Imagem: reprodução parcial da matéria original
O 50º aniversário d'A Tribuna
Um pouco de história da terra andradina mal contada por velho jornalista sem
memória
(Crônica de Euclides Andrade)
[...]
Uma noite, Nascimento deu-nos a grande notícia: a
Tribuna iria passar por transformações radicais. O seu jornal receberia uma nova máquina de impressão, uma rotativa, para 12 páginas; novo
material tipográfico e três "mergenthalers", três máquinas linotipos, moderníssimas. A encomenda já fora feita e paga a primeira prestação.
Alvoroçou-se o pessoal. Três linotipos! Imaginem! Três linotipos! E uma rotativa! Doze
páginas!
Uma voz incrédula apresentou esta objeção:
- E Santos comportará um jornal diário com três linotipos e uma rotativa?...
Nascimento fuzilou o aparteante com um olhar:
- "Você, menino, não conhece Santos e seu povo!"... E, com convicção, quase com
vidência: - "Fique sabendo, menino, Santos será dentro de poucos anos uma das maiores, senão a maior cidade do Estado e, quiçá, do Brasil. O seu
porto oferece todas as facilidades e o futuro desta terra será dos mais brilhantes".
E, pondo ponto final à parlenda:
- "Eu hoje nada tenho; vou adquirir esse material, a crédito; mas, se algum dia fizer
fortuna (e hei de fazê-la!), empregarei em Santos tudo quanto com o meu esforço houver ganho".
Meses depois chegavam a Santos as novas máquinas para a Tribuna. E logo foi
iniciada a respectiva montagem.
O pessoal das oficinas gráficas foi aproveitado da melhor maneira possível. Alguns
tipógrafos dispuseram-se a aprender a dedilhar as "mergenthalers"; outros ficaram na composição de anúncios e grandes títulos. Hermógenes
Reis assumiu a chefia das oficinas, após a retirada de Francisco Escudero, que montara uma casa de pensão na Praça dos Andradas.
José Carlos da Silva continuou como anuncista; Antônio Cosi deixou os caixotins e
passou para as linotipos; Luiz Inácio Pires seguiu-lhe o exemplo; Antônio Moriente Lopes subiu de posto, passou de limpador de máquinas a ajudante
de impressor; e de fora, de jornais paulistanos, vieram hábeis linotipistas, para núcleo de uma futura grande corporação de técnicos: Patureau,
Gervásio, Castorino, Roldão Lopes de Barros, Griecco, Herrera, Conti, Heitor Pereira, Passos, Malaquias, impressor; os De Nicola, pai e filho,
gravadores; João da Silva Figueira, que é, desde longos anos, dedicado chefe-paginador, além de outros, cujos nomes infelizmente à memória cansada
não me acodem.
A inauguração do novo maquinário deu à Tribuna a feição material de diário
moderno. A sua circulação estendeu-se, desde logo, por todos os quadrantes da cidade: a sua tiragem aumentou consideravelmente.
Conseqüentemente à reforma do material, foram ampliados todos os demais serviços da
folha de Nascimento Júnior, cuja ânsia de fazê-la progredir não tem limites.
A revisão foi organizada com Acácio Botelho, capitão Henrique Marques Pereira, dois
portugueses dedicadíssimos ao trabalho, profissionais competentes e cidadãos de invejáveis qualidades de caráter, e José Espindola Teixeira.
Estes dois grandes amigos já não pertencem a este mundo. Acácio faleceu aqui mesmo, em
Santos, e Marques morreu na sua terra, Ilha da Madeira, para onde regressara já gravemente enfermo. Ele fora militar, pertencera à Força Policial do
Estado do Pará, tendo como capitão lutado em Canudos contra os jagunços de Antônio Conselheiro.
Aparece aqui a seção de paginação. Em mesas próprias é paginado o jornal. Contam os
paginadores com todos os recursos da técnica. No primeiro plano vê-se a prensa, ou calandra, onde, em papelão (flans) são reproduzidas as
páginas de chumbo
Foto e legenda publicadas com a matéria
A redação também sofreu radicais modificações com a entrada de novos elementos de
valor. Breno Silveira solicitara sua exoneração, por enfermo, tendo sido substituído no posto de secretário por Argemiro Acaiaba, a quem eu sucedi,
meses depois.
Em seguida a Manoel Pompílio, ocuparam a gerência da folha Antônio do Nascimento,
irmão do proprietário da Tribuna, grande caráter e grande coração, roubado pela morte ao carinho dos seus parentes e amigos, pouco depois;
Osvaldo Olegário de Abreu, cunhado de Nascimento, que residira no Estado da Bahia, onde estivera envolvido em uma espécie de rebelião política, da
qual saíra com um olho vazado - contava ele.
Osvaldo era duríssimo quando se tratava de descontar qualquer valezinho magro. O
pessoal da redação sabia disso. Não havia argumento, razão alguma, que o convencesse a abrir o cofre, do qual era guarda fiel e insone, velando
pelos haveres nele guardados com a energia de um Shilock.
Mas, eu que jamais entendi de economia doméstica e andava sempre numa "pinda"
única, encontrei um dia artes e manhas para obrigar o Osvaldo amigo a adiantar-me alguns mil réis.
Para isso conseguir, falava-lhe na campanha revolucionária de que fora bravo elemento,
na Bahia. E pedia-lhe que me contasse, mais uma vez, como lhe sucedera aquela infelicidade de perder um olho na luta.
Osvaldo gostava de falar dos seus feitos mavórticos na terra do vatapá. Narrava-os com
ênfase, com entusiasmo... E, quando mais entusiasmado eu o via na narração das suas bravuras eleitorais, media-lhe diante do olho sobrevivente o meu
valezinho. E era tiro e queda!... Osvaldo, não querendo interromper a sua história, abria a gaveta, lepidamente, e passava para as minhas mãos
gulosas o almejado cobre, correspondente ao vale.
Embolsado o dinheiro, eu pedia desculpas, a bater na testa:
- Diabo! Eu ia me esquecendo de... Seu Osvaldo, amanhã eu volto...
- Para descontar outro vale?! - exclamava Osvaldo, espantado, receando uma nova
"mordida".
- Não, senhor; para ouvir o resto da história do seu olho vazado - gritava eu, já na
porta da rua.
Bom e admirável Osvaldo!... Se, porventura, você ler agora estas linhas desenxabidas,
perdoe ao velho amigo a evocação deste episódio da nossa remota mocidade, sim?
Ao tempo em que Osvaldo Abreu geria com tanta honestidade os negócios da Tribuna
foi admitido como auxiliar da administração um rapazinho baixo, corado, mais gordo do que magro, chamado Antônio Luiz de Oliveira.
Oliveira, justificava o seu sobrenome, era uma espécie de anjo da paz entre alguns
enchofrados auxiliares da Tribuna, aqueles que esbravejam sempre contra tudo e contra todos.
Sereno, Oliveira os trazia para o bom caminho, restabelecendo a calma no rebanho e com
a calma o bem estar geral.
Antônio Luiz de Oliveira trabalha há longos anos na empresa da Tribuna. Eu
nunca tive ocasião (infelizmente...) de apresentar-lhe um vale para desconto; mas, por isso mesmo, me sinto muito à vontade para dizer,
publicamente, das suas invejáveis qualidades de administrador e de cavalheiro. Não as quero citar agora. Elas são incontáveis. Santos inteira
conhece e admira esse homem, que tem sido um grande auxiliar de Nascimento Júnior na administração da Tribuna.
O braço direito de Manoel do Nascimento Júnior é seu genro, Giusfredo Santini, um
rapaz que nasceu para exercer as altas funções de ministro das relações exteriores em qualquer governo bem organizado. Um "gentleman" na mais
verdadeira acepção do vocábulo britânico; um diplomata de raça, um cavalheiro que só tem feito amigos na terra em que reside e na qual constituiu
família. Santini é o superintendente administrativo e co-proprietário da Tribuna. Tem pelo jornal o mesmo ardoroso entusiasmo, o mesmo
extremado carinho que lhe vota Nascimento.
Um é complemento do outro; são dois cérebros trabalhando, sincronizados, para o mesmo
objetivo; o ininterrupto engrandecimento do magnífico órgão da opinião santense. Com Nascimento, Giusfredo Santini e Oliveira, a Tribuna
teria indiscutivelmente de atingir o elevadíssimo grau de progresso ora registrado.
São três grandes vontades operando para consecução do mesmo ideal. Daí, o êxito
verificado.
Em 1909 a Tribuna dispunha de três linotipos e uma pequena impressora rotativa
para 12 páginas. Hoje, conta o mesmo jornal com 12 moderníssimas máquinas de composição, dispondo ainda de formidável máquina com capacidade para
imprimir um jornal de 40 páginas, com uma tiragem horária de 15 mil exemplares.
As suas grandes oficinas são as mais completas do Estado, dispondo de um custoso
aparelhamento técnico, material dos mais modernos existentes no país.
O grande público de Santos soube corresponder ao esforço desenvolvido pelos
administradores da folha, que Olímpio fundou e que foi crescendo vertiginosamente como cresceu a urbs de Braz Cubas. Contam-se por dezenas de
milhares os exemplares da Tribuna, vendidos em Santos e em outras cidades do Estado, diariamente, pois o prestígio deste matutino já
ultrapassou as lindes do município, para repercutir por todo o Brasil.
SR. GIUSFREDO SANTINI - Ocupa o cargo de diretor-superintendente da A Tribuna o sr.
Giusfredo Santini. Gentleman na mais completa extensão do termo,
é muitíssimo estimado por todos que aqui trabalham,
pois reconhecem em Giusfredo Santini um chefe enérgico, mas bom e dedicado
Foto e legenda publicadas na mesma edição que a matéria
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