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O Brasil na América do Sul
Uma visita ao presidente do Brasil,
conselheiro Afonso Penna - Expressões de alta e nobre política - Mensagem de amizade à Argentina - O palácio Catete - Quadros e fantasias -
Mariposas azuis em selvas negras - Sua Excelência o presidente - O magistrado e o estadista - Rasgos de um governante republicano - A franqueza na
alta política - Argentina e Brasil - Rivalidades coloniais - Causas pequenas de moléstias grandes - A imprensa sensacionalista - Os vendedores de
armamentos - Reciprocidade de interesses - A solidariedade continental
Depois
de orientado na metrópole fluminense e feita uma rápida visita de primeira intenção às coisas, me dispus a visitar os homens, começando, como era
regular, pelo mais elevado na ordem política. Pedi, pois, e obtive no ato, que me fosse marcada uma audiência para saudar a S. E. o senhor
presidente do Brasil.
O palácio do Catete, residência dos chefes de Estado,
localizado na ampla e formosa rua do mesmo nome, é um vasto edifício de dois pisos, quadrado e liso, culminado por uma série de estátuas, que
depreciam um tanto sua aprazível aparência solarenga.
Mas se o exterior não impressiona a quem passa, o interior
se faz notar pelo visitante, pelo gosto severo e a sóbria riqueza suntuária, prodigalizados ao construir-se o palácio pelo sábio capricho de um
grande senhor, opulento e artista.
Os breves minutos de espera, preenchi observando os
quadros de enormes dimensões, assinados por artistas brasileiros, um dos quais atrai a atenção singularmente: representa um intrincado rincão de
selva virgem, onde parece reinar a impressionante imobilidade das coisas sem vida: mas logo depois de observar a caótica confusão de cipós
atormentados e folhas secas, ramos quebrados e troncos rugosos onde vegetam musgos centenários, nota-se, pouco se destacando sobre os verdes bravios
daquele canto selvagem, várias mariposas azuis voando em caravana até um tênue fio de luz que mal penetra o emaranhado errante. Os olhos repousam
com encanto sobre aquelas graciosas vidas que a princípio se confundiam com as folhas mortas, cadentes, e que, de improviso, como se acabassem de
nascer, enchem todo aquele torvo mistério de movimento e de graça.
O outro quadro representa, creio, o descobrimento do
Brasil; mas quando me disponho a observá-lo, aparece um arrumador e me conduz a uma grande sala clara, no andar térreo do palácio, com janelas
abertas a um belo parque interior. Ao entrar me parece que não há nada ali, mas logo noto, à cabeceira de uma grande mesa de trabalho circundada de
altos assentos cerimoniais, o busto de um ancião de finos traços, que, sorridente, se levanta um pouco, em um amável gesto de acolhida. É o doutor
Affonso Penna, presidente dos Estados Unidos do Brasil.
FIGURAS CONSULARES - Exmo. senhor conselheiro Afonso Penna, presidente dos Estados Unidos do
Brasil
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Havia temido, na verdade, que meu propósito jornalístico,
acerca do primeiro magistrado brasileiro, se evaporasse num estéril ato de cortesia palaciana. Mas às primeiras palavras compreendi que não estava
defronte a um mandatário arrogante, dos que tão comumente se encontra em todos os meridianos.
O doutor Penna se revelou em seguida perfilado na faixa
dos homens públicos como Mitre e Roca, que, entre os que eu conheci na Argentina, são os que em maior medida possuíram a arte de dissimular a
superioridade com uma afável simplicidade, comunicativa e estimulante, que fala e que informa, que atende às corteses curiosidades e as escuta e as
responde, ilustrando-as com a amplitude visual que necessariamente lhes permite o elevado ponto de sua observação, sem isolar-se, foscos e
inacessíveis, no alto de sua coluna, como tanto São Simão Estilista de nosso vaidoso anacoretismo democrático.
RESIDÊNCIAS PATRIARCAIS - O presidente dos Estados Unidos do Brasil, pai e avô - À direita
do grupo está o doutor Edmundo de Veiga, um dos mineiros mais distintos de sua geração, genro do doutor Penna e secretário da Presidência
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Foram gratas ao doutor Penna as mensagens de amizade que
lhe trazia da Argentina; e com a abertura cordial de recordações saudosas, dedicadas a gentis afetos, a conversação derivou facilmente, como era meu
desejo, ao plano explícito das amizades e inimizades, das prevenções e das querelas que periodicamente anuviam, acidificam e perturbam a cordial
harmonia dos interesses brasileiro-argentinos. O presidente do Brasil tomou em seguida, ao tratar disto, o tom categórico de quem fala de uma coisa
amplamente observada e fundamente sabida.
-
"Eu
fico assombrado – disse S. E. –
da insidiosa tenacidade com que, periodicamente, vêm estes pequenos enredos a perturbar-nos a vida, e espalhar desconfianças que nenhuma razão
justifica, nem mesmo nenhuma honrada aparência. Em meu sentir, estamos pagando um tolo tributo às seculares querelas coloniais de Portugal e Espanha
– querelas que, em vez de terminarem com nossa independência, parece que se converteram em um fenômeno atávico!
"Entretanto, a verdade que todos vemos e palpamos,
é que estes países não têm nenhum motivo para desestimar-se nem para ter-se inveja. Os dois são ricos, com riquezas diferentes, o que, tratando-se
de nações, é, como se sabe, um importante motivo de vinculação, sobre a base do intercâmbio de produtos. Mas, não somente de produtos! Nossa diversa
situação geográfica nos convida também a intercambiar, por meio das viagens de prazer e de repouso, praias balneárias, estações de águas termais,
cidades de instrução e de passeio, comodidades para o recreio e a saúde.
"Rio de Janeiro, por exemplo, é uma cidade agradável no
inverno, que pode substituir a viagem à Europa para muitos turistas argentinos, e a Argentina possui grandes atrativos para épocas do ano em que
aqui se deseja mudar de clima. Estas formas diversas do intercâmbio material têm a vantagem de que trazem consigo o intercâmbio de idéias e
simpatias sociais, o comércio espiritual, que vincula tanto como o que se registra nas estatísticas.
"Atos, por exemplo, como este da acolhida aos turistas do
vapor Pará, que agora visitam Buenos Aires, têm a força de um tratado moral. E o mesmo que nos comprazemos em fazermo-nos mutuamente cultos e
hospitaleiros, devemos nos comprazer em ver-nos ricos e fortes, pois a prosperidade de cada um origina o prestígio comum do continente. Se
individualmente nos agrada viver em um bairro de gente acomodada e sã, e nos perturba ter ao lado ou em frente albergues de miséria, devemos aplicar
com mais razão esse anseio aos povos que nos rodeiam, porque, aos olhos de Europa, que tanto nos importa ter fixos em nós com confiança e simpatia,
o mal de um, a crise, a revolta, qualquer dificuldade de uma nação da América do Sul prejudica todas as vizinhas.
"Quando fui presidente do Banco do Brasil pude ver
isto com maior nitidez, seguindo de perto os fenômenos do crédito sul-americano, e observando que um escândalo, um rumor alarmante, um mal-estar
qualquer em qualquer país, afetava em seguida as cotações de todos os outros. Notando claramente esta solidariedade que o conceito europeu nos
impunha em nosso dano, tenho e professo a convicção de que devemos criar essa mesma solidariedade, em nosso benefício. Assim propenderemos sempre a
realçar o conjunto, porque isso nos realçará individualmente; e formaremos em proveito de todos uma força que não temos hoje, pela relativa
debilidade e pelo isolamento.
"E
todavia, a esta razão para nos vincularmos, se une outra razão econômica importante – e é que sendo nós, fatalmente, clientes recíprocos de nossos
produtos, porque nós precisamos dos seus e vocês dos nossos, há a conveniência evidente de que as respectivas clientelas sejam o mais ricas e
numerosas possíveis. A que vendedor interessa como cliente um país pobre e despovoado? Assim, pois, ao Brasil convém o enriquecimento e o povoamento
da Argentina, pela mesma razão que convém a vocês o povoamento e a prosperidade do Brasil. Não é que esta maneira tão evidente e tão clara de ver as
conveniências comuns deve se impor a nossos povos, e até é incompreensível que não esteja já imposta, muito tempo atrás?"
O NOVO RIO DE JANEIRO - Detalhe no esboço da Avenida Central, desde o rond-point (N.E.: em
inglês no original: ponto central) da Caixa de Amortização
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Falando das causas desta anomalia que nos traz de tempos
em tempos perturbações e receios, impedindo chegar de vez a um plano de confiança e lealdade profícuas para todos, S. E., com corteses qualificações
para a imprensa discreta e bem inspirada, expressou sua convicção de que o veículo principal de todas essas minúcias agressivas, que chegam às vezes
até a influir em uma parte da opinião, é o afã jornalístico hipertrofiado, em procura constante do sensacional, e sem moderação ou sem tempo para
refletir sobre a moral de um fato ou o dano gratuito que ao país podem causar certas informações.
O serviço telegráfico de alguns diários exagera todavia
essa tendência malsã. Transmite-se com irreflexiva preferência quanto possa desagradar, tanto de cá para lá como de lá para cá. Diria que as
notícias amáveis, os sinais de progresso e de cultura, os detalhes que revelam o vigor da vida e a saúde do espírito de um país não são
interessantes; e quiçá é certo – concluiu sorrindo o senhor presidente -, porque o normal e o o que é certo são coisas simples, que não se enquadram
no tipo sensacional.
- "Mas
há todavia outro estimulador de desconfianças internacionais,
acrescentou a este respeito S. E.: - e é a corporação de
vendedores de armamentos que, precisamente, aproveita em benefício de seu negócio esta propensão do jornalismo telegráfico às notícias alarmantes.
Desde que fui ministro do Império, pude observar de perto esses hábeis manejos dos representantes de estaleiros e fábricas de material bélico.
Enquanto vocês saibam que anda em Buenos Aires algum agente, esperem o telegrama sugestivo do Rio, dando a entender que nós encomendamos tais e
quais apetrechos e baterias – e quando eu sei que teremos em Rio um comerciante de armas, aguardo até com curiosidade o telegrama correspondente de
Buenos Aires, que não me falha nunca".
O NOVO RIO DE JANEIRO - O desafogo da vida urbana - Entrada da rua Visconde de Inhaúma, que foi
alargada lateralmente, como outras muitas do velho tecido urbano fluminense
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O presidente do Brasil teve por bem todavia explanar
cordiais idéias sobre o simpático tema da solidariedade de destinos, que nossos países devem cultivar, em sua opinião, a todo custo. Sua palavra
experimentada e conceitual se nota orientada em uma firmeza de idéias que não vacila nem se detém a escolher expressões.
Faz o presidente Penna a viva impressão de um homem que
abre seu pensamento de par em par e não reserva nada, na clara e profunda lealdade de suas idéias. Observando-o respeitosamente, enquanto falava,
com quanta atenção me permitiam minhas faculdades, sinto a necessidade e o prazer de render-lhe esta homenagem.
Podia o presidente do Brasil haver-se limitado, se tal
fosse seu desejo, a algumas amáveis generalidades. Não o fez, por sua própria vontade, sem solicitação de minha parte. Em vez da reserva e do
silêncio entediado, que às vezes, mais que ocultar, delatam o pensamento que se deseja subtrair ao interlocutor, S. E. preferiu gentilmente
expressar, como se deliberadamente quisesse mandar à opinião do Prata uma explícita mensagem de amizade e concórdia, quais eram suas idéias e por
que razões materiais, úteis, das que hoje decidem em matéria de vínculos internacionais, acreditava ele que os destinos destes grandes países
seguiam um indestrutível paralelismo.
Assim, não falou nem uma só vez de laços sentimentais, de
heroísmos comuns, de afinidades de raça; acima disso, que é o passado, expressou um conceito cabal de presente e futuro - um intenso conceito de
estadista, com princípio, meios e fins, que espero haver refletido com absoluta fidelidade.
O presidente do Brasil, que foi várias vezes ministro do
Império, mereceu a confiança da República para pô-lo à frente de seus destinos. Este é o fato que melhor ilumina a qualidade moral do homem.
O senhor presidente Penna expressou conceitos que podem não
ser ditos mas são pensados - mas quando são ditos, nada pode ser usado para colocá-los sob suspeita; por minha parte, ainda que houvesse encontrado
- e não encontrei até agora - salvo tal qual mexerico isolado de algum profissional militar - se houvesse encontrado, em qualquer esfera da opinião
brasileira, por alta que fosse, vestígios ou ainda expressões de hostilidade à Argentina, ficaria convencido de que a verdade, a expressão essencial
do sentimento do Brasil, falava pela boca do presidente cavalheiro, que por sua estirpe moral, por seu passado público e pelo elevado cargo que
ocupa, pode-se dizer que fala nas regiões onde não se mente, segundo o lapidar verso de Florencio Varela.
O NOVO RIO DE JANEIRO - O palácio Monroe, instalado na esquina das avenidas Central e Beira-Mar.
Foi construído reproduzindo os planos do arquiteto e general Souza Aguiar, atual prefeito do Rio, para o pavilhão brasileiro da exposição de São
Luiz, disputa ao Teatro Municipal e à Caixa de Amortização o título de primazia entre os monumentos arquitetônicos do novo Rio de Janeiro
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