólebus santistas, e Cr$ 29 milhões desse total já se encontram depositados na agência local do Banco do Brasil), Caldeira Filho respondeu que não: "O programa dos trólebus continuará normalmente. Continua normalmente. De modo que essa minha filosofia não altera nada".

O que Caldeira Filho faz questão de afirmar é que sua idéia de reimplantar o sistema de bondes na Cidade é exatamente isso, uma idéia. "Uma idéia que está em fase de estudos e que precisará ser aprovada". Caldeira Filho diz que essa idéia é uma opção para o transporte coletivo. Assim: de um lado corre o programa de trólebus; de outro, a idéia da volta dos bondes, sobre os canais.

Para que a idéia, os estudos, os projetos e finalmente a reimplantação do sistema de bondes vinguem, Caldeira não esconde que existem preocupações. E elas vão desde o problema do "investimento vultoso" até a aceitação popular da volta dos bondes. Mas esta sua última preocupação ele resolveria de uma forma simples, mas que deve ser autorizada pelos escalões superiores: um plebiscito. Os santistas iriam às urnas para decidir, em última instância, se o bonde volta ou não às vias da Cidade.

Mas, entre as frases que Caldeira Filho solta aos poucos, montando um grande quebra-cabeças com as peças de um sistema de transporte coletivo extinto em Santos, desde novembro de 1971, percebe-se facilmente uma última cartada, escondida nas páginas de um álbum recebido na quinta-feira - o estudo da firma Sobrafe, que aprova tecnicamente a cobertura dos canais com lajes de pré-moldado. E Caldeira Filho iria mais além: soltaria novos estudos sobre o estaqueamento dos canais, a possibilidade de limpeza periódica (que afastaria a ocorrência de assoreamento), cálculos estruturais de todo o sistema em funcionamento, veículos leves e rápidos correndo sobre caneletas eletrificadas e a fácil eliminação do problema dos cruzamentos com as vias expressas da Cidade., "com a simples colocação de sinaleiras, como as que tocam quando o trem passa".

Paisagem intocável - Um outro problema, o da perda do aspecto paisagístico dos canais de Santos - característica que tornou a Cidade bastante conhecida pelos forasteiros -, é inevitável. Todo um sistema estranho e misto de ônibus e bonde, correndo sobre os canais fechados, traria uma  nova estética, alterando consideravelmente o que se conhece por canais de Santos.

Um paisagista local chegou a afirmar que a questão paisagística era apenas um item a ser observado entre muitos outros, como o do assoreamento e do suporte estrutural para sustentação do sistema. "Além disso, para a simples implantação do bonde, salvo melhor juízo, teríamos que sacrificar boa parte das árvores existentes ao longo dos canais, último reduto dos jamboleiros de Santos. O paisagismo poderá sofrer muito. Mas eu pergunto: Esta seria a melhor medida para se aplicar uma fábula de dinheiro? Ou seria preferível aumentar a rede de trólebus?

Diante dos fatos, há os que acreditam na volta do bonde, como um antigo motorneiro, que gostaria novamente de conduzir um bonde em Santos. Há os saudosistas, mas há também os que estão há muito tempo ligados ao setor de transporte coletivo, e acham simplesmente inviável a medida. Essas pessoas não entendem de onde o prefeito tirou a idéia da volta dos bondes quando o Município não tem recursos sequer para manter ônibus a diesel (entregues recentemente à exploração por parte da empresa particular), e está às voltas com uma companhia (a CSTC) à beira da falência. E há um outro aspecto: o trólebus ganhou uma verba de Cr$ 197 milhões, de presente, que está trancafiada num cofre de banco à espera da decisão de prioridade para o transporte coletivo e Santos. E quem deve decidir essa prioridade é o prefeito Caldeira Filho, segundo orientação de economia energética contida em pacote governamental.


Prepare-se para enfrentar alguns atrasos na viagem, que retroage a 1947...

Carlos Pimentel Mendes