Deus, oh Deus, onde estás que não respondes?
Em que mundo, em que estrella tu te escondes,
Embuçado
nos céos?
Ha dous mil annos te mandei meu grito
Que em balde desde então corre o infinito;
Onde
estás, Senhor Deus?
Qual Prometheu, tu me amarraste um dia
Do deserto na rubra penedia,
Infinito
galé.
Por abutre me deste o sol ardente,
E a terra de Suez foi a corrente
Que me
ligaste ao pé.
O cavallo estafado do Beduino
Sob a vergasta tomba resupino,
E morre
no areial;
Minha garupa sangra, a dôr poreja
Quando o chicote do Simoun dardeja
O teu
braço eternal!
Minhas irmãs são bellas, são ditosas!
Dorme a Asia nas sombras voluptuosas
Dos
harens do Sultão!
Ou no dorso de brancos elephantes
Embala-se coberta de brilhantes
Nas
plagas do Hindostão!
Por tenda tem os cimos do Himalaya,
O Ganges amoroso beija a praia
Coberta
de coraes!
A brisa de Mysora os céos inflamma,
E ella dorme nos templos do Deus Brahma,
Pagodes
colossaes!
Europa, é sempre Europa, a gloriosa!
A mulher deslumbrante e caprichosa,
Rainha e
cortezã!
Artista, corta o marmor de Carrara,
Poetiza, tange os hymnos de Ferrara
No
glorioso afan!
Sempre o laurel lhe cabe no litigio!
Ora uma cr'ôa, ora um barrete Phrygio
Enflora-lhe a cerviz!
O universo apoz ella, doudo amante,
Segue captivo o passo delirante
Da
grande meretriz!
Mas eu, Senhor, eu triste, abandonada,
Em meio das areias esgarrada
Perdida,
marcho em vão!
Se choro, bebe o pranto a areia ardente,
Talvez p'ra que meu pranto, oh Deus clemente,
Não
descubras no chão!
E nem tenho uma sombra de floresta,
Para cobrir-me nem um templo resta
No solo
abrazador!
Quando subo ás pyramides do Egypto
Embalde aos quatro céos chorando grito:
Abriga-me, Senhor!
Como o propheta em cinza a fronte envolve,
Velo a cabeça no areial que volve
O sirôco
feroz!
Quando eu passo no Sáhara amortalhada,
Ai! dizem, lá vae Africa embuçada
No seu
branco albornoz!
Não vêem que o deserto é o meu sudario?
E o silencio campeia solitario
Por
sobre o peito meu?
Lá no solo onde o cardo apenas medra,
Boceja o Sphynge colossal de pedra
Fitando
o morno céu!
De Thebas nas columnas derrocadas
As cegonhas espiam debruçadas
O
horizonte sem fim:
Onde branqueja a caravana errante
E o camello monotono, arquejante
Que
desce de Ephraim.
Não basta inda de dôr, oh Deus terrivel?
É pois teu peito eterno inexhaurivel
De
vingança e rancor?
E o que é que fiz, Senhor? que torvo crime
Eu commetti jamais que assim me opprime
Teu
gladio vingador?
........................................................
Foi depois do diluvio... um viajante
Negro, sombrio, pallido, arquejante
Descia
do Ararat:
E eu disse ao peregrino fulminado:
Chám, sê meu esposo bem amado,
Serei
tua Eloah!
Desde esse dia o vento da desgraça
Por meus cabellos ululando passa
O
anathema cruel!
As tribus erram do areial nas vagas,
E o nomade faminto corta as plagas
No
rapido corcel!
Vi a sciencia desertar do Egypto...
Vi meu povo seguir, judeu maldicto.
O trilho
da perdição!
Depois vi minha prole desgraçada
Pelas garras da Europa arrebatada,
Amestrado falcão!
Christo! em balde morreste sobre um monte!
Teu sangue não lavou de minha fronte
A mancha
original!
Ainda hoje são, por fado adverso,
Meus filhos, alimaria do universo,
Eu,
pasto universal!
Hoje em meu sangue a America se nutre,
Condor que transformara-se em abutre
Ave da
escravidão!
Ella juntou-se ás mais, irmã traidora,
Qual de José os vis irmãos outr'ora
Venderam
seu irmão!
Basta, Senhor! de teu potente braço
Role atravez dos astros e do espaço
Perdão
p'ra os crimes meus!
Ha dous mil annos te mandei meu grito,
Escuta o brado meu lá do infinito
Meu
Deus, Senhor, meu Deus!