HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Caça às bruxas, na Santos de 1920/28 (1)
Mas elas não eram queimadas na fogueira, como Joana D'Arc, que seria canonizada em 1920
na Europa...Em 30 de maio de
1431, Joana D'Arc, a "Virgem de Orleans", era queimada viva aos 19 anos, acusada de heresia, em meio à grande "caça às bruxas" realizada nos tempos
medievais. 489 anos depois, na mesma data, em 1920, a Igreja Católica Apostólica Romana canonizou Santa Joana D'Arc, reconhecendo ser ela uma heroína
nacional da França.
Em Santos, o ano de 1920, entretanto, começava com uma curiosa caça às bruxas, conforme
notas publicadas na imprensa. Esta saiu na primeira página do jornal santista A Tribuna, justamente na primeira edição do ano, em 1º de janeiro
de 1920 (grafia atualizada nas transcrições a seguir):
Imagem: reprodução da matéria
A campanha contra a bruxaria
As medidas tomadas pela Central e as instruções
expedidas às sub-delegacias são asseguradoras do êxito na campanha contra a bruxaria, iniciada em Vila Mathias e agora extensiva a toda a cidade.
O que é necessário, imprescindível, é o que temos aqui repetido: tenacidade e nenhuma
vacilação no agir.
Aliás, parece ser esta a disposição da polícia, que está perfeitamente aparelhada a
resistir a todos os embaraços e a alcançar mesmo os que se julgam "habilitados" a burlar a ação da autoridade na moralizadora campanha.
Uma verdade a que a polícia não é estranha é a mudança precipitada de muitas
exploradoras do "honesto mister" a fim de iludir o próximo, pretendendo assim furtar-se a umas explicações que lhes vão ser pedidas sobre a grande
profissão.
E com isso a tranqüilidade vai desertando de casas suspeitas que têm andado às moscas
estes dias... Tudo isso são bons sinais. |
Dias depois, em 7 de janeiro de 1920, o mesmo jornal A Tribuna registrou:
Imagem: reprodução parcial da matéria
A campanha contra as bruxas
A polícia de Vila Mathias faz um belo serviço
Vamos acompanhando com o maior interesse a campanha que
a polícia vai desenvolvendo contra a bruxaria.
O combate às exploradoras da ignorância pública vai assumindo tais proporções e com
resultados tão positivos, que nós aqui pomos em ressalto a ação proveitosa desenvolvida especialmente pela polícia de Vila Mathias.
O inspetor da polícia de Vila Mathias, sr. Isaac Evangelista dos Santos, vai agindo,
sem dúvida alguma, com tenacidade e exato conhecimento do terreno.
Ainda ontem, a polícia daquele distrito realizou uma diligência que deu completo
êxito.
Reside à Rua Senador Feijó a bruxa Anna Rosa, uma das que vivem dos "magros tostões" e
que apanha os tolos com os seus benzimentos, orações e água de azeite. Anna Rosa foi chamada para tratar de um enfermo, um pequenote, filho
de Rosália Alonso, que reside à mesma rua, 473. Foi a mulher "salvadora" pronta a resolver em três dias o caso, com uns três quartos de oração e...
"azeite derretido na água".
A criança sofria coisas que os médicos não descobriam: era quebranto. Resolveu, assim,
a Anna Rosa, que é para os idiotas uma espécie de "santificada".
A mulherzita começou a "coisa", que, ao fim, lhe daria, como de costume, um corte de
blusa ou umas velas, um lucro, enfim, que não fosse em moeda do país, para que se não dissesse que ela vive disso...
E começou. A oração foi comprida. O pequeno recobrou ânimo, mas sobreveio-lhe minutos
depois uma coisa estranha. Anna Rosa foi chamada outra vez.
- Resolva o caso, don'Anna - bradou o pai do menino; o "corte" já aí está.
A mulher deitou de novo o verbo. E "reza" vai, "reza" vem, concluiu por
diagnosticar... um novo quebranto, mais possante do que o primeiro.
E de que teria resultado esse "quebrantão", esse mau olhado!
Anna Rosa consultou os "espíritos" e replicou: - "D'alguma vizinha..."
A Rosália, a mãe do pequeno, não esperou mais: um, dois, três, e como andava de ponta
com a vizinha Consuelo Negarol, foi tirar a coisa a limpo...
Discutiram bastante e, afinal, a polícia apagou o fogo: prendeu a bruxa e as
briguentas.
Anna Rosa, que é lavadeira nas horas vagas, arranjou boas evasivas, que lhe não
tiraram o "quebranto" fora: a polícia quer saber como é que o "azeite" se esparrama ou não se esparrama n'água.
E continua a coisa assim: a polícia a perseguir todas as mulheres "honestas" que vivem
de uns magros tostões, e que só encontram a defendê-las os que devoram estes "tostões magros"... |
No dia seguinte, 8 de janeiro de 1920, nova notícia em A Tribuna:
Imagem: reprodução parcial da matéria
A campanha contra as bruxas
A polícia descobriu mais um conventilho
Rabiscamos hoje mais algumas linhas referentes ao caso
das bruxas para demonstrar aos leitores que essas inofensivas mulheres, apesar do rigor com que está sendo feita a campanha policial, nada temem e
continuam a atender a sua clientela, não tirando resultado algum do seu "trabalhinho..."
As adivinhas agem à socapa, julgando, talvez, que a polícia não tem bons olhos e não
está a par do movimento.
Puro engano. A polícia tudo sabe e tudo vê.
Para prova lá vai a amostra:
Ontem, a conhecida cartomante Emma Ferraz, de 60 anos de idade, residente à Rua João
Macuco n. 261, afamada pelas suas "sensacionais" revelações, pensando enganar a polícia, recolheu uns clientes e, de portas fechadas, formou a
"sessão".
Um cheiro enfadonho de alecrim queimado rescendia ao longe. Era a bruxa que queimava
seu ingrediente, porque, (diz ela), sem incensar a casa não pode trabalhar; os espíritos maus vêm para a mesa e atrapalham a nossa ação.
Tudo era silêncio; o pessoal lá dentro falava baixo, a fim de não causar suspeitas aos
vizinhos, que, no dizer da bruxa, são muito abelhudos.
Mas a polícia inesperadamente compareceu, atraída, certamente, pelo cheiro do alecrim
queimado.
Emma Ferraz, a adivinha, seu amante Manuel Macário e vários clientes, foram apanhados
com a boca na botija!
A quiromante, o amante e também os restantes foram presos, sendo contra eles lavrado o
auto de flagrante.
A polícia apreendeu ainda vários baralhos, figuinhas da Guiné, rosários, patuás e
outras tantas traficâncias usadas para as feitiçarias.
A diligência foi efetuada pela polícia do Macuco por ordem do major Baccarat,
subdelegado da central, para onde os presos foram removidos. |
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