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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - PERSONAGENS
Tipos curiosos (29)

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Nos primeiros anos do século XX, entre os tipos rudes que atuavam no cais, um se destacou, e seu apelido Navalhada resume sua violenta história, contada na edição de 21 de fevereiro de 2011 do jornal santista A Tribuna, páginas A-4 e A-5:


UM DUELO NO PORTO. E MORRE O NAVALHADA - Há pouco mais de 52 anos, em 24 de janeiro de 1959, era assassinado o estivador Antônio André Carrijó. Morria um dos principais personagens do Porto de Santos, Antoninho Navalhada. Nascia uma das lendas do cais. Um dos fundadores do Sindicato dos Estivadores e famoso na Cidade por sua fama de valentão, ele perdeu a vida em um duelo com um colega portuário, também conhecido por ser brigão. Naquele dia, em Santos, não se falou em outra coisa

Imagem: reprodução parcial da primeira página de A Tribuna de 21/2/2011

 

Navalhada, a lenda do cais

Um dos fundadores do Sindicato dos Estivadores, Antoninho Navalhada se impunha perante outros portuários por esse fato e pela fama de valentão. Até que um colega o matou em um duelo no cais

César Miranda

Concepção gráfica: Luiz Sérgio Moura

Da Redação

Em qualquer carreira profissional existem brigões. No esporte, o goleiro Fábio Costa. Na política, Ciro Gomes. No entretenimento, o ator Dado Dolabella. Na moda, a modelo Naomi Campbell. Esses são apenas alguns exemplos recentes de personalidades que já provaram não gostar de levar desaforo para casa. Para eles, qualquer palavra fora do lugar, um olhar enviesado ou comportamento que desagrade é motivo para arregaçar as mangas. E dependendo do caso, não era impossível chegar às vias de fato, distribuindo tapas e pontapés.

Como naquela velha canção do baiano Dorival Caymmi: João Valentão é brigão/Pra dar bofetão/Não presta atenção e nem pensa na vida/A todos João intimida/Faz coisas que até Deus duvida.

Antes fosse assim. Em alguns locais de trabalho, a peleja extrapola a pancadaria ou a troca de insultos e termina em sangue e morte. Isto aconteceu em 24 de janeiro de 1959, no cais do Porto de Santos.


Navalhada

Foto: arquivo, publicada com a matéria

Dois robustos - De um lado do ringue, o famoso  respeitado Antônio André Carrijó, mais conhecido por Antoninho Navalhada, de 52 anos. Em outro canto, Simião Xavier de Oliveira, de 46 anos. Dois portuários valentões que andavam armados e não se bicavam.

Antoninho era um dos fundadores do Sindicato dos Estivadores de Santos. Desde moço sempre trabalhou na profissão. Após tanto tempo de janela, escolhia o serviço que iria fazer. E de preferência, os melhores e mais rentáveis. E não bastasse a total independência, palpitava no serviço de outros.

Ex-pugilista, Simião era associado do Sindicato dos Estivadores, mas não integrava o grupo dos fundadores. Era um operário comum, como muitos outros.

Segundo os trabalhadores mais antigos, logo pela manhã, no dia 24, os dois já tinham discutido justamente por causa de rotina de trabalho. O motivo exatamente ninguém sabe com precisão. Graças a outros estivadores, a turma do deixa-para-lá, o bate-boca terminou por ali. E assim imaginou-se que a história havia se encerrado.


Na década de 1950, o Porto de Santos registrava alguns conflitos entre estivadores devido à disputa pelos melhores e mais rentáveis trabalhos

Foto: arquivo, publicada com a matéria

Tiro de misericórdia - Quem conhecia Navalhada sabia que não. Por volta das 10h15, coincidentemente, os dois voltaram a se encontrar na Avenida Eduardo Guinle, junto à antiga cantina 1, em frente ao Armazém 15, ao lado do canal que liga a Bacia do Mercado ao estuário.

Ali, Navalhada viu a chance de acabar com Simião. Foi logo sacando a arma e disparando. Alvejado na altura da virilha, Simião caiu no chão. Para zerar o tambor do revólver, Navalhada se aproximou do desafeto, mas foi surpreendido.

Deitado, Simião puxou a arma e abriu fogo. Atingido com uma bala no ventre, Navalhada tentou se afastar, buscando um refúgio. Não teve tempo. Simião mandou a bala da misericórdia. Desta vez, nas costas do inimigo.

Gravemente ferido, Simião tentou fugir, mas não conseguiu. Porém, teve tempo para se desfazer da arma, jogando-a no canal que ali passava. Logo em seguida, a ambulância apareceu para resgatar os dois. Com risco de perder a vida, Simião foi internado imediatamente na Santa Casa. Navalhada não resistiu, morreu a caminho do hospital.

Apesar do ferimento, Simião conseguiu sobreviver. Morreu muitos anos depois em Santos, por causa não apurada. Segundo testemunhas, nunca respondeu pelo crime porque não foi acionado judicialmente.

Comentários

"Foi um rebuliço danado no cais"

Edson Oliveira, de 68 anos

"Os dois eram cascas de ferida. Por muitos dias, todo mundo falou sobre o assunto"

Antônio Paula de Souza, de 78 anos

"Todo mundo ficou abismado. Os inimigos soltaram fogos naquele dia".

Paulo Osmar Davi, de 66 anos

"Infelizmente, naquele tempo a ignorância era muito grande"

Wanderley José da Silva, de 60 anos

"A matança eu não vi. Mas a notícia da morte foi como uma bomba"

Ruth de Almeida Lázaro, de 77 anos

Fotos: Adalberto Marques, publicadas com a matéria

De engraxates a políticos, todos comentaram crime

A morte de Antoninho Navalhada causou muita repercussão na época. Durante dias, o fato foi o prato principal nas rodas de conversas na região central da Cidade. De políticos a engraxates, todo mundo queria dar um palpite sobre o valentão que fechou o paletó.

Paulo Osmar Davi, de 66 anos, trabalhava nas imediações do Mercado Municipal e soube pelo seu pai que Navalhada tinha morrido. "Ele veio de bicicleta dar a informação. Todo mundo ficou abismado. Os inimigos soltaram fogos naquele dia", diz ele, que mais tarde iria trabalhar na estiva.

O estivador aposentado Edson Oliveira tinha 17 anos na época. "Foi um rebuliço danado no cais", recordou Oliveira, de 68 anos. Sem Navalhada no Porto, o posto de valentão do cais era agora de Simião.


Os disparos que abateram Antoninho Navalhada foram dados próximo ao canal que liga a Bacia do Mercado ao estuário

Foto: Adalberto Marques, publicada com a matéria

Sucessor - Funcionário aposentado pelo Banco do Brasil, Antônio Paula de Souza, de 78 anos, recorda que precisava levar uma encomenda naquela região dos armazéns. Ele passou no local pouco tempo depois dos tiros. "Estava um tumulto grande. Os dois eram cascas-de-ferida. Por muitos dias, todo mundo falou sobre o assunto. Até hoje, que eu saiba, a arma (jogada no canal) nunca foi encontrada".

Ruth de Almeida Lázaro, de 77 anos, esteve no sepultamento de Navalhada. Ela estava com o pai e o irmão no Cemitério do Saboó. Boa parte de suas família sempre trabalhou na estiva e alguns até conheciam os dois homens. "A matança eu não vi. Mas a notícia da morte foi como uma bomba. O assunto foi muito comentado".

Presidente do sindicato por quatro vezes, Vanderlei José da Silva, de 60 anos, sabe da história de Navalhada graças às histórias contadas por seu pai. Ele foi um dos fundadores do Sindicato dos Estivadores de Santos, em 1930.

Diz ele: "Navalhada era uma lenda na Estiva. Ele respeitava o sindicato, mas se achava absoluto no dia a dia. Chegava à hora que queria e escolhia o serviço que preferia. Geralmente, ficava na chefia, atuando como sinaleiro, aquele que pede para subir e descer a carga no navio... Por sua fama de autoritário, muito político e delegado tiravam o chapéu para ele..."

Silva chegou a conviver com Simião quando não estava mais na ativa.

"Lembro que era uma pessoa simples, muito responsável e sério. Se o tirasse do sério, tinha encrenca. Não era mole, não. APesar da fama de valentão, tinha bom relacionamento comigo", contou.

Apesar deste episódio sangrento, Silva afirmou que o clima d respeito sempre prevaleceu entre outros estivadores, em diferentes épocas. "Infelizmente, naquele tempo a ignorância era muito grande", disse Silva.


Junto à antiga cantina 1, onde houve o homicídio de Navalhada, pouco mais de três meses depois, um irmão seu tentou matar outro estivador

Foto: Adalberto Marques, publicada com a matéria

Irmão apunhala colega

Como se tivesse herdado geneticamente o temperamento explosivo e de valentão do irmão Antoninho Navalhada, o também estivador Olívio André Carrijó, de 46 anos, tentou matar a punhaladas um colega de trabalho.

A tentativa de homicídio ocorreu em 6 de maio de 1959, pouco mais de três meses após Navalhada ser abatido a tiros. Curiosamente, os dois crimes foram cometidos junto à antiga cantina 1, em frente ao Armazém 15.

As informações iniciais sobre a investida de Olívio revelavam um desentendimento por motivos de serviço entre ele e o estivador Armindo Alves Moura, de 35 anos. Tal como o crime de Navalhada, Armindo foi golpeado no tórax. Ele conseguiu escapar da morte ao se proteger com um engradado de madeira para cervejas e utilizá-lo para repelir o ataque.

O duelo próximo ao cais terminou com os dois homens sendo internados na Santa Casa de Santos. Durante o processo criminal, apurou-s que entre o acusado e a vítima havia uma rusga antiga.

Olívio foi sublocatário de Armindo e essa relação de inquilinato gerou desentendimentos entre os homens, aparentemente sanados com a assinatura de um termo de bom viver na delegacia de polícia. Posteriormente, o irmão de Antoninho Navalhada desocupou a casa sublocada por Armindo e a razão do conflito entre os estivadores supostamente foi extinta.

Ledo engano. O ódio que Olívio nutria contra Armindo não se dissipou. Ficou adormecido e se materializou na primeira oportunidade em que o acusado teve para se vingar do ex-locador. Em 20 de dezembro do ano seguinte, Olívio foi submetido a júri popular e condenado a quatro anos de reclusão. Segundo o Ministério Público, o crime foi "bárbaro e covarde".

Na aplicação da pena, o juiz Hélio Del Porto levou em conta a reincidência específica do irmão de Antoninho Navalhada, ou seja, outras condenações por crimes da mesma espécie.

(*) Colaborou Eduardo Velozo Fuccia.


Imagem: reprodução das páginas originais da matéria

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