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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - HOSPITAIS - BIBLIOTECA
Hospital Anchieta (4-c)

 

Clique na imagem para voltar ao índice do livroEste hospital santista foi o centro de um importante debate psiquiátrico, entre os que defendem a internação dos doentes mentais e os favoráveis à ressocialização dos mesmos, que travaram a chamada luta antimanicomial. Desse debate resultou uma intervenção pioneira no setor, acompanhada por especialistas de todo o mundo.

Um livro de 175 páginas contando essa história (com arte-final de Nicholas Vannuchi, e impresso na Cegraf Gráfica e Editora Ltda.-ME) foi lançado em 2004 pelo jornalista e historiador Paulo Matos, que em 13 de outubro de 2009 autorizou Novo Milênio a transcrevê-lo integralmente, a partir de seus originais digitados:

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Na Santos de Telma, a vitória dos mentaleiros

ANCHIETA, 15 ANOS (1989-2004)

A quarta revolução mundial da Psiquiatria

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V

PREFÁCIO - Prefeita Telma de Souza

 A LUZ E A ESCURIDÃO

 

Quando manifestamos nossa indignação com a situação de extremo horror em que viviam os pacientes da Casa de Saúde Anchieta, enfrentamos dois tipos de reação: os que se opunham ao nosso governo nos acusavam de intromissão indevida. Afinal, tratava-se de instituição privada, onde, diziam, eram aplicadas "modernas técnicas" no tratamento de distúrbios mentais. Já algumas das pessoas que nos apoiavam, embora concordando com a gravidade do quadro, entendiam que nos envolveríamos com uma causa complexa, que não contaria com o apoio imediato da opinião pública. Aconselhavam-nos a protelar qualquer decisão, até nos sentirmos "mais firmes" no Executivo santista, que tínhamos assumido há meses. Sabíamos, porém, que nossos profissionais, no governo, trabalhavam com o que existia de mais avançado no mundo no campo da Saúde Mental.

 

Tínhamos também convicção ser nosso dever primordial agir em quaisquer cenários que colocassem em risco a integridade de qualquer segmento da população da cidade. Quanto ao apoio popular para modificar a situação insustentável em que se encontravam os pacientes da instituição, agir não era questão de oportunidade ou estratégia política, mas de compromisso com princípios que sempre defendêramos. Entendíamos ainda que devíamos apostar na generosidade da população da cidade que acabara de nos eleger. O resultado desse processo se tornou parte da história tanto das pessoas envolvidas no trabalho que se seguiu, quanto da cidade de Santos, transformada em referência nacional e internacional, por seu pioneirismo na humanização do sistema de tratamento da Saúde Mental.

 

Tenho repetido que me sinto extremamente honrada de haver, enquanto prefeita de Santos, conduzido, por intermédio de minha equipe de governo, várias iniciativas que projetaram o município na vanguarda de políticas sociais inéditas e bem sucedidas. Sinto-me, no entanto, particularmente recompensada pelo privilégio de haver contribuído para derrubar os muros que encarceravam centenas de corações e mentes naquela "casa de horrores". A coragem e determinação de todo um grupo de profissionais e cidadãos, não permitindo que aquele exemplo de degradação humana continuasse a existir em nossa cidade, marcou e enriqueceu a vida de todos nós. Provamos, para nós mesmos, que éramos capazes de nos indignar com o aviltamento do ser humano e com o desrespeito aos direitos básicos de cidadania e civilidade. E aqueles a quem dirigimos nossa atenção - as pessoas com distúrbios mentais - nos responderam com a demonstração firme de que eram capazes e de que queriam retomar seu lugar no seio de uma sociedade que os discriminava, na maioria da vezes, por pura falta de informação, fonte de todos os nossos mais destrutivos preconceitos.

 

Essa caminhada em defesa da vida e da cidadania, foi coroada com o inesgotável potencial de solidariedade demonstrado pela população em relação aos pacientes que, pouco a pouco, eram resgatados, do escuro das fétidas celas-fortes e das torturas dos eletrochoques, para a luz da convivência em sociedade. A imensa maioria dos santistas tornou-se "cúmplice" desse processo de resgate. No último dia 3 de maio, completaram-se 15 anos da intervenção municipal na Casa de Saúde Anchieta. É um evento a ser comemorado, em função das vitórias que, a partir dali, começamos a forjar no campo da Saúde Mental em nossa cidade e em nosso país. Contudo, esta ocasião deve servir também para reflexão, e motivos para refletir não faltam. A primeira reflexão deve contemplar um amplo questionamento sobre como se encontra hoje a rede de apoio e reintegração social, não somente para aqueles ex-internos do Anchieta, mas também para os novos pacientes que precisam de assistência especializada.

 

Sabemos, por reiteradas informações de profissionais da área, que o desmonte que atingiu vários segmentos da saúde na nossa cidade não poupou o setor de saúde mental, ensejando um gravíssimo risco de quebra de vínculo entre pacientes e terapeutas. Não é, no entanto, minha intenção aqui descer a detalhes e criar controvérsias em torno dessa questão, que será, tenho certeza, objeto de profunda discussão em fórum adequado. O importante, neste momento, é celebrar mais uma vitória da luz sobre a escuridão, uma vitória da solidariedade e da ousadia sobre o medo, a opressão e a omissão. E que a coragem que todos nós, cidadãos desta cidade, demonstramos naquele episódio possa continuar norteando nossos passos em direção a um mundo menos cinzento e mais acolhedor.

 

Telma Sandra Augusto de Souza