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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM...
1825 - pelo viajante Luiz D'Alincourt

"...principalmente quando venta o Noroeste, que se torna insuportável."

Ao longo dos séculos, as povoações se transformam, vão se adaptando às novas condições e necessidades de vida, perdem e ganham características, crescem ou ficam estagnadas conforme as mudanças econômicas, políticas, culturais, sociais. Artistas, fotógrafos e pesquisadores captam instantes da vida, que ajudam a entender como ela era então.

Um dos viajantes que passaram por Santos e deixaram seu depoimento escrito foi Luiz D'Alincourt, em folheto publicado em Cuiabá em 1826, raríssimo, e que foi em 2004 republicado pelo Senado Federal. O relato foi parcialmente transcrito (com ortografia atualizada e notas explicativas entre parêntesis) no Almanaque da Baixada Santista - 1973, do falecido pesquisador santista Olao Rodrigues (produzido pela editora Indicador Turístico de Santos, de Bandeira Júnior, Santos/SP, 1973):


Planta da Villa de Santos - 1822
Imagem: História de Santos/Poliantéia Santista, de Francisco Martins dos Santos e
Fernando Martins Lichti, 1986, 3 volumes

Santos em 1825

Descrição de Luiz D'Alincourt

A Vila de Santos existe nos 23º56'15" de Latitude S. e nos 331º39'30" de Longitude de Ferro e na Longitude 45º24'30" de Greenwich, colocada na parte setentrional da Ilha de São Vicente, em um terreno chamado noutro tempo pelos indígenas guaianazes Enguaguassú (nome composto do substantivo Enguá e do adjetivo guassú), que vem a dizer - Pilão Grande - que os índios derivavam da configuração do lugar, que lhes pareceu semelhante aos instrumentos em que faziam suas triturações; o qual ocupa a parte da ilha desde os Outeirinhos (hoje Armazém Frigorífico) até o golfo de Canéu, com pouca diferença.

Os primeiros que assentaram casa em Enguaguassú foram Pascoal Fernandes Genovez e Domingos Pires, que, formando sociedade, se estabeleceram fronteiro ao largo, que faz o rio (canal) e onde se divide em dois: um que vai formar a barra da Bertioga e outro a do Meio (de Santos): deste lugar abriram estrada por terra para São Vicente, e assim se conservaram até 1539, em que se lhes passou carta de sesmaria nas terras que ficam a leste do ribeiro de São Jerônimo.

Braz Cubas, cavalheiro fidalgo, possuía as terras de Jerybatiba (Jurubatuba), que estão além do rio em frente a Enguaguassú; e por ficarem muito distantes de São Vicente lembrou-se de fazer o estabelecimento em sítio mais azado para o embarque e desembarque dos gêneros, que, sendo de fácil comunicação com a vila, estivesse ao mesmo tempo próximo à sua fazenda, e para este fim comprou a um dos sócios parte das suas terras, a qual se achava ainda coberta de mata virgem, e compreendia o Outeirinho de Santa Catarina (atual rua Visconde do Rio Branco), junto ao qual deu princípio à nova povoação em 1543; e com ele o teve igualmente a vila de Santos, que reconhece ao mesmo Braz Cubas por seu fundador.

Foi ele que restabeleceu a Casa de Misericórdia, que é a mais antiga do Brasil; ao princípio teve simplesmente o nome de Porto, querendo dizer, que era o porto da Vila de São Vicente porque bem depressa os navegantes largaram o antigo ancoradouro e vieram desembarcar os seus efeitos à nova povoação, de onde eram conduzidos por terra à vila, o que se lhes fazia mais cômodo; o mesmo praticavam todos os fazendeiros da Bertioga, Santo Amaro e mais terras deste lado. Assim se conservou a povoação por alguns anos, até que o sobredito Braz Cubas fundou um hospital junto à Casa de Misericórdia para socorro aos marinheiros, que adoeciam, e que lhe deu o apelido de Santos, à imitação de um semelhante em Lisboa.

Este nome bem depressa se estendeu a toda a povoação, que até hoje se ficou chamando Porto de Santos, que, pelos cuidados do seu fundador, foi ereta em Vila, nos fins do ano de 1546. Teve seu princípio junto ao Outeirinho de Santa Catarina, como disse, mas pelo tempo a diante foi ficando deserto este lugar, e a Vila estendeu-se para o Ocidente (Valongo), mesmo além do ribeiro de São Jerônimo, ocupando assim um local muito inferior ao primeiro, que por ser mais baixo e cercado de colinas, é assaz abafado no tempo dos caniculares.

A esta mudança deu motivo a proximidade das fontes (Itororó, São Jerônimo, São Bento, Macaia etc.) e assistência dos moradores de serra acima, que procuravam sempre chegar da Vila mais perto do Cubatão, posto na fralda da Serra, onde embarcavam para Santos; e desta maneira se conservou até que se edificaram os Quartéis da Tropa, atrás da Igreja Matriz.

Foi Santos a poderosa rival de São Vicente, que pela concorrência no seu porto, comércio e aumento de população eclipsou todo o esplendor de que esta se via revestida.

O terreno que a Vila ocupa é plano e inclinado para o lado do ribeiro de S. Jerônimo, onde as ruas são mais povoadas, e onde labora o maior comércio; elas são dispostas pelo gosto antigo com mais alguma regularidade; as menos povoadas são diretas e espaçosas, colocadas por detrás das primeiras, estendendo-se para o leste (ruas General Câmara, João Pessoa, Amador Bueno, São Francisco e Bittencourt ou na nomenclatura antiga: Nova, do Rosário, das Flores, de São Francisco e Fresca) em direção pouco mais ou menos paralela à margem do rio (Valongo); os edifícios são de pedra e cal, alguns bem construídos; tem Casa da Misericórdia, como já disse, um convento de Franciscanos, um Hospício de Bentos e outro de Carmelitas Calçados; o Colégio Jesuítico é atualmente o Hospital da Tropa; tem um cais regular e de cantaria no qual finda uma praça mediana, ornada pela parte de Leste com palacete dos excelentíssimos capitães-generais, que também faz frente para o rio e para a praça dos Quartéis (da Matriz, depois Visconde do Rio Branco e atualmente da República) junto à qual há um pequeno forte, cuja artilharia está em péssimo estado.

É esta Vila o interposto de todos os objetos de exportação e importação da Província, assim como de muitos gêneros que entram para as Províncias de Goiás e Mato Grosso, ou conduzidas por terra ou pelos rios. As produções que descem dos estabelecimentos centrais, para saírem a barra, são açúcar, algodão, tecidos do mesmo, toucinho, aguardente, café, courana, fumo e carnes chamadas ensacadas (charques); estes gêneros são transportados em sumacas a outras províncias, com especialidade às do Rio de Janeiro e Bahia. Os estrangeiros levam daqui açúcar, algodão, café e courana.

O clima é muito cálido, principalmente quando, no estio, venta o Noroeste, que se torna insuportável. A vila de Santos nem é a mais antiga, nem foi a principal da província; a de São Vicente é a primeira, e em outro tempo mui populosa: ela deu o nome à Capitania, cujos limites foram bem diversos dos que tem hoje a Província de São Paulo.


Porto de Santos em 1822
Imagem: Benedito Calixto - Um pintor à beira-mar - A painter by the sea,
edição da Fundação Pinacoteca Benedicto Calixto, agosto de 2002, Santos/SP


Veja o relato completo de Luiz D'Alincourt: clique na imagem abaixo para abrir o arquivo em formato Adobe PDF (897 KB), disponível também no site Domínio Público (obra sf000050):

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