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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
1929: crise da Bolsa e incineração do café (2)

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Até que ponto a grande quebra da Bolsa de Valores de New York, em 29 de outubro de 1929, afetou os negócios no Brasil? Da mesma forma que 80 anos depois outra crise abalaria a economia mundial, mas pouco seria sentida em Santos, assim também ocorreu em 1929, quando a pauta de preocupações santistas no aspecto econômico era bem diferente, e já se manifestava muitos anos antes. Era o declínio na comercialização do café, após o auge verificado em 1922 (quando surgiu a Bolsa do Café de Santos).

O problema com essa então monocultura cafeeira já se manifestava desde o início do século, e a crise de 1929 quase nem foi notada na imprensa local, mais interessada na exportação da rubiácia - cujos problemas levariam ao início em 1931 da queima de montanhas de café, promovida pelo governo numa área junto ao porto santista. Esta notícia se refere àquela incineração, e foi publicada pelo jornal santista A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição) - em 8 de junho de 1931, na página 2:


Imagem: reprodução da publicação original

 

Incineração de cafés baixos

Por iniciativa do Conselho Nacional do Café, foram destruídos, ontem, vários milhares de sacas daquele produto

Conforme antecipamos, teve início, ontem, o serviço de incineração de cafés baixos, promovido pelo Conselho Nacional de Café.

Aquela instituição, empenhada em reduzir o volumoso estoque de que dispõe o mercado atualmente, deliberou inutilizar uma parte do café retido nos armazéns locais, dando, assim, cumprimento ao plano traçado no intuito de melhorar a situação do nosso mercado.

Ontem, às 14 horas, em carro especial, seguiram para a Alemão (N.E.: antiga denominação do atual bairro Alemoa, também usada na época) os convidados a assistir ao serviço de incineração dos cafés, diretores da Cia. Docas de Santos, a cujo cargo está aquele serviço, membros do Conselho Nacional de Café, representantes do nosso alto comércio e da imprensa.

Na Alemoa teve início o serviço de descarga da primeira partida de café, num total de 4.800 sacas.

Descarregado por uma turma de cerca de 100 trabalhadores, foi o café atirado ao mangue ali existente, tendo lugar, incontinenti, a incineração.

Nada menos de 11 galeras foram ocupadas no transporte desse café, que representava um total aproximado de trezentos mil quilos.

Ao ato estiveram presentes, entre outras, as seguintes pessoas: dr. Ismael de Sousa e cel. Antonio Candido Gomes, pela Cia. Docas de Santos; Esaú Silveira, do Conselho Nacional do Café; William T. Coupar, da Brazilian Warrant Agency e Finance Co. Ltd.; Arthur G. Parsloe, vice-cônsul dos Estados Unidos; Luis de Faria, representante do Conselho Nacional do Café junto à Cia. Docas de Santos para a fiscalização do serviço de incineração do café; Uriel de Carvalho, do Instituto do Café e representante do Conselho Nacional do Café; Roberto dal Colletto, diretor auxiliar da fiscalização da incineração do café; Richard Waltey, do National City Bank of Nova York; Antonio Levy e Flaminio Levy, da S. A. Levy; Agenor Silveira, diretor da secretaria da Associação Comercial de Santos; Francisco Assis Arantes, diretor da Associação Comercial de Santos; Eduardo Muller, da American Cofee Corporation; John E. Mirus, de Léon Israel e Cia.; C. D. Bell, da Brazilian Warrant Agency e Finance Co. Ltd.; dr. Sebastião Adelino de Almeida Prado, presidente da Bolsa Oficial de Café; Ruy de Abreu e Silva, representantes da imprensa etc.

Segundo estamos informados, o Conselho Nacional do Café tem prontas, para descarga, mais outras 4.800 sacas, devendo prosseguir o trabalho de incineração, sob a fiscalização de seus funcionários e diretores, até completar o número total de sacas a serem destruídas.

Em 10 de setembro de 1931, o mesmo jornal A Tribuna voltava a se referir à situação calamitosa dos negócios cafeeiros nacionais, na página 14 (última dessa edição):


Imagem: reprodução da publicação original

 

NOTÍCIAS DE S. PAULO

O destino do café

Um corretor poeta e outras calamidades...

(Do nosso correspondente)

S. PAULO, 9 - O Conselho Nacional do Café acaba de fazer uma publicação de real interesse para os nossos cafeicultores. Pondo de parte outros aspectos que aí se focalizam, façamos alto no capítulo referente ao aproveitamento industrial, ou "semi-industrial", como se lê nesse documento, do produto que está sendo impiedosamente destruído.

Essa queima de uma riqueza criada acaba de merecer um poemeto do corretor francês que ora visita o nosso país. O caso em si, para a maioria dos brasileiros, reveste certa comicidade irresistível. Um corretor poeta! Pode-se levar a sério um homem que procura conciliar as árduas funções do comércio com o convívio das Musas? Os nossos homens de negócios não compreendem outra espécie de Musas a não ser as que nos chegam de Marselha e se instalam nas pensões chiques, incontestavelmente muito mais caras do que as dos poetas... Nos países de saturação de cultura, porém, como é o caso da França, versejar é coisa ao alcance de qualquer cidadão, e não se pense que o sr. Adrien Gregoire, por saber medir alexandrinos e heróicos, é menos corretor de café do que esses cavalheiros que se esfalfam aí na Rua Quinze, sob a canícula bravia da cidade andradina.

Mas, vamos ao aproveitamento industrial da rubiácea. Este problema preocupa o Conselho Nacional do Café. Bravo! Até aqui, todos supunham que o seu programa consistia na destruição pura e simples de milhares e milhares de sacas desse produto, a fim de forçar a alta das cotações, expediente que até agora não deu os resultados previstos. Os fazendeiros continuam desanimados. Se, a princípio, receberam com certas esperanças fagueiras o processo simplista da condenação ao sacrifício de uma parte das safras, não ocultam hoje a sua decepção em face da realidade.

Agora, a perspectiva de transformar esse excedente da produção em matérias aproveitáveis e vendáveis. No entender de um químico estrangeiro, as 300.000 sacas de café já destruídas continham substâncias que podiam ser aproveitadas, calculando em alguns milhares de contos o seu valor. Ninguém será capaz de pôr em dúvida essa afirmativa, pois os prodígios da ciência moderna entraram já para o rol dos fatos consumados. O que se põe em dúvida é a exeqüibilidade desse plano num país inteiramente desaparelhado de recursos técnicos como é o nosso. Por enquanto, as experiências não saíram dos domínios do laboratório, e uma coisa é o laboratório e outra, muito diversa, a industrialização comercial.

O Conselho confiou o estudo da questão ao diretor da Estação Experimental de Combustíveis do Ministério da Agricultura. Estuda-se a possibilidade de transformar o café em combustível. Ao que parece, não se deposita grande confiança no aproveitamento dos subprodutos da rubiácea, pelas razões acima expostas, isto é, o atraso em que se acha a química industrial em nosso país.

Decididamente, o destino do café não pode ser outro senão o de ser "queimado"...

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