Foto publicada com a matéria
Aqui, tudo para entender Iemanjá
Umbanda, Quimbanda, Candomblé, é tudo a mesma coisa? Não. Os umbandistas não
gostam de ser confundidos com os quimbandistas. No primeiro grupo não existe a prática do mal, que é a característica marcante do segundo. Candomblé
é mais folclórico, de terreiro, artístico. É um conjunto de coreografia mais para o espetáculo do que para religião, ou seja: exaltação da beleza
exterior. A Umbanda nasceu no Brasil, entre os negros escravos trazidos da África. Como não entendiam o Português, e geralmente eram doutrinados no
catolicismo, substituíam o nome dos santos e santas por outros como Iemanjá, Orixá, Oxalá, Xangô.
segundo os umbandistas, sua religião nunca pratica o
mal, nem é responsável pelos despachos de galinha morta, vela e garrafa de pinga, muito comuns na Baixada Santista. Não praticam o feitiço, e
atribuem isso aos quimbandistas.
Mas, em compensação, os umbandistas realizam também seus despachos, com outra
finalidade: destruir o mal encomendado a uma pessoa, e realizado pela Quimbanda. Explicação de um umbandista para justificar o trabalho:
"Quando alguém é mordido por uma cobra, recebe um remédio feito com o próprio veneno. Por isso usamos os mesmos
instrumentos da Quimbanda para destruir o mal".
No momento é impossível calcular o número de adeptos do umbandismo, no Brasil. Em
Santos, a religião aumentou muito nos últimos 10 anos, mas existem 1.500 tendas em toda a Baixada Santista, a maioria aqui e em Vicente de Carvalho.
Em média, cada tenda reúne 300 pessoas. Somente no Estado de São Paulo, calcula-se que há 24 mil tendas.
Tudo na Umbanda gira em torno das 7 linhas, que são representadas por santos mas com
nomes indígenas. Na realidade, são oito, porque a última linha é de Cosme e Damião. Pela ordem, aqui estão os santos dos umbandistas:
Iemanjá (Nossa Senhora da Glória), a rainha do mar, protetora dos lares, dos
amores e dos navegantes. É o ponto-chave da religião.
Oxum (Nossa Senhora da Conceição), símbolo dos rios, protetora de todas as
correntes de água doce.
Iansã (Santa Bárbara), santa das tempestades. As pessoas que incorporam
Iansã são de temperamento impulsivo e nada as detém. Conseguem tudo o que querem.
Xangô (São Jerônimo), dono das cachoeiras. É o símbolo da justiça. Foi marido
de Iansã (Santa Bárbara).
Oxossi (São Sebastião), protetor das florestas, dono dos caboclos. É quem mais
se manifesta nos terreiros, receitando remédios baseados em ervas silvestres.
Ogum (São Jorge), muito adorado pelos umbandistas, simbolizando a vitória do
Bem sobre o Mal (mata o dragão - Mal - com uma espada).
Cosme e Damião, dois jovens médicos que dedicaram toda a vida para as crianças.
Depois de Iemanjá, Cosme e Damião são os mais adorados na Umbanda.
Dentro dessas sete linhas existem várias falanges (como linha do Congo, dos pretos
velhos, de Angola, nagô e dos exus). O cumprimento dos umbandistas é "Saravá", cruzando os ombros, o que representa o mesmo sinal da cruz da Igreja
Católica.
Oxalá é Jesus Cristo.
Programa de hoje - União Espírita Santista e Secretaria de Turismo, Cultura e
Esportes organizaram a VIII Noite de Iemanjá, que começa hoje às 20,30 horas e termina oficialmente à meia-noite. Um desfile de quatro carros
alegóricos, saindo da Rua Dr. Carvalho de Mendonça, em direção à Praia do Gonzaga, abre a festa.
Em seguida eles cantam o hino da Umbanda, fazem uma oração e depois as tendas,
representando quase todos os Estados, apresentam seus rituais. Quem tiver algum pedido a fazer, deve procurar as tendas, dizer o que quer a um pai
ou mãe-de-santo. Ganhará um barquinho de papelão para atirá-lo ao mar. Se o barquinho voltar o pedido não será atendido. Mas se afundar ou seguir
para alto-mar, é sinal que Iemanjá vai resolver o problema.
Eliane Pinto Antunes, uma estudante de 16 anos, vai representar Iemanjá, substituindo
Solange Wesley que deixa o posto após 5 anos de rainha do mar. Ela ficará imóvel, das 20,30 até a meia-noite, em seu carro alegórico. Descerá
para entrar no mar, atravessar sete ondas e atender aos pedidos dos umbandistas.
Oficialmente, a VIII Noite de Iemanjá termina à meia-noite, mas as tendas ficarão
armadas até as 6 horas de amanhã. Os umbandistas oferecerão, durante a noite inteira, comidas como vatapá, caruru, sarapatel e ojó. Importante: as
tendas não cobrarão nada pelos pedidos nem pela comida.
Além de tendas de quase todo o País, a União Espírita Santista e Secretaria de
Turismo, Cultura e Esportes estão anunciando que virão umbandistas dos Estados Unidos, Itália, Paraguai, Uruguai e Argentina.
Graciana fala de milagres
Graciana Miguel Fernandes é uma figura muito discutida
nos meios umbandísticos. Alguns dizem que ela se aproveita da religião pensando na política. (É vereadora, suplente pelo Movimento Democrático
Brasileiro). Ela mesma não esconde que gosta de política e diz que a única compensação pelo trabalho que realiza na Umbanda é poder representar
"seus seguidores" na Câmara Municipal.
"- Não faço listas pedindo dinheiro para as Noites de
Iemanjá. Às vezes até empenho jóias, mas nunca exploro ninguém. Gosto da Política, é uma das poucas satisfações pessoais que tenho além da Umbanda e
nunca neguei isso", explica Graciana. Ela acha que grande parte dos umbandistas necessita de estudar o Evangelho, e
aponta o espiritismo como a única saída para a Umbanda se completar. É presidenta da União Espírita Santista e anualmente percorre quase todos os
Estados do País fazendo propaganda da Noite de Iemanjá.
Todas as sete Noites de Iemanjá foram organizadas por Graciana, que faz um relato
desde o início das festas - em 1962 - até a do ano passado, contando alguns fatos que na sua opinião foram milagres. Seu depoimento:
"- Na I Noite de Iemanjá não aconteceram milagres mas
valem por uma coisa: o sucesso que alcançamos. Cláudia fez o papel de Iemanjá e acredito que aproximadamente 50 mil pessoas assistiram à nossa
festa. O que chamou mais a atenção do público foi uma chuva de pétalas de rosa jogadas de avião. A praia ficou toda colorida.
"Roseli, filha de Cláudia, foi a Iemanjá no ano seguinte. Apresentamos as 7 linhas da
Umbanda. Aconteceu, então, o primeiro milagre. Uma moça desfilou representando Santa Luzia levando em uma bandeja de prata dois olhos de vidro,
simbolizando a bandeira da União Espírita Santista. Um fotógrafo de Santos fez as fotos da bandeja com os dois olhos e na hora em que revelou o
filme apareceu a imagem de Santa Luzia no lugar dos olhos.
"Solange Wesley, de origem norte-americana, incorporando Iemanjá, foi a principal
atração na III Noite. Considero essa como a festa mais linda e a de maior repercussão. À meia-noite uma jovem paralítica desde os 3 anos foi
arrastada pelas águas e saiu do mar andando. Não sei se posso chamar isso de milagre, ou se a menina - de 14 anos - recebeu um choque tão grande que
acabou caminhando. Interessante é que toda a família da paralítica não era de Umbanda e sim católica.
"Ao contrário do ano anterior, a IV Noite de Iemanjá foi marcada por um tremendo
temporal. No meio daquela chuva, uma senhora de Campinas aproximou-se de Iemanjá - representada por Solange - e entregou-lhe um bracelete de
diamantes, fazendo o seguinte pedido: 'Meu filho está com câncer na garganta e quero que a senhora o salve'.
À meia-noite, quando eu estava andando pela praia tentando agasalhar algumas pessoas, uma menina chegou perto de mim e disse: 'Dona
Graciana, Iemanjá mandou este bracelete para a senhora'. Entendi na hora que o milagre seria impossível e, uma semana
depois, o jovem morreu. Isso é uma prova de que nem tudo aquilo que a gente pede pode ser atendido.
"Pela primeira vez tivemos caravanas do Exterior. Isso aconteceu na V Noite de
Iemanjá. Vieram tendas dos Estados Unidos, Itália e Argentina. Foi o grande impulso de que nossa festa necessitava. Os jornais, rádios e tevês
fizeram grandes coberturas e a partir daí todas as portas foram abertas para a Umbanda. Outro fato curioso: esta noite foi marcada pela
reconciliação de vários casais, alguns separados há dois anos.
"De novo a chuva marcou presença, agora na VI Noite de Iemanjá. Mas em compensação
cumpri uma promessa: Iemanjá veio de alto-mar para a areia, em uma chata toda ornamentada. Não gosto de contar esta passagem, mas não resisto: o mar
estava bravo e ninguém acreditava que aquela chata chegaria com alguém em cima. Mas, além de conseguir, por duas vezes, um grande número de
umbandistas viu o rosto de Solange transformar-se no de Nossa Senhora da Glória (Iemanjá). Se apenas eu notasse isso, jamais falaria. Mas muita
gente viu, e garanto que foi milagre.
"Pela última vez, Solange Wesley se apresentou como Iemanjá, na VII
Noite. Agora ela está noiva e deixou o lugar para uma estudante de 15 anos. A grande novidade dessa noite foi a apresentação ao vivo das 7 linhas da
Umbanda. Mesmo com chuva, o público que compareceu foi o maior de todas as festas, o mesmo acontecendo com o número de tendas, representando quase
todo o País".
Festa de Iemanjá em Santos
Foto: Almanaque de Santos - 1969, de Olao Rodrigues, Santos/SP - 1969
Exemplar no acervo do historiador santista Waldir Rueda
|