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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - BIBLIOTECA - C.SANITÁRIA
A campanha sanitária de Santos (4)

Em 1919, o médico Guilherme Álvaro lançou em Santos o livro A campanha sanitária de Santos - Suas causas e seus efeitos (edição do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo/Casa Duprat), que agora ganha pela primeira vez sua versão digital (grafia atualizada - original no acervo do professor e pesquisador Francisco Carballa):

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Dr.Guilherme Álvaro


IV - 1873-1889

O ano de 1873 marca para Santos o aparecimento da primeira grande epidemia de febre amarela, que principiou a lavrar na baía, entre as populações dos navios ancorados nos portos do Bispo e do Consulado, aquele no Valongo, este onde desembocava a Rua 11 de Junho. De bordo a doença passou-se para terra, para os quarteirões próximos do litoral, alastrando-se depois por toda a cidade.

Logo em janeiro ocorreu o primeiro óbito, no fim do mês. Em fevereiro os casos fatais subiram a 17, passando a 39 em março; em abril a epidemia atingiu o auge, com 41 óbitos, decrescendo de intensidade em maio, quando baixaram as mortes a 20. Em julho a doença se extinguiu, tendo causado 2 óbitos, contra 5 no mês anterior.

O alarme foi grande na cidade, pedindo a Câmara Municipal o auxílio do Governo Provincial para socorrer a população onde mais de 500 pessoas, ou 5% desta, tinham sido atacadas pela doença, recebendo tratamento no Hospital da Misericórdia mais de 300 febrentos. Nesta epidemia a febre amarela fez 140 vítimas, ou 1,25% da população santista. A varíola, no último trimestre do ano, causou 8 óbitos, iniciando-se a grande epidemia que devastou Santos no ano seguinte. A tuberculose fez 27 vítimas, o tétano dos recém-nascidos 31, a disenteria 3, a coqueluche 1, o impaludismo 8, os cancros 3. O total dos óbitos, durante o ano, foi de 572, registrando-se 330 batizados e 49 casamentos.

Passados os dias tristes do primeiro semestre, a cidade voltou à sua habitual quietação, continuando a indiferença da Municipalidade pelas coisas relativas à saúde pública. Entretanto, o obituário local, onde a disenteria e as diarréias haviam diminuído notoriamente, mostrava a influência benéfica da água mais abundante a mais pura que desde o ano de 1872 abastecia a cidade. De fato, a água captada no Cubatão, no Rio das Pedras, em zona deserta, fora das probabilidades de quaisquer contaminações, era muito superior à proveniente da cachoeira do José Menino, mais à mão e correndo em terreno já freqüentado. Além disso, a abundância da água nos chafarizes públicos fazia diminuir o consumo das águas das antigas fontes, nascentes das encostas dos morros, habitados já regularmente, e a dos poços, que ainda crivavam os reduzidos quintais dos centros populosos e dos arrabaldes mais pobres.
{1874}
Correu mal para Santos o ano de 1874, em que foram registrados 581 óbitos, dos quais 150 por varíola, reinante de março a dezembro. Foram tratados nos lazaretos organizados no Mosteiro de S. Bento e na Beneficência Portuguesa para mais de trezentos doentes, além de quase duas centenas hospitalizados na S. Casa da Misericórdia, que os recebia também.

Muito pouca gente era então vacinada em Santos, onde só as famílias de certo tratamento se faziam imunizar contra a varíola, mandando vir vacina da Inglaterra, para fugir à vacinação de braço a braço, em uso na época. Demais não se tomava ainda a menor precaução contra a doença, só sendo removidas para os hospitais as pessoas que não dispunham de recursos para fazer o tratamento em domicílio, sendo feito o transporte dos doentes para os lazaretos nos carros de praça, que iam depois servir a passeios, a casamentos ou a batizados.

As casas, como as roupas e os objetos dos doentes, nenhum beneficiamento sofriam também, sendo de admirar que não fossem maiores os estragos feitos pela varíola. Não vão nestas afirmações exageros, porquanto as tivemos de colegas que assistiram àquela epidemia e às seguintes e nos forneceram tais informações.

Em abril apareceram casos de febre amarela na zona do litoral, causando 8 óbitos, que subiram a 10 no mês seguinte, quando se extinguiu a doença. A tuberculose, o tétano dos recém-nascidos, a coqueluche, a disenteria, o impaludismo e o cancro concorreram para o obituário geral, respectivamente, com 54, 35, 10, 5, 5 e 2 casos cada um. Por aí se vê que apesar do crescimento da população, o número de mortos por disenteria baixava, atestando que melhor água era fornecida à população santista, favorecendo o abandono do uso dos poços e ribeiros perigosos. Foram registrados 267 nascimentos e 71 casamentos.
{1875}
O obituário de 1875 foi mais baixo, registrando-se 418 falecimentos, dos quais 30 por febre amarela. A doença principiou em março, no porto como de costume, passando logo para a cidade, onde matou 7 pessoas; no mês de abril faleceram 4 amarelentos, em maio 8, em junho igual número, cessando a doença neste mês. A varíola pontuou o obituário de todos os meses, causando até dezembro 16 mortes. As vítimas do tétano dos recém-nascidos foram 28, as da tuberculose 43, as da disenteria 5, as da coqueluche 6, as do impaludismo 5, as do cancro 3. Durante o ano foram registrados 346 nascimentos e 71 casamentos.


"Rua General Câmara em 1905"
Foto publicada com esta legenda no livro A Campanha Sanitária...

{1876}
Em 1876 Santos muito sofreu outra vez com a febre amarela e com a varíola, perdendo 222 habitantes mortos pela primeira e 63 pela segunda doença. A febre amarela começou em março, cessando em junho; a varíola grassou durante o ano inteiro.

Em 1876 Santos era já inquestionavelmente a terceira cidade da Província de S. Paulo, contando dez mil habitantes na sua zona urbana; todos os melhoramentos, porém, que possuía, limitavam-se a meia dúzia de chafarizes públicos, a algumas ruas mal calçadas e uma linha de bondes inaugurada a 7 de setembro de 1873.

A cidade continuava sem água encanada para a maioria dos prédios, que armazenavam-na em vasilhas de todos os tamanhos e feitios; não tinha esgotos, estando por isso os quintais crivados de fossas, ou ocupados por vasos onde as matérias fecais eram conservadas para serem depois lançadas às praias ou aos ribeiros que lá iam ter; não possuía limpeza pública organizada, permanecendo o lixo nos quintais, ou, atirado aos logradouros públicos, servia para aterrá-los. A praia lodosa era o depósito de todas as imundícies provenientes das habitações das proximidades e só era limpa pelas marés.

Era esse sem exagero o aspecto de Santos em 1876, quando chegou do Rio de Janeiro o brigue sueco Ida, a bordo do qual no fim do mês apareceram os primeiros casos de febre amarela, removidos para o Hospital da Misericórdia, onde foram tratados. Em março a doença começou a aparecer do brigue fatídico, passando depois para terra, lavrou nos prédios próximos ao litoral. Em seguida penetrou até o coração da cidade, estendendo-se por fim aos arrabaldes, indo mesmo até S. Vicente. Em março ocorreram 42 óbitos, que subiram a 95 em abril, quando a epidemia tocou ao auge; em maio a cifra das mortes desceu a 55, para reduzir-se a 24 em junho. Cessou a doença em julho, causando ainda 6 óbitos.

Quase duas mil pessoas foram atacadas pela febre amarela em 1876, tendo sido tratadas no Hospital da Misericórdia cerca de 600. A Câmara Municipal de Santos pediu auxílios ao Governo Provincial, que os prestou na medida das suas forças, auxiliando a distribuição de socorros aos pobres, a organização de hospitais regionais para febrentos, ficando resolvida também a nomeação de fiscais para promoverem a limpeza das casas e dos terrenos respectivos, reconhecendo-se destarte as más condições do asseio interno da cidade como causa dos males reinantes.

Findando, porém, a febre amarela em junho, tudo voltou à quietude anterior, cessando até a correição dos fiscais, desaparecendo aquele incipiente policiamento sanitário que incontestavelmente prestou serviços, promovendo a limpeza da localidade por algum tempo.

A tuberculose continuava a se desenvolver lenta, mas com toda a segurança, subindo o número de óbitos por ela causados a 66; as outras doenças costumeiras produziram: o tétano dos recém-nascidos 25 mortes, a disenteria 6, a coqueluche 2. De impaludismo não encontramos referência franca na estatística mortuária de 1876, em que os cancros figuram com 2 casos.
{1877}
Em 1877 voltou a normalizar-se, quase, a situação sanitária de Santos, onde foram sepultadas 366 pessoas, das quais 10 por varíola, reinante em janeiro e fevereiro. A tuberculose, o mal de sete dias, a coqueluche e a disenteria fizeram, respectivamente, 47, 31, 5 e 5 vítimas na população santista, poupada neste ano pela febre amarela.
{1878}
Em compensação, em 1878 a febre amarela, que dois anos antes havia galgado a serra de Paranapiacaba, transposto a capital da Província e se instalado em Campinas, voltou a assolar Santos, tendo começado a causar 3 óbitos logo no mês de janeiro. Rapidamente aumentaram os casos da doença no mês seguinte, vitimando 33 pessoas, estendendo-se por toda a cidade em março, com 105 óbitos, para principiar a diminuir em abril. Às 20 mortes que causou neste mês, a febre amarela ainda ajuntou 15 em maio, 7 em junho e 1 em julho, quando cessou depois de fazer ao todo 184 vítimas.

A varíola entrou a grassar em março, 1 óbito, atingindo o máximo do seu desenvolvimento em setembro e outubro, 12 e 12 óbitos, para diminuir em novembro e dezembro, 4 e 4 mortes. Das outras doenças que relatamos, forneceram óbitos: a tuberculose 48, o tétano dos recém-nascidos 22, a coqueluche 2, o impaludismo 6, a disenteria 4, o cancro 2. Foram sepultadas em Santos 554 pessoas em 1878, quando foram registrados 287 nascimentos e 72 casamentos.
{1879}
Foi menor o obituário de 1879, sendo sepultadas em Santos 460 pessoas, das quais 45 falecidas de febre amarela, cujos primeiros 6 óbitos ocorreram em fevereiro. Em março a doença causou o mesmo número de mortes, que subiram a 12 em abril e outras tantas em maio, cessando a epidemia em junho, com dois casos fatais, a que se ajunta um outro ocorrido em dezembro.

A varíola não mancha o obituário deste ano, onde a tuberculose, a coqueluche, o tétano dos recém-nascidos, a disenteria, o impaludismo e o cancro aparecem cada um, respectivamente, com 30, 7, 20, 5, 12 e 3 casos. Foram feitos 322 registros de nascimentos e 60 de casamentos.


"O mesmo local (Rua General Câmara) em 1915"
Foto publicada com esta legenda no livro A Campanha Sanitária...

{1880}
Ainda em 1880 a febre amarela voltou a visitar Santos, onde causou 34 óbitos, tendo aparecido os primeiros casos da doença em fevereiro, com uma morte. Em março houve outro caso fatal, seguido de três em abril e de sete em maio, atingindo a epidemia a sua maior intensidade em junho, com 12 óbitos. Em julho a febre amarela diminuiu, com 6 casos fatais, para desaparecer em setembro, tendo causado um óbito em agosto e outro naquele mês referido.

A varíola não se manifestou na cidade, onde a tuberculose, o mal de sete dias, a disenteria, a coqueluche, o impaludismo e o cancro causaram, respectivamente cada um, 64, 23, 2, 12 e 2 mortes. Durante o ano foram registrados 80 casamentos, 370 nascimentos e 462 óbitos.
{1881}
A mortalidade geral de Santos em 1881 foi de 384 pessoas, não tendo para ela concorrido a varíola. Em compensação, a febre amarela, em pequena epidemia que durou de março a junho, causou 6 óbitos, sendo 2 em maio e 2 em junho. A tuberculose figura na primeira linha do obituário local com 52 casos, seguindo-se-lhe o tétano dos recém-nascidos com 23, o impaludismo com 10, o cancro com 4. De coqueluche não houve falecimentos. Houve 380 nascimentos e 93 casamentos.
{1882}
Em 1882 a varíola continuou ausente de Santos, onde a febre amarela, entretanto, causou 1 óbito em março e 2 em abril. Para o obituário geral do ano, 428, a tuberculose concorreu com 52 casos, o mal dos sete dias com 17, o impaludismo com 10, a disenteria com 7, o cancro com 2 e a coqueluche 1. Foram feitos 63 casamentos e registrados 431 nascimentos.


"Rua 24 de Maio em 1906" (N.E.: ex-Rua da Praia, atual Rua Tuiuti)
Foto publicada com esta legenda no livro A Campanha Sanitária...

{1883}
A febre amarela voltou em 1883, produzindo 1 óbito em março, 4 em junho e 3 em julho, quando cessou a pequena epidemia da doença. Pela primeira vez aparece o impaludismo com mortalidade elevada no obituário santista, 44 óbitos ou o triplo da média de 1850 em diante. Foram casos ocorridos parte nos sítios, parte nos novos arrabaldes da cidade, nas zonas encharcadas que a população ia ocupando, por falta de lugar na antiga planície elevada da vila de Santos.

A tuberculose matou 76 habitantes, podendo-se observar a sua marcha sempre crescente, indicadora das raízes que criara na cidade. O tétano dos recém-nascidos continuava a sua obra devastadora, ocasionando 25 mortes; a disenteria e a coqueluche determinaram respectivamente 8 e 8 e o cancro matou 2 pessoas. O obituário total de Santos subiu a 538 falecimentos em 1883, quando foram registrados 94 casamentos e 422 nascimentos.
{1884}
Em 1884 a febre amarela não visitou a cidade, não figurando na sua estatística mortuária, de onde também se mostra ausente a varíola. A mortalidade pela disenteria continuava a baixar, ainda que lentamente, 5 óbitos, aparecendo de modo a chamar a atenção o sarampão, com 6 mortes.

A escarlatina continuou a não se manifestar na cidade, onde em compensação o tétano dos recém-nascidos atingia a cifra de 32 casos fatais, sendo menor o obituário relativo ao impaludismo, 29 casos; a febre tifóide aparece pela primeira vez, francamente, com 11 óbitos. A mortalidade pelo cancro era ainda bem pequena, tendo a doença causado 2 mortes em 1884. O obituário geral deste ano subiu a 543, tendo sido feitos 88 casamentos e registrados 464 nascimentos.
{1885}
O ano de 1885 foi melhor para Santos, onde foram sepultadas 422 pessoas, das quais 1 falecida de febre amarela, sendo o registro feito como de tifo americano. A varíola ainda uma vez poupou o município, nenhum óbito causando; em compensação, a febre tifóide produziu estragos, suprimindo 14 vidas, fato anormal em Santos, onde a doença não era comum.

O tétano dos recém-nascidos figura no obituário com a mesma cifra do ano anterior, 32, tendo a do impaludismo descido a 16 e a da tuberculose a 55. O cancro não aparece na lista das doenças vitimantes, onde a disenteria se mostra com 6 mortes e a coqueluche com 1. O sarampão não reinou em Santos neste ano. Foram registrados 101 casamentos e 518 nascimentos.


"O mesmo local (Rua 24 de Maio) em 1915" (N.E.: ex-Rua da Praia, atual Rua Tuiuti)
Foto publicada com esta legenda no livro A Campanha Sanitária...

{1886}
Nenhuma perturbação grave ocorreu em 1886, quando a mortalidade total atingiu a cifra de 554. A febre amarela fez uma pequena incursão na cidade, causando 2 mortes em março, 4 em abril e 2 em maio; em junho a doença cessou, com 1 óbito. A varíola surgiu no último trimestre do ano, produzindo 1 falecimento em outubro, 7 em novembro e 1 em dezembro. De cancro morreram 3 pessoas, de coqueluche 4, de febre tifóide 6, de impaludismo 49, de mal de sete dias 33 e de tuberculose 53. Os nascimentos foram 562, os casamentos 88.

Por ordem do conselheiro João Alfredo Correia de Oliveira, presidente da Província, foi executado mais um recenseamento em Santos, mas este trabalho foi inferior ao de 1872, havendo faltas sensíveis, ausência de detalhes de importância. Só se sabe que a população do município se elevava a 15.605 habitantes. Santos havia crescido sensivelmente depois daquele ano, aproveitando da melhor maneira a sua ligação por caminho de ferro ao interior da Província e logo se lhe subordinaram as outras cidades do litoral, cujo empobrecimento se acentuou, por falta de comunicações seguras com os centros de consumo e de produção, tendo a estrada de ferro de Cachoeira a S. Paulo despovoado os caminhos outrora em uso para Ubatuba e S. Sebastião.

A vida santista havia se intensificado, não só com o aumento do comércio como com a movimentação da sociedade, que dispunha então de um teatro regular para o tempo, construído na Praça dos Andradas. Já se tinha ido a época em que servia de teatro um armazém térreo da Praça Mauá, esquina da Rua 11 de Junho, casa que ainda hoje existe ocupada por loja de fazendas, e onde se alugava apenas o lugar, levando cada espectador a sua cadeira ou a sua poltrona, quer para a platéia, quer para os camarotes.

Quanta gente hoje contemplará com saudades aquele antigo centro de diversões da burguesia, único da cidade, afora as sociedades carnavalescas que também prosperaram depois de 1870. A cidade havia crescido, mas os necessários melhoramentos faltavam; o calçamento continuava mau e muito limitado, a água era insuficiente já, havendo por isso muitos poços em uso. De esgotos não se cuidava e o problema da limpeza pública, sempre a tortura das cidades brasileiras, continuava inalterável.

O tipo das edificações pouco havia em geral melhorado, continuando a se fazer casas com aposentos sem luz, mas a casaria já se estendia em busca da várzea do Paquetá, cercando a caieira do Xavier Pinheiro.

Perto da embocadura do Rio dos Soldados, em torno do curtume do velho Porchat, havia se formado a "Vila Nova" e o Caminho Novo da Barra, transformado em Rua Conselheiro Nébias, trafegava pelos bondes em direção ao Boqueirão, povoava-se de chácaras desafogadas.

O antigo "Pasto das Vigárias" era o núcleo de um novo arrabalde, chamado depois Vila Mathias, e a larga rua que veio a ser a Avenida Ana Costa estava rasgada em direção ao mar, para o José Menino, atravessando o Rio dos Soldados e alagadiços marginais.

No começo da praia, o negociante Gonzaga estabelecia o seu barracão, botequim de repouso para itinerantes, e, desaparecido mais tarde, deixou o nome do proprietário para a nomeação do local.

Na parte antiga da cidade, do Ribeiro do Carmo para o Valongo, o arruamento e os prédios continuavam maus, sobressaindo as travessas estreitas e desasseadas do mesmo Valongo, hoje desaparecidas, a Rua Frei Gaspar, antiga moradia de rameiras baratas, o beco e a Rua da Praia, nos fundos da Rua Direita, hoje 15 de Novembro, e a travessa de S. Jerônimo, antigo leito do ribeiro desse nome.

Nos fundos da referida Rua da Praia, hoje 24 de Maio e completamente transformada pelo cais, os gabinetes sanitários avançavam pelo mar, sobre estacadas, oferecendo espetáculo o menos atraente às embarcações que nas próximas pontes atracavam. Demais, nas grandes marés, as águas penetravam pelos fundos das casas desta rua, que começava pouco além do Arsenal de Marinha e se estendia até o Valongo, do porto do Consulado ao do Bispo.

Os edifícios públicos ou faltavam ou permaneciam casarões aleijados e sem arte; a alfândega tinha sido reconstruída mas sem vantagens arquitetônicas, o Quartel, como a Cadeia colonial, tinha desaparecido, mas a Igreja Matriz continuava no mesmo lugar, dominando o velho quarteirão infecto, a ela fronteiro, ladeado pelas ruas Setentrional e Meridional e só mais tarde demolido e substituído agora pelo jardim ali existente.

As praias do porto continuavam desasseadas, depósitos de lixo e pasto de urubus, desembocando nelas a descoberto os ribeiros que atravessavam a cidade, desde os tempos primitivos.

Entretanto, as rendas públicas haviam aumentado bastante, estando o orçamento municipal elevado à quantia de 168:000$000, cuja décima parte era destinada à limpeza pública.

Nos novos arrabaldes o impaludismo reinava, determinando mortes mais numerosas do que anteriormente sucedia e só com o correr dos tempos, tendo sido drenados os terrenos de Vila Macuco, para o mar e para a Vala Grande e os de Vila Mathias, para o Rio dos Soldados, cujo curso foi melhorado, modificaram-se as devastações da malária naqueles recentes núcleos de população, onde as ruas eram mais largas e mais bem orientadas.


"Rua Frei Gaspar em 1908"
Foto publicada com esta legenda no livro A Campanha Sanitária...

{1887}
O número dos falecimentos ocorridos em 1887 foi de 787, indicadores de que não foram satisfatórias as condições sanitárias de Santos, cujo coeficiente de mortalidade foi superior a 49 por mil.

A varíola reinou na cidade de maio a outubro, causando 84 mortes, e a população continuava a não procurar a vacina, que aliás também não lhe era oferecida sistematicamente. A febre amarela não figura no obituário do ano que relatamos e onde pela primeira vez surge uma epidemia de sarampão causadora de 17 óbitos, de outubro a dezembro, sendo novembro o mês de maior mortalidade, 6.

O número dos falecimentos determinados pelo impaludismo subiu a 40, pelo desenvolvimento dos novos arrabaldes em terrenos alagadiços, povoados de anofelinos, sendo maior o número dos óbitos no primeiro semestre. A tuberculose suprimiu 69 vidas, aumentando ainda as suas devastações, a febre tifóide 13 e o tétano dos recém-nascidos, a coqueluche, os cancros e a disenteria, forneceram respectivamente 6, 1 e 1 óbitos cada um. Foram feitos 145 casamentos e registrados 567 batizados.
{1888}
Ao começar o ano de 1888, em que a população santista aumentou sensivelmente com a chegada ao Jabaquara, o quilombo de Quintino Lacerda, de grandes levas de escravizados fugidos das fazendas do interior da Província, a varíola reinava aqui, tendo causado 12 óbitos em janeiro. Em fevereiro a doença diminuiu um pouco, aumentando de novo em abril, para se alastrar no mês seguinte por toda a cidade, onde matou 53 pessoas em julho, 40 em agosto, 40 em setembro, 38 em outubro, 8 em novembro e outras tantas em dezembro. Ao todo faleceram da doença 220 pessoas, tendo sido tratadas na Santa Casa e nos lazaretos organizados pela Câmara Municipal, com o auxílio do comércio, 546.

Só os doentes pobres foram, ainda uma vez, conduzidos para os hospitais; os remediados e os abastados ficaram nas suas casas, sem se tomar o menor cuidado, recebendo visitas de parentes e amigos. O transporte dos doentes foi ainda feito em carros de uso ordinário, que sem o menor beneficiamento continuavam a servir a freguesia sã, nenhum cuidado tendo sido tomado também para as roupas e objetos dos variolosos. Pela primeira vez se tentou aplicar a vacina à população santista, mas esta refugou-a, de modo que a doença não recebeu influxo algum daquele meio profilático precioso.

A febre amarela não aparece no obituário de 1888, em que a tuberculose causou 67 mortes, o tétano dos recém-nascidos 38, o impaludismo 34, a febre tifóide 15, o sarampão 8, a disenteria 2, o cancro 2 e a coqueluche 1. Houve uma epidemia de disenteria, de outubro a dezembro, com 10 óbitos. Foram feitos 140 casamentos e registrados 686 nascimentos.


"Rua Frei Gaspar em 1912"
Foto publicada com esta legenda no livro A Campanha Sanitária...

{1889}
Em 1889, Santos, que havia se desenvolvido à revelia de quaisquer planos ou cuidados sanitários dos seus dirigentes, contava 20.000 habitantes alojados em cerca de 2.000 casas, compreendidas as dos arrabaldes da Barra, Vila Mathias e Vila Macuco nascentes. A cidade ainda não possuía esgotos, tinha poucas ruas calçadas, quase todas mal niveladas e sem sarjetas capazes de promoverem o escoamento das águas pluviais, donde freqüentes inundações nas épocas das chuvas.

A água do abastecimento público já era escassa, usando-se ainda os poços que crivavam os pátios e quintais, ao lado das fossas latrinas. O aspecto de Santos era ainda francamente colonial, do tipo o mais antiquado; a casaria em geral feia, baixa e desgraciosa bordava ruas estreitas, e os ribeiros dos primeiros tempos do povoado, o Macaia, o S. Bento, o S. Jerônimo, o do Carmo e o dos Soldados atravessavam a descoberto as zonas as mais centrais e populosas, recebendo impurezas de toda a sorte que as águas não tinham força de conduzir para o mar.

As praias sujas, negras, lodosas, desde o Valongo até o Paquetá, eram o repositório de quase todo o lixo da cidade, onde a limpeza pública, rudimentar, custava 38:000$000 anuais, permanecendo ali as imundícies à espera das maiores marés, que carregavam-nas para a correnteza consumidora do canal.

Os cortiços, construídos às pressas, para albergar a numerosa imigração chegada em busca de trabalho remunerador e certo, pontuavam as zonas mais centrais da cidade, surgindo nos pátios e nos quintais dos prédios, de qualquer forma, de qualquer tamanho, compostos de cubículos desasseados e acanhados, feitos de tábuas de caixotes e de folhas de zinco. Em tais compartimentos úmidos, escuros, baixos e sem ar, aninhava-se uma população descuidada, vivendo quase sem água, em condições indescritíveis de desconforto.

Para fazer o transporte do café para as embarcações e da carga para o caminho de ferro, o número das carroças havia crescido enormemente, aumentando por isso o número de cocheiras, construídas também ao acaso, de qualquer feitio, com pranchões e telhas de zinco, quase sempre como complemento dos cortiços, sem água e sem esgotos, abafadas e insalubres, sem asseio de espécie alguma. Os monturos se acumulavam em todas, formando-se fartos viveiros de moscas, torturantes dos moradores das vizinhanças, onde também a mosquitada, oriunda das águas contidas nos recipientes abandonados nos pátios dos cortiços e das cocheiras, constituíam-se em praga perigosa.

Se em terra o meio não era bom, melhor não era no porto, onde as embarcações imobilizadas umas próximas das outras, à espera de carga e de descarga, guardavam numerosa tripulação desaclimada, formando grande palheiro morbígeno, onde um incêndio podia lavrar, como veio a suceder logo no princípio do ano.

Dizem as crônicas do tempo que o primeiro caso de febre amarela em Santos, em 1889, foi o do despenseiro do vapor inglês Donati, chegado do Rio de Janeiro no mês de fevereiro e que foi removido para a S. Casa, onde morreu.

Em janeiro, entretanto, no obituário local a doença já figura com um caso. Receando a Câmara Municipal a invasão da cidade pela febre, convidou em fevereiro o professor Domingos Freire a vir aplicar a sua vacina preventiva na população santista, sendo aquele pedido satisfeito pelo professor Barata Ribeiro, que chegou no dia 16, aplicando-a logo em numerosas pessoas, fazendo também na mesma ocasião uma conferência a respeito das vantagens do método profilático.

De nada valeu tal recurso, porquanto nesse mesmo mês de fevereiro a doença matou 26 pessoas, tendo passado da tripulação dos navios ancorados no porto para a cidade, onde se estendeu no mês seguinte, por tal forma que o número dos óbitos por ela causados subiu a 330. A Municipalidade pediu socorros ao Governo da Província, que tardou em remetê-los, e ao Governo Imperial, que enviou a quantia de um conto de réis, recusada imediatamente.

A Província de S. Paulo, jornal republicano da Capital, abriu uma subscrição em favor da população santista vitimada pela febre, tendo sido organizadas enfermarias regionais, para acolher os doentes que já haviam enchido a S. Casa e o Hospital da Beneficência Portuguesa. Do Rio de Janeiro vieram 4 estudantes de medicina servir nas referidas enfermarias, que ficaram a cargo dos doutores Lobo Vianna e Cunha Moreira, a do mosteiro de S. Bento, e dos doutores João Éboli e Alves de Moraes a da chácara da Filosofia, no Saboó.

É simples ato de justiça consignarmos aqui os nomes dos estudantes de medicina Carvalho Leite, Holanda de Lima, Oliveira Magioli e Nascimento Bittencourt, que prestaram relevantes serviços, auxiliando aqueles facultativos santistas.

Apesar da cidade ter-se despovoado logo em começo de março, o número de óbitos por febre amarela subiu neste mês a 330, descendo a 165 em abril e a 33 em maio, cessando a epidemia em agosto. É coisa impossível o saber-se ao certo quantas pessoas faleceram de febre amarela em Santos em 1889, porquanto, dum lado o aumento de todas as outras febres no obituário durante os meses da epidemia amarílica, e do outro as falhas, as lacunas, do livro de assentamentos de óbitos do Cemitério, indicam, no começo, desejos de se encobrir os estragos do mal e por fim a desorganização dos serviços da estatística funerária.

Não errará certamente quem computar em mais de 750 os óbitos causados pela doença nesta epidemia, numa população reduzida a 15.000 almas. No Hospital da Misericórdia foram tratados 462 amarelentos, dos quais morreram 195; na Beneficência Portuguesa, 240 com 51 óbitos; em S. Bento 245, com 62 óbitos; na Filosofia 106, com 22 mortes. Só aí estão 1.053 doentes, com 330 óbitos; que fosse o mesmo o número dos febrentos tratados nos domicílios, e os médicos de então afirmam terem sido eles bem numerosos, teremos ao todo mais de 2.000 doentes, com 660 óbitos. Quer dizer isso que 14% da população santista foi atacada pela febre amarela, cuja mortalidade foi elevada, decorrente das formas gravíssimas revestidas pela doença nesta sua primeira grande explosão.

Alarmada com os estragos produzidos pela febre amarela, que veio mostrar a necessidade inadiável da remodelação dos serviços públicos sob a sua responsabilidade, a Municipalidade cogitou de alguns melhoramentos, alguns dos quais foram iniciados. Data deste ano o projeto da rede de esgotos, organizado pelos engenheiros Garcia Redondo e Alberto Fomm e tão modificado e torturado pelos executores seguintes, que transformaram-no num original tout à l'égout, fonte de contínuos desastres determinantes da encampação dos serviços pelo Governo do Estado três anos depois.

Em princípio de 1889 haviam sido inauguradas as obras do porto, a cargo duma companhia nacional que hoje constitui orgulho nosso e que veio suprimir as praias lodosas, antigo repositório de lixo e parque de urubus. Como conseqüência da epidemia de febre amarela, a Municipalidade nomeou uma comissão de médicos e de engenheiros para indicar as medidas capazes de corrigir a insalubridade local; além da rede de esgotos, a referida comissão recomendou a canalização coberta dos ribeiros e a construção dum novo Cemitério, porquanto muito se acusava o do Paquetá de contribuir para o desenvolvimento das epidemias.

Até o fim do ano os cinco ribeiros legendários foram cobertos e o novo cemitério foi quase ultimado, escolhendo-se o Saboó para a sua localização. Contornou-se a impossibilidade dos enterramentos em cova rasa, por ser o solo encharcado, com a instituição de carneiras de arejamento forçado.

Foram calçadas algumas ruas em 1889, entre as quais a General Câmara, até Senador Feijó, a Conselheiro Nébias, antiga Octaviana, até a do Rosário, tratando-se de prolongá-la em direção ao porto. Para recuo da Rua do Rosário, foram desapropriadas várias casas, o mesmo sucedendo no antigo "Beco do Inferno", então Rua Frei Gaspar, fazendo-se concorrência para calçar o lamaçal existente no princípio da Rua Xavier da Silveira, antiga dos Quartéis.

Com obras públicas a Câmara Municipal despendeu quase duas centenas de contos e pela primeira vez se vê aparecer tal quantia aplicada em melhoramentos locais; convém consignar-se, entretanto, que a renda do município elevou-se a 500 contos e o imposto predial na importância de 40 contos, passou a ser arrecadado pela Municipalidade, em troca da subvenção de 38 contos concedida pela Assembléia Provincial para auxiliar o serviço de iluminação pública.

Temendo a explosão de nova epidemia de varíola, que fez 11 vítimas até outubro, a Câmara Municipal se esforçou em espalhar a vacina na população, conseguindo fazer vacinar 725 homens e 419 mulheres até o fim do ano. Pela primeira vez foi imunizado contra a doença tão elevado número de habitantes duma só vez, praticando-se também pela primeira vez a desinfecção dos cortiços, donde saíram os variolosos para o lazareto do Caminho Velho da Barra, estabelecido na chácara do major J. Olyntho de Carvalho.

Foi a última Câmara Municipal do tempo do Império a que mais cuidou da cidade, mas o seu trabalho foi perturbado pela febre amarela, que desorganizou todos os seus serviços, tardiamente começados e sem a precisa orientação, porquanto a limpeza da cidade devera ter sido feita com o maior rigor desde o começo do ano, quando se pensava de preferência em trabalhos tendentes a melhorar o aspecto externo da localidade.

É ato de justiça, entretanto, consignar aqui o nome do presidente da última edilidade santista pela nova orientação administrativa tomada, saindo da rotina costumeira, e a denominação de Júlio Conceição, dada em seguida a uma das melhores ruas da Vila Mathias, obedeceu ao reconhecimento daqueles serviços de grande relevância.

Além da varíola e da febre amarela, figuram no obituário de 1889, em Santos, o impaludismo com 107 mortes, a tuberculose com 68, a disenteria com 16, o cancro com 2, o sarampão com 2, a escarlatina com 1 e o tétano dos recém-nascidos com 19. O número total dos óbitos subiu a 1.712, tendo sido feitos 176 casamentos e registrados 728 nascimentos.


"Praça Mauá em 1908"
Foto publicada com esta legenda no livro A Campanha Sanitária...

{1890}
A queda do Império transformou a Província de S. Paulo em Estado autônomo, com municípios de maior renda e por isso mesmo com maiores encargos. A defesa sanitária de Santos devia competir assim ao município, compreendendo isso a primeira Intendência Municipal de Santos, empossada a 21 de fevereiro de 1890.

Era árdua a tarefa dos novos intendentes, porquanto, além da rede de esgotos em construção e da cobertura dos ribeiros, tudo estava por fazer; por isso, uma nova comissão de médicos e de engenheiros foi nomeada para traçar um plano completo de saneamento da cidade, comissão algum tempo depois transformada em junta de higiene municipal, com largas atribuições e caráter oficial.

Depois de várias reuniões, a junta de higiene apresentou o resultado dos seus estudos, que podem ser resumidos no seguinte: organização do serviço sanitário municipal e construção dum hospital de isolamento; condenação dos cortiços e substituição deles por habitações salubres, por familistérios; construção de hospedaria para imigrantes; limpeza perfeita das praias e da cidade.

Não conseguimos conhecer maiores detalhes do serviço sanitário municipal planejado e executado; apenas apuramos a nomeação de dois médicos, mal remunerados, para realizarem o policiamento sanitário "durante duas horas por dia", como diz a deliberação da Intendência Municipal, auxiliados por fiscais. Do serviço sanitário fazia parte o "posto vacínico", onde durante o ano foram vacinadas 134 pessoas, tendo os médicos vacinado nos domicílios, até o fim das suas funções, 39.

Um outro melhoramento resolvido pela municipalidade foi a construção dum novo matadouro, para substituir o condenado, funcionando no Chico de Paula.

O sítio escolhido para o novo estabelecimento não foi dos mais felizes: à beira do mangue, em lugar desprovido de água, este matadouro, que durou até 1918, foi um contínuo sorvedouro de dinheiro pelos constantes reparos e reformas que exigia. O novo Cemitério, por não terem compreendido bem o sistema das carneiras com arejamento forçado e combustão final do ar viciado, não conseguia se popularizar e à força de custosos aterros veio a ser transformado em fins de 1891 em campo de covas rasas, tendo servido até então o antigo do Paquetá, quase cheio em 1889.

Lentamente se ultimou a cobertura dos ribeiros, começada no ano anterior e durante todo o ano de 1890 a municipalidade não conseguiu regularizar o serviço da limpeza pública de modo a beneficiar eficazmente a cidade, suprimindo o depósito do lixo nas praias e nos logradouros públicos. Por várias vezes foram proibidos terminantemente os cortiços e as cocheiras, mas uns e outros continuaram e aumentaram mesmo, com sério prejuízo para a saúde pública, passando-se o ano com a discussão de projetos saneadores, que nunca chegaram a ter vida real.

Daí resultou serem sepultadas em 1890, em Santos, 896 pessoas, das quais 35 vitimadas pela febre amarela. A doença começou em março, com 1 óbito, causando 10 em abril, 4 em maio, 5 em junho e 5 em julho, quando cessou. A varíola fez 2 óbitos em setembro e 1 em outubro. De tuberculose faleceram 70 pessoas, de impaludismo 41, de sarampão 7, de febre tifóide 21, de mal de sete dias 33, de disenteria 10, de difteria 10, de coqueluche 2, de cancro 2.

O número de óbitos por febre tifóide chama a atenção e ao se verificar que 4 ocorreram em fevereiro e 3 em março, precedendo o obituário da febre amarela, vêm logo à lembrança erros de diagnóstico intencionalmente cometidos como tentativas de se abafar qualquer surto desta doença. Verifica-se também uma epidemia de disenteria, que tão freqüentemente já não aparecia na estatística mortuária de Santos.


"O mesmo local (Praça Mauá) em 1915"
Foto publicada com esta legenda no livro A Campanha Sanitária...

{1891}
O ano de 1891 principiou sem que coisa alguma de eficaz se tivesse feito para preservar a saúde pública dos males de que veio a sofrer logo nos primeiros meses. A população de Santos havia crescido sensivelmente com a chegada de numerosos imigrantes, atraídos pelo trabalho certo e pelo ganho elevado; carregadores, estivadores, cocheiros e trabalhadores de serviços congêneres conseguiam ordenados fabulosos, e como o número de prédios não havia aumentado, criavam-se mais cortiços, ou desdobravam-se os existentes.

Pela estatística mandada fazer pela municipalidade existiam então 771 cortiços, dos quais 478 considerados em mau estado, quando todos eles não tinham água nem esgotos, eram baixos, acanhados, de solo desprotegido, construídos com os materiais os menos apropriados. As cocheiras, complementos quase sempre dos cortiços, haviam também aumentado em número e em tamanho, não dispondo da água necessária, sem proteção do solo, cheias de fossas e de vasilhas acumuladas nos pátios para guardar água e que se transformavam em grandes viveiros de pernilongos.

Começava então o encilhamento em Santos, onde grandes empresas surgiram como cogumelos, da noite para o dia, sem base alguma prática, desmanchando-se pouco depois como castelos de cartas. A limpeza pública não se fazia satisfatoriamente e nos logradouros públicos, nas praias, nos pátios e nos quintais, os monturos permaneciam gerando moscas e pernilongos, conforme a estação era seca, ou era chuvosa. A água faltava já, obtendo-se-a por tamina nos chafarizes públicos. No porto, as embarcações permaneciam meses e meses imobilizadas, à espera da sua vez de carga ou de descarga, constituindo as tripulações desaclimadas enorme material para qualquer epidemia que viesse devastá-las.

O mês de janeiro não foi bom, porquanto o impaludismo e o tifo mataram, na cidade, 13 pessoas; em fevereiro as mesmas doenças fizeram 9 óbitos, aparecendo 1 por febre amarela, que no mês seguinte, de março, vitimou 20 pessoas, na maioria tripulantes dos navios próximos do cais.

Temendo o desenvolvimento da doença na cidade, a Câmara Municipal obteve do Governo Federal que os navios fossem afastados de terra, mas era tarde porque o obituário de abril já contava 66 casos de febre, grande número dos quais não provinham de bordo. Em maio a febre amarela espalhou-se pela cidade, causando 98 mortes, que baixaram a 94 em junho. Em julho a epidemia diminuiu, reduzindo-se a 28 o seu obituário, e parecia que a cidade ia ficar livre de tão maligno hóspede, pois em agosto só 8 mortes ela havia causado, quando aumentou em setembro, com 17, para atingir 75 em outubro e explodir intensa e extensamente no mês seguinte, indo até os arrabaldes, causando 217 óbitos.

Até outubro, os amarelentos foram tratados na S. Casa e na Beneficência Portuguesa, mas em princípio de novembro aqueles hospitais ficaram cheios, tendo a municipalidade recorrido ao Governo do Estado, pedindo socorros para fazer face à angustiosa situação em que se achavam os munícipes. Do Governo foram enviados socorros vários, de numerário e outros, ficando a Câmara autorizada a fazer um hospital de isolamento e uma hospedaria para imigrantes.

No momento foi aproveitado o grande prédio chamado "dos Macucos", no fim da Rua Braz Cubas, abrindo-se neste a enfermaria "Almeida Moraes", cheia de febrentos em poucos dias. Como de costume, funcionaram enfermarias regionais em S. Bento e na Filosofia, que mal bastaram para hospedar as centenas e centenas de amarelentos do mês de dezembro, em que a doença causou 353 mortes.

Por certo, o número das vítimas da febre amarela em Santos, em 1891, subiu a um milheiro, porquanto conseguimos apurar nos livros do cemitério 930 assentamentos com diagnóstico franco, afora os causados por várias febres, inclusive uma centena por impaludismo e tifo malária, nos centros urbanos e justamente nos meses em que a doença epidêmica lavrava com maior intensidade.

A varíola poupou a cidade, relativamente, causando 1 óbito, respectivamente em maio, junho e setembro; aumentou em outubro, com 3 mortes, que subiram a 5 em novembro e a 15 em dezembro. Nenhum esforço foi feito para se vacinar a população, que veio a pagar muito caro no ano seguinte essa falha sanitária.

A tuberculose matou 102 pessoas, o tétano dos recém-nascidos 51, o sarampão 17, a disenteria 16, o impaludismo 81, a febre tifóide 34, a difteria 10, a coqueluche 4, os cancros 6. Ao todo faleceram em Santos, em 1891, quando a cidade contava 25.000 habitantes, 2.473 pessoas, ou 9,9% da população santista!

Felizmente vão longe aqueles tempos em que, a pretexto de se salvaguardar a decantada autonomia municipal, pretendia-se resolver o problema sanitário local com orientação e recursos próprios, sacrificando-se tantas vidas preciosas, prejudicando-se os créditos do Estado.

Durante o ano de 1891 ainda nada de prático foi feito em Santos para proteger a saúde pública; nem foi tentada a simples melhoria dos serviços da limpeza pública, entregue a contratantes incapazes de realizá-la satisfatoriamente.

Da leitura de documentos dessa triste época, ressalta o fato original de se preocuparem dirigentes e dirigidos com a falta provável de lugar para novos enterramentos no único cemitério existente, o do Paquetá, clamando-se contra a lentidão das obras do cemitério em construção, inaugurado no ano seguinte. Dos vivos muito pouco se cuidava, abriam-se apenas enfermarias para os doentes e procurava-se garantir lugar para enterramentos.


"Rua 15 de Novembro em 1902"
Foto publicada com esta legenda no livro A Campanha Sanitária...


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