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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - ASSISTÊNCIA
Lar das Moças Cegas

Atende também crianças, rapazes, adultos e idosos com deficiência visual

Texto publicado na seção Comunidade em Ação do jornal santista A Tribuna, em 31 de maio de 2006:


SUPERAÇÃO - No Lar das Moças Cegas, em Santos, a arte de superar as dificuldades em meio à aprendizagem, dedicação de voluntários e reforço da cidadania
Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria

LAR DAS MOÇAS CEGAS
Exemplo de trabalho e dedicação há 63 anos

São mais de 30 atividades, desde a alfabetização até o goal ball

Bruno Guedes
Da Reportagem

"As mãos olhando por ela, o passo calmo, firme e silencioso, casa cheia de ecos de um mundo não seu, mundo em que a imagem e a cor pareciam a nota mais viva das outras vidas de ilimitados horizontes".

Nesse trecho do conto As Cores, de Orígenes Lessa, o mundo que pertence somente aos outros na perspectiva da protagonista Maria Alice, deficiente visual, é o mesmo no qual se inserem centenas de deficientes visuais atendidos pelo Lar das Moças Cegas, em Santos. Mundo que, um dia, muitos enxergavam, mas hoje têm a oportunidade de conhecê-lo com outros sentidos e de aprender a fazer parte dele.

Por meio de mais de 30 atividades, entre aulas de alfabetização, capacitação, braile e informática, atendimentos terapêuticos, Atividades da Vida Diária e goal ball (esporte para cegos), eles aprendem, ou reaprendem, a viver com sua condição.

Há pelo menos 20 anos, o atendimento no lar não é exclusivo às moças. Contempla também crianças, jovens, rapazes, idosos, sejam homens ou mulheres. O nome é fruto de sua origem, há 63 anos, quando a entidade foi inaugurada como um abrigo para moças cegas por dirigentes de outra instituição de assistência localizada na Capital.

Nos anos 80, passou a ser um Centro de Educação e Reabilitação para Deficientes Visuais. Hoje, além da sede social, a instituição possui um Centro Aquático e um sítio em Pedro de Toledo, onde também são realizadas atividades de reabilitação.


Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria

O lar é uma entidade sem fins lucrativos que, atualmente, atende 641 pessoas com perda total da visão ou com comprometimento parcial do sentido. São os que possuem um resíduo visual e enxergam muito pouco, ou somente a claridade.

"Todos (os serviços) são gratuitos e disponibilizados por faixa etária e avaliação. O deficiente passa por processo de triagem e é direcionado para as atividades das quais necessita", explicou a supervisora de Relações Institucionais da entidade, Ana Lícia Gotardi.

Reconhecida como entidade de utilidade pública nas esferas municipal, estadual e federal, a instituição tem 98 voluntários que promovem atividades extra-curriculares e ajudam nas tarefas que geram renda para o lar. Outros 87 profissionais ajudam na reabilitação dos deficientes, entre pedagogos especializados, psicólogos, profissionais da Educação Física e terapeutas ocupacionais.

Entre os voluntários estão também todos os dirigentes. Presidente da entidade, Carlos Antônio Gomes se dedica ao Lar das Moças Cegas há décadas. Ele acompanha as atividades há 58 anos, desde que tinha um ano de idade. "Meu pai era presidente nesta época", lembrou.

Gomes preside a entidade há 18 anos e se recorda com clareza dos tempos em que o local abrigava somente 20 meninas. "Hoje, são 203 somente em reabilitação (completamente cegos)", orgulhou-se Gomes.

Para manter tal estrutura, contou a supervisora Ana Lícia, a entidade arrecada fundos com eventos realizados durante o ano, com a renda de um bazar e uma lotérica localizados dentro do estabelecimento. A entidade faz ainda locações de móveis e veículos e serviços eventuais. Outras fontes de recursos são os convênios estabelecidos com prefeituras da região e verbas do Governo Federal destinadas a projetos educacionais.

"Estamos buscando a auto-sustentabilidade da instituição", explicou a supervisora. "Além das atividades gratuitas, caso o deficiente ainda não tenha capacidade de mobilização, a entidade faz o transporte até sua casa".

Carlos Antônio é o presidente

Ana Lícia explica estrutura

Fotos: Nirley Sena, publicadas com a matéria

Técnicas específicas - Como abrange uma educação especializada, a entidade conta com algumas particularidades, sendo que muitas das quais são possíveis por meio de parcerias. A biblioteca, por exemplo, possui mais de 2 mil títulos doados, todos em braile.

As aulas de alfabetização são ministradas com o suporte do Telecurso 2000, disponibilizado por uma parceria com o Senai. Na aula de informática, explicou Ana Lícia, são utilizados programas que repetem, por uma voz, o que está escrito na tela. Os alunos aprendem digitação e decoram a posição de cada tecla.

As aulas de braile são ministradas por uma professora especializada neste tipo de comunicação, com réguas com células e máquinas de escrever. "Tenho alunos muito esforçados", ressaltou a pedagoga especializada em deficiência visual, Sandra Regina de Souza Silva.


Há pelo menos 20 anos, a instituição também
passou a atender crianças com tarefas diversificadas
Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria

Superação das dificuldades é uma constante

Entre os profissionais do Lar das Moças Cegas, estão também 8 deficientes visuais que já foram atendidos pela entidade. É o caso do auxiliar de escritório, e estudante de Pedagogia, Aílton Souza Freitas, de 38 anos. Casado há 10 anos, união que trouxe como frutos duas filhas, ele faz todo o trabalho de rua da entidade.

Freitas contou que mora em São Paulo, mas fica em Santos nos finais de semana para trabalhar e estudar. "Quando quero saber a localização de algo em São Paulo, pergunto a ele. O Aílton sabe tudo da cidade, melhor do que muita gente", brincou o presidente da entidade, Carlos Antônio Gomes.

Nos estudos, as dificuldades são rapidamente superadas. Quando prestou vestibular, ele contou com a ajuda de um auxiliar que leu toda a prova. "Mas a faculdade também pode mandar a prova para o Lar (das Moças Cegas) e eles passam para uma folha em braile", lembrou Freitas.

Nas aulas, grava tudo o que é dito e, ao chegar em casa, passa o conteúdo para o computador. Para estudar e fazer as provas, Aílton também usa o computador, graças ao curso de digitação do qual participou durante os anos em que foi atendido pela entidade.

Cidadania

"Este lar é uma porta que vemos para o mundo. Faz a gente perceber que somos cidadãos e temos os mesmos direitos de todos"

Valéria Cristina da Silva Teixeira
Aluna

As aulas também foram a porta de entrada para Aparecida Pereira Brito. Aos 18 anos, ela ingressou na entidade. Fez os cursos de alfabetização, supletivo e computação. Os conhecimentos em Informática possibilitaram que ela conseguisse um emprego de telefonista em uma universidade. Lá, faz relatórios diários de todas as ligações recebidas.

Questionada se tem aspirações de ter uma carreira, ela abre um sorriso: "Sabe quando você faz seu trabalho com amor? Eu sou assim, porque adoro ser telefonista".

Já Valéria Cristina da Silva Teixeira, 38 anos, além da Informática, dedica-se às aulas de natação, ao curso de Ensino Fundamental do Telecurso 2000 e à disciplina Atividades da Vida Diária. "Este lar é uma porta que vemos para o mundo. Faz a gente perceber que somos cidadãos e temos os mesmos direitos de todos". Valéria tem de 10% a 13% da visão por conta de uma retinose pigmentar, uma doença que a acometeu aos 13 anos.

Regina Helena Maia Moreira também perdeu a visão por conta de uma enfermidade. Ela teve uma infecção ainda na adolescência. "Era uma fase em que estava cheia de planos. Fiquei totalmente perdida".

Regina ficou sabendo da entidade por uma amiga e participa das atividades há seis anos. Hoje, no último ano do curso de Pedagogia, já está se dedicando ao seu trabalho de conclusão de curso, com o tema Mercado de Trabalho para o Deficiente Visual.


Regina Helena Moreira perdeu a visão quando era adolescente por causa de uma enfermidade
Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria

Trabalho feito por voluntários ajuda na obtenção de recursos

A aula de dança no Lar das Moças Cegas é uma terapia para a diretora escolar Sônia Regina Bassili da Silva. Voluntária da entidade há 1 ano e meio, ela ensina os deficientes visuais a dançarem pelo menos uma vez por semana. "O resultado é maravilhoso. Trabalhamos as partes motora, mental e social", ressaltou ela.

Na verdade, Sônia nunca havia ensinado dança antes. Ela percebeu que poderia se dedicar ao voluntariado e, por meio de amigos, chegou à entidade. "Fui aprender para depois vir aqui ensinar", brincou a diretora.

Para ajudar os mais novatos nas aulas de Sônia Regina, a dona-de-casa Balbina Maria do Nascimento dedica algumas horas de sua semana para dançar com os alunos. "É muito bom dar alegria a eles. Foi a melhor escolha que eu fiz", emocionou-se Balbina.

 

Antes, as alunas iam às ruas para pedir brindes

 

Renda - Os serviços que proporcionam renda ao Lar das Moças Cegas recebem a dedicação de experientes voluntárias. A costureira Rita Simões Teixeira, de 71 anos, passou a manhã da última segunda-feira dobrando camisas de uma empresa que contratou a entidade para este serviço.

Rita também não deixa de participar dos eventos que resultam em mais recursos para a instituição. "Meu maior prazer é fazer algo por eles. Adoro ajudar".

Há 19 anos trabalhando voluntariamente pela entidade, a também costureira Mafalda Paiva Areas não hesita em dar uma colaboração em todos os afazeres. "Lembro quando íamos com as alunas na rua para pedir brindes", recordou Mafalda.


Rita Simões dobra camisas para empresa que contratou o Lar
Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria

PERFIL
Nome: Lar das Moças Cegas

O que faz: reabilita e capacita deficientes visuais para que tenham uma vida normal

Há quanto tempo: 63 anos

Endereço: Avenida Ana Costa, 198

Telefone: 3226-2760

Site: www.lardasmocascegas.org.br

E-mail: secretaria@lardasmocascegas.org.br


Chamada para a matéria, no dia anterior à publicação
Publicada em 30 de maio de 2006 no jornal santista A Tribuna

Em 18 de abril de 2013, o jornal santista A Tribuna registrou assim o aniversário dessa entidade, em sua página A-8:


A entidade vem se adaptando ao longo dos anos. Um exemplo disso é o estilo moderno de gestão, que já rendeu um certificado ISO 9001, em 2008
Foto: Irandy Ribas, publicada com a matéria

Há 70 anos,

uma luz aos que não podem ver

Matheus Müller
Da Redação

O Lar das Moças Cegas (LMC) atende pessoas com deficiência visual, gratuitamente, desde 18 de abril de 1943. São 70 anos de uma existência repleta de sucesso e de belas histórias de superação.

Uma dessas histórias responde pelo nome de Milena Ribeiro Simões. Aos 19 anos, devido a uma retinopatia diabética – lesão na retina causada pelas complicações do diabetes – ela perdeu a visão e enfrentou muitas dificuldades.

"Eu não aceitava. Falava para a minha mãe, a pessoa que mais me incentivava, que voltaria a enxergar e que eu não queria ir para a escola. Eu tinha vergonha de andar com a bengala na rua, sentia medo", diz.

Hoje, aos 30 anos, e graças ao Centro de Educação e Reabilitação de Deficientes Visuais (como também é chamado o LMC), ela reaprendeu a viver. "De todo o coração, posso dizer que sou uma pessoa muito feliz, apesar de não enxergar. Aqui dentro eu reaprendi a viver".

Ela comenta que nunca imaginou realizar o que atualmente faz. Por exemplo, praticar várias atividades físicas, tocar instrumentos musicais e desenvolver maior integração social.

"Eu nunca pensei que fosse competir e fazer tanto esporte, aprendi tudo no Lar. Foi aqui também que eu conheci meu esposo, com quem sou casada há nove anos".

Gestão empresarial - O LMC é uma entidade sem fins lucrativos. Aperfeiçoou-se, e hoje adota uma filosofia de empresa, para atender melhor seus alunos.

Segundo o presidente do LMC, Carlos Antonio Gomes, o Calucho – que este ano completa 25 anos à frente da instituição – a ideia que norteia o Lar é governar com a razão e não com o coração. Ele diz que só assim é possível cumprir o que deve ser oferecido e com a qualidade desejada.

Embora o profissionalismo tenha sido introduzido, as atividades voluntárias continuam, pois essa é a origem do Lar das Moças Cegas. Assim, atualmente, o funcionamento da casa baseia-se em um híbrido: metade no sistema empresarial, a outra metade, na doação das pessoas. "Temos uma administração sustentável. Só com esse pensamento é possível prosperar nos dias de hoje".

A filosofia é inovar nas ideias para atrair associados e, em consequência, mais verbas para o Lar. Exemplo disso foram as parcerias com Santa Casa e Unimed. "As pessoas que se associassem à instituição tinham direito a um plano de saúde mais barato".

Essa é uma das ações que atraíram público e dinheiro para a entidade. Tanto que as cotas disponíveis nos planos de saúde ligados às adesões de novos associados já se esgotaram. "A época de ficar com o chapéu na mão já passou. Assim você arruma pouco. Agora, se procurar criar sociedades, com certeza você vai ser diferente e prosperar".

A entidade também possui uma lotérica, ao lado da sede do Lar. A ideia foi estudada e viabilizada pela instituição, que tem ali mais uma fiel fonte de renda.

Colhendo frutos - Calucho comenta que todos os 620 alunos do Lar das Moças Cegas – 220 totalmente cegos e 400 com baixa visão – têm direito a pedir o que quiserem à administração.

Depois de estudadas pela diretoria e coordenação, se forem viáveis, as solicitações são atendidas. Por exemplo, o centro aquático, que hoje atende inclusive à comunidade – com hidroginástica, das 17 às 20 horas, gerando uma fonte de renda extra – nasceu de um pedido dos alunos.

"Compramos também um sítio em Pedro de Toledo, um atrativo para os deficientes visuais, que nos finais de semana vira pousada e é mais uma fonte de captação de dinheiro".


APRENDIZADO - "Você tem que por o deficiente visual dentro da sociedade simplesmente não enxergando. Ele tem que ter os problemas dele, deve passar por adversidades e aprender muitas coisas que a vida ensina, sem pena, como nós que enxergamos" - Carlos Antonio Gomes, presidente do Lar das Moças Cegas
Foto: Irandy Ribas, publicada com a matéria


VIVER DE NOVO - "É um lugar pronto para ajudar qualquer pessoa que chegar, sempre com muito carinho. Essas pessoas foram responsáveis por esse recomeço da minha vida, onde tudo foi modificado e renovado. Aqui eu aprendi a viver novamente" - Milena Ribeiro Simões, usuária
Foto: Irandy Ribas, publicada com a matéria

A casa

219
pessoas trabalham na instituição, sendo 139 remuneradas e 80 voluntários

35
serviços prestados, nas áreas educacional, terapêutica, esportiva, de capacitação e outros

3
cursos de capacitação: Culinária, Telefonia e Informática

 


Os pontos acima não são decorativos. Querem dizer '70 anos' em Braille - a segunda língua do Lar das Moças Cegas, que hoje faz aniversário. A primeira? A da assistência
Ilustração junto ao título, publicada com a matéria

Dia de festa

As comemorações serão iniciadas às 10 horas da manhã em frente ao Lar das Moças Cegas, com os alunos cantando os hinos Nacional e da instituição. Após a apresentação, será reinaugurado um salão de festas, reformado. Em seguida, haverá um café para os alunos, voluntários e funcionários. À noite, acontecerá uma sessão solene, com diversas apresentações.

  


A sede do lar, ainda na década de 40
Foto publicada com a matéria

Educar e integrar

Em 18 de abril de 1943, foi fundado e inaugurado por Maria Helena Nolf Figueiredo, Regina Mathilde Nolf Azevedo, Nelson Serra, a extensão do Instituto Profissional Paulista para Cegas de São Paulo, em Santos.

Como a metodologia dessa instituição não correspondeu às necessidades dos fundadores, que acreditavam no potencial dos deficientes visuais, foi criada uma nova instituição autônoma, que além de tirar as moças cegas da marginalização, oferecia um sistema de educação e integração. Dessa ideia surge o Lar das Moças Cegas.

Em 1988, a entidade também passou a atender deficientes visuais do sexo masculino, oferecendo as mesmas oportunidades e direitos.