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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM... - BIBLIOTECA NM
El Brasil (E)

Clique na imagem para ir ao índice da obraUm país recém-entrado no regime republicano, passando por grandes transformações políticas, econômicas e sociais, sob o império dos oscilantes preços do café. Assim é o Brasil encontrado pelo jornalista argentino Manuel Bernárdez, que em 1908 vem tentar decifrar o que aqui ocorria. É dele a expressão "Metrópole do café", com que alcunhou a capital paulista [*]. Sua obra El Brasil - su vida - su trabajo - su futuro foi editada na capital argentina, em castelhano, sendo impressa em Talleres Heliográficos de Ortega y Radaelli, Paseo Colón, 1266, Buenos Aires.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, foi cedido em maio de 2010 para digitalização, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, a Novo Milênio, que apresenta nestas páginas a primeira tradução integral conhecida da obra para o idioma português - páginas 37 a 44:

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El Brasil

su vida - su trabajo - su futuro

Manuel Bernárdez

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Imagem: reprodução parcial da página 37

O Brasil na América do Sul

Uma visita ao presidente do Brasil, conselheiro Afonso Penna - Expressões de alta e nobre política - Mensagem de amizade à Argentina - O palácio Catete - Quadros e fantasias - Mariposas azuis em selvas negras - Sua Excelência o presidente - O magistrado e o estadista - Rasgos de um governante republicano - A franqueza na alta política - Argentina e Brasil - Rivalidades coloniais - Causas pequenas de moléstias grandes - A imprensa sensacionalista - Os vendedores de armamentos - Reciprocidade de interesses - A solidariedade continental

Depois de orientado na metrópole fluminense e feita uma rápida visita de primeira intenção às coisas, me dispus a visitar os homens, começando, como era regular, pelo mais elevado na ordem política. Pedi, pois, e obtive no ato, que me fosse marcada uma audiência para saudar a S. E. o senhor presidente do Brasil.

O palácio do Catete, residência dos chefes de Estado, localizado na ampla e formosa rua do mesmo nome, é um vasto edifício de dois pisos, quadrado e liso, culminado por uma série de estátuas, que depreciam um tanto sua aprazível aparência solarenga.

Mas se o exterior não impressiona a quem passa, o interior se faz notar pelo visitante, pelo gosto severo e a sóbria riqueza suntuária, prodigalizados ao construir-se o palácio pelo sábio capricho de um grande senhor, opulento e artista.

Os breves minutos de espera, preenchi observando os quadros de enormes dimensões, assinados por artistas brasileiros, um dos quais atrai a atenção singularmente: representa um intrincado rincão de selva virgem, onde parece reinar a impressionante imobilidade das coisas sem vida: mas logo depois de observar a caótica confusão de cipós atormentados e folhas secas, ramos quebrados e troncos rugosos onde vegetam musgos centenários, nota-se, pouco se destacando sobre os verdes bravios daquele canto selvagem, várias mariposas azuis voando em caravana até um tênue fio de luz que mal penetra o emaranhado errante. Os olhos repousam com encanto sobre aquelas graciosas vidas que a princípio se confundiam com as folhas mortas, cadentes, e que, de improviso, como se acabassem de nascer, enchem todo aquele torvo mistério de movimento e de graça.

O outro quadro representa, creio, o descobrimento do Brasil; mas quando me disponho a observá-lo, aparece um arrumador e me conduz a uma grande sala clara, no andar térreo do palácio, com janelas abertas a um belo parque interior. Ao entrar me parece que não há nada ali, mas logo noto, à cabeceira de uma grande mesa de trabalho circundada de altos assentos cerimoniais, o busto de um ancião de finos traços, que, sorridente, se levanta um pouco, em um amável gesto de acolhida. É o doutor Affonso Penna, presidente dos Estados Unidos do Brasil.


FIGURAS CONSULARES - Exmo. senhor conselheiro Afonso Penna, presidente dos Estados Unidos do Brasil
Imagem e legenda publicadas na página 38-A

Havia temido, na verdade, que meu propósito jornalístico, acerca do primeiro magistrado brasileiro, se evaporasse num estéril ato de cortesia palaciana. Mas às primeiras palavras compreendi que não estava defronte a um mandatário arrogante, dos que tão comumente se encontra em todos os meridianos.

O doutor Penna se revelou em seguida perfilado na faixa dos homens públicos como Mitre e Roca, que, entre os que eu conheci na Argentina, são os que em maior medida possuíram a arte de dissimular a superioridade com uma afável simplicidade, comunicativa e estimulante, que fala e que informa, que atende às corteses curiosidades e as escuta e as responde, ilustrando-as com a amplitude visual que necessariamente lhes permite o elevado ponto de sua observação, sem isolar-se, foscos e inacessíveis, no alto de sua coluna, como tanto São Simão Estilista de nosso vaidoso anacoretismo democrático.

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RESIDÊNCIAS PATRIARCAIS - O presidente dos Estados Unidos do Brasil, pai e avô - À direita do grupo está o doutor Edmundo de Veiga, um dos mineiros mais distintos de sua geração, genro do doutor Penna e secretário da Presidência
Imagem e legenda publicadas na página 40-A. Clique <<aqui>> ou na imagem para ampliá-la

Foram gratas ao doutor Penna as mensagens de amizade que lhe trazia da Argentina; e com a abertura cordial de recordações saudosas, dedicadas a gentis afetos, a conversação derivou facilmente, como era meu desejo, ao plano explícito das amizades e inimizades, das prevenções e das querelas que periodicamente anuviam, acidificam e perturbam a cordial harmonia dos interesses brasileiro-argentinos. O presidente do Brasil tomou em seguida, ao tratar disto, o tom categórico de quem fala de uma coisa amplamente observada e fundamente sabida.

- "Eu fico assombrado – disse S. E. – da insidiosa tenacidade com que, periodicamente, vêm estes pequenos enredos a perturbar-nos a vida, e espalhar desconfianças que nenhuma razão justifica, nem mesmo nenhuma honrada aparência. Em meu sentir, estamos pagando um tolo tributo às seculares querelas coloniais de Portugal e Espanha – querelas que, em vez de terminarem com nossa independência, parece que se converteram em um fenômeno atávico!

"Entretanto, a verdade que todos vemos e palpamos, é que estes países não têm nenhum motivo para desestimar-se nem para ter-se inveja. Os dois são ricos, com riquezas diferentes, o que, tratando-se de nações, é, como se sabe, um importante motivo de vinculação, sobre a base do intercâmbio de produtos. Mas, não somente de produtos! Nossa diversa situação geográfica nos convida também a intercambiar, por meio das viagens de prazer e de repouso, praias balneárias, estações de águas termais, cidades de instrução e de passeio, comodidades para o recreio e a saúde.

"Rio de Janeiro, por exemplo, é uma cidade agradável no inverno, que pode substituir a viagem à Europa para muitos turistas argentinos, e a Argentina possui grandes atrativos para épocas do ano em que aqui se deseja mudar de clima. Estas formas diversas do intercâmbio material têm a vantagem de que trazem consigo o intercâmbio de idéias e simpatias sociais, o comércio espiritual, que vincula tanto como o que se registra nas estatísticas.

"Atos, por exemplo, como este da acolhida aos turistas do vapor Pará, que agora visitam Buenos Aires, têm a força de um tratado moral. E o mesmo que nos comprazemos em fazermo-nos mutuamente cultos e hospitaleiros, devemos nos comprazer em ver-nos ricos e fortes, pois a prosperidade de cada um origina o prestígio comum do continente. Se individualmente nos agrada viver em um bairro de gente acomodada e sã, e nos perturba ter ao lado ou em frente albergues de miséria, devemos aplicar com mais razão esse anseio aos povos que nos rodeiam, porque, aos olhos de Europa, que tanto nos importa ter fixos em nós com confiança e simpatia, o mal de um, a crise, a revolta, qualquer dificuldade de uma nação da América do Sul prejudica todas as vizinhas.

"Quando fui presidente do Banco do Brasil pude ver isto com maior nitidez, seguindo de perto os fenômenos do crédito sul-americano, e observando que um escândalo, um rumor alarmante, um mal-estar qualquer em qualquer país, afetava em seguida as cotações de todos os outros. Notando claramente esta solidariedade que o conceito europeu nos impunha em nosso dano, tenho e professo a convicção de que devemos criar essa mesma solidariedade, em nosso benefício. Assim propenderemos sempre a realçar o conjunto, porque isso nos realçará individualmente; e formaremos em proveito de todos uma força que não temos hoje, pela relativa debilidade e pelo isolamento.

"E todavia, a esta razão para nos vincularmos, se une outra razão econômica importante – e é que sendo nós, fatalmente, clientes recíprocos de nossos produtos, porque nós precisamos dos seus e vocês dos nossos, há a conveniência evidente de que as respectivas clientelas sejam o mais ricas e numerosas possíveis. A que vendedor interessa como cliente um país pobre e despovoado? Assim, pois, ao Brasil convém o enriquecimento e o povoamento da Argentina, pela mesma razão que convém a vocês o povoamento e a prosperidade do Brasil. Não é que esta maneira tão evidente e tão clara de ver as conveniências comuns deve se impor a nossos povos, e até é incompreensível que não esteja já imposta, muito tempo atrás?"

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O NOVO RIO DE JANEIRO - Detalhe no esboço da Avenida Central, desde o rond-point (N.E.: em inglês no original: ponto central) da Caixa de Amortização
Imagem e legenda publicadas na página 42-A. Clique <<aqui>> ou na imagem para ampliá-la

Falando das causas desta anomalia que nos traz de tempos em tempos perturbações e receios, impedindo chegar de vez a um plano de confiança e lealdade profícuas para todos, S. E., com corteses qualificações para a imprensa discreta e bem inspirada, expressou sua convicção de que o veículo principal de todas essas minúcias agressivas, que chegam às vezes até a influir em uma parte da opinião, é o afã jornalístico hipertrofiado, em procura constante do sensacional, e sem moderação ou sem tempo para refletir sobre a moral de um fato ou o dano gratuito que ao país podem causar certas informações.

O serviço telegráfico de alguns diários exagera todavia essa tendência malsã. Transmite-se com irreflexiva preferência quanto possa desagradar, tanto de cá para lá como de lá para cá. Diria que as notícias amáveis, os sinais de progresso e de cultura, os detalhes que revelam o vigor da vida e a saúde do espírito de um país não são interessantes; e quiçá é certo – concluiu sorrindo o senhor presidente -, porque o normal e o o que é certo são coisas simples, que não se enquadram no tipo sensacional.

- "Mas há todavia outro estimulador de desconfianças internacionais, acrescentou a este respeito S. E.: - e é a corporação de vendedores de armamentos que, precisamente, aproveita em benefício de seu negócio esta propensão do jornalismo telegráfico às notícias alarmantes. Desde que fui ministro do Império, pude observar de perto esses hábeis manejos dos representantes de estaleiros e fábricas de material bélico. Enquanto vocês saibam que anda em Buenos Aires algum agente, esperem o telegrama sugestivo do Rio, dando a entender que nós encomendamos tais e quais apetrechos e baterias – e quando eu sei que teremos em Rio um comerciante de armas, aguardo até com curiosidade o telegrama correspondente de Buenos Aires, que não me falha nunca".

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O NOVO RIO DE JANEIRO - O desafogo da vida urbana - Entrada da rua Visconde de Inhaúma, que foi  alargada lateralmente, como outras muitas do velho tecido urbano fluminense
Imagem e legenda publicadas na página 44-A. Clique <<aqui>> ou na imagem para ampliá-la

O presidente do Brasil teve por bem todavia explanar cordiais idéias sobre o simpático tema da solidariedade de destinos, que nossos países devem cultivar, em sua opinião, a todo custo. Sua palavra experimentada e conceitual se nota orientada em uma firmeza de idéias que não vacila nem se detém a escolher expressões.

Faz o presidente Penna a viva impressão de um homem que abre seu pensamento de par em par e não reserva nada, na clara e profunda lealdade de suas idéias. Observando-o respeitosamente, enquanto falava, com quanta atenção me permitiam minhas faculdades, sinto a necessidade e o prazer de render-lhe esta homenagem.

Podia o presidente do Brasil haver-se limitado, se tal fosse seu desejo, a algumas amáveis generalidades. Não o fez, por sua própria vontade, sem solicitação de minha parte. Em vez da reserva e do silêncio entediado, que às vezes, mais que ocultar, delatam o pensamento que se deseja subtrair ao interlocutor, S. E. preferiu gentilmente expressar, como se deliberadamente quisesse mandar à opinião do Prata uma explícita mensagem de amizade e concórdia, quais eram suas idéias e por que razões materiais, úteis, das que hoje decidem em matéria de vínculos internacionais, acreditava ele que os destinos destes grandes países seguiam um indestrutível paralelismo.

Assim, não falou nem uma só vez de laços sentimentais, de heroísmos comuns, de afinidades de raça; acima disso, que é o passado, expressou um conceito cabal de presente e futuro - um intenso conceito de estadista, com princípio, meios e fins, que espero haver refletido com absoluta fidelidade.

O presidente do Brasil, que foi várias vezes ministro do Império, mereceu a confiança da República para pô-lo à frente de seus destinos. Este é o fato que melhor ilumina a qualidade moral do homem.

O senhor presidente Penna expressou conceitos que podem não ser ditos mas são pensados - mas quando são ditos, nada pode ser usado para colocá-los sob suspeita; por minha parte, ainda que houvesse encontrado - e não encontrei até agora - salvo tal qual mexerico isolado de algum profissional militar - se houvesse encontrado, em qualquer esfera da opinião brasileira, por alta que fosse, vestígios ou ainda expressões de hostilidade à Argentina, ficaria convencido de que a verdade, a expressão essencial do sentimento do Brasil, falava pela boca do presidente cavalheiro, que por sua estirpe moral, por seu passado público e pelo elevado cargo que ocupa, pode-se dizer que fala nas regiões onde não se mente, segundo o lapidar verso de Florencio Varela.

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O NOVO RIO DE JANEIRO - O palácio Monroe, instalado na esquina das avenidas Central e Beira-Mar. Foi construído reproduzindo os planos do arquiteto e general Souza Aguiar, atual prefeito do Rio, para o pavilhão brasileiro da exposição de São Luiz,  disputa ao Teatro Municipal e à Caixa de Amortização o título de primazia entre os monumentos arquitetônicos do novo Rio de Janeiro
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