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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Recorde agridoce (atracado ou encalhado?)

Demonstrando os métodos arcaicos que imperavam na atividade portuária santista ainda no final do século XX, um mesmo navio registrou dois recordes na mesma escala: o de tonelagem de açúcar embarcada e o de permanência no porto: a marca de 50 dias, impensáveis em tempos mais recentes em que o navio fica atracado apenas algumas horas. Fatos assim explicam como um porto moderno, com algumas centenas de metros de cais, consegue às vezes resultado operacional melhor (em termos de quantidade de carga embarcada) que um porto quilométrico (o de Santos tem cerca de 12 km de cais, ocupando as duas margens do estuário).

O fato foi registrado pelo jornal santista A Tribuna, na seção Porto & Mar, primeiro na edição de 22 de junho de 1983, quando a demora na permanência do navio já chamava a atenção dos portuários - lembrando-se que o termo ternos, usado na matéria, refere-se a equipes de trabalho de estivagem, e CDS é sigla para Companhia Docas de Santos, a antiga concessionária privada dos serviços portuários, depois sucedida pela empresa de economia mista Codesp:

Quarenta dias no porto só para carregar açúcar

"Afinal, esse navio está atracado, ou está encalhado, aí no cais do Paquetá?", perguntou, surpreso, ontem, o comandante de um cargueiro nacional. Ele se referiu ao Bauci, há mais de 40 dias no porto, carregando açúcar em sacas.

Segundo explicou o comandante, o seu navio saiu de Santos na segunda quinzena de maio, foi à Europa, escalou em três portos e, na volta ao Brasil, ainda encontrou o cargueiro grego operando o mesmo produto. Disse que, para um absurdo desse, não há explicação.

A exportação de açúcar exige terminal especializado, porque o sistema primitivo de embarque prejudica todas as operações comerciais do cais. Culpar o mau tempo é querer esconder a ineficiência do porto ou o desinteresse do Instituto de Açúcar e do Álcool (IAA), responsável pelo escoamento do produto para o exterior.

O Bauci atracou no dia 10 de maio, no Valongo, mudando várias vezes do ponto de atracação, até se fixar no cais do Armazém 12-A, onde, ontem, operava com três ternos. Como ele, estão no porto há quase um mês - ocupando espaço precioso nesta época de congestionamentos -, os navios Ouinoussai e General Malinsky, além do Lynx, que atracou no fim da semana passada.

O presidente da Codesp, Sérgio da Costa Matte, admitiu, na entrevista concedida sexta-feira, que o atual método de embarque - no qual o produto sobe em sacas para o navio, cabendo ao estivador cortar o invólucro, para despejar o açúcar no porão - é inconcebível: reduz a produção, torna o embarque moroso, aumenta os custos e prejudica os demais navios, que ficam ao largo, esperando vaga para atracar.

Sérgio Matte lamentou a inexistência de um cais especializado, de acordo com o que foi planejado há mais de 20 anos pela CDS. "Foi feito até o anteprojeto do terminal, mas a Portobrás desativou-o, em vista da irregularidade do fluxo do produto", explicou.

Com efeito, nos últimos anos, a exportação de açúcar, cristal ou demerara, não tem sido constante, variando muito, de um exercício para outro, os volumes embarcados. De janeiro a maio, por exemplo, os embarques de açúcar demerara somaram 95 mil toneladas, contra apenas 24 mil, em período idêntico do ano anterior.

No porto, além dos navios atracados, mais quatro aguardam vagas para carregar açúcar. Não se sabe em que base estão contratados, mas, segundo as regras normais, o IAA deve estar pagando multas diárias, à guisa de demurrage, para compensar as embarcações pelos dias perdidos.

Os navios Ascona e Forum Hope, por exemplo, estão ao largo desde os dias 30 e 31, respectivamente. O Miami M fundeou na barra há uma semana, permanecendo ao largo também, desde o dia 18, o Rea, mas aguardando a programação da agência, portanto, por motivos alheios ao congestionamento do cais comercial.

Congestionamento - Apesar do bom tempo, registrado hoje pelo décimo dia consecutivo, o número de navios ao largo subia a 34, ontem às 7 horas. Havia 51 cargueiros atracados e dois berços vagos.

Pela previsão da Codesp, até as 24 horas deveriam sair nove embarcações, mas chegariam 23, aumentando conseqüentemente a fila de navios na entrada da barra. Para hoje são esperados outros 12, sendo 10 de carga geral, um de produtos sólidos a granel e um para movimentar granéis líquidos.


Bauci está no porto desde o dia 10 de maio, segundo os registros da Codesp
Foto publicada com a matéria

Dias depois, na edição de 29 de junho de 1983, a mesma seção informava enfim a saída do navio, lembrando-se que o IAA e a Portobrás eram organizações governamentais. Na época, a Rússia e diversos outros países euro-asiáticos formavam a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), desfeita na década seguinte. Demurrage, por sua vez, é palavra inglesa que significa a multa aplicada pelo armador ao responsável pela sobreestadia (atraso) do navio no porto:

Bauci marca recorde de permanência no cais

Depois de estabelecer um recorde de carregamento de açúcar - 350 mil sacas - e outro recorde de permanência no porto - 50 dias, incluindo hoje -, o navio Bauci deixa Santos, com destino à União Soviética. Vários fatores contribuíram para o prejuízo das operações, a cargo do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA).

Um dos fatores que mais afetaram o carregamento foram as chuvas, quase intermitentes durante todo o mês de maio. Em junho, quando o tempo melhorou, o serviço lento e ultrapassado não rendeu o que se esperava.

Para os técnicos portuários, o método empregado de se cortar a saca na boca do porão, para que o estivador despeje o conteúdo, não existe mais em lugar nenhum do mundo. "É um absurdo cortar 350 mil invólucros, para que a mercadoria seja embarcada a granel", disseram.

Para complicar, segundo os portuários, o comandante do navio, aparentemente, não tinha a menor pressa em deixar Santos, e, ao menor sinal de instabilidade, mandava cerrar os porões. Resta saber quem está pagando os prejuízos.

Sabe-se que o Brasil exporta açúcar por preço inferior ao custo, devendo caber ao Governo, de acordo com o ministro Camilo Pena, prejuízos da ordem de Cr$ 50 bilhões este ano. "E quanto aos gastos com demurrage, dos navios que estão no porto?", perguntam os portuários.

Sem contar o tempo em que ficou ao largo, o Bauci permaneceu 50 dias no cais, a maioria inteiramente ociosa, não por culpa da armadora. Ainda que a demurrage seja a menor possível, somando-se as despesas com os outros navios, como o Forum Hope e o Linx, que também já estão em Santos há quase um mês, os prejuízos certamente sobem a bilhões de cruzeiros.

O Bauci atracou no dia 10 de maio, em frente à sugadora do Armazém 9, mudando várias vezes de ponto de atracação, até se fixar no cais do Armazém 14, onde é maior o calado. O serviço moroso causa, portanto, prejuízos ao embarcador, além de congestionar o porto.

Terminal - O presidente da Codesp, Sérgio da Costa Matte, ao comentar as operações com açúcar, disse que é inconcebível em 1983 o atual método de embarque, porque reduz a produção, aumenta os custos e prejudica todo o conjunto portuário. Matte lamentou a inexistência de um terminal específico para o produto.

A ex-concessionária chegou a fazer há mais de 10 anos um anteprojeto para o cais açucareiro, mas em razão da instabilidade do mercado internacional a Portobrás desativou-o. O próprio Governo estabeleceu que as exportações seriam feitas apenas pelo Nordeste, "não havendo razão para a construção de um terminal específico em Santos".

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