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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - Igrejas - ROSÁRIO
As muitas histórias da Igreja do Rosário (06)

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Este material - fruto de pesquisas e entrevistas feitas pelo autor - já esteve publicado em páginas na Internet mantidas pelo professor de História e pesquisador santista Francisco Carballa, sendo por ele cedido em 2007 para divulgação em Novo Milênio, quando da extinção do site da igreja:
 
Nossa Senhora do Rosário dos Pretos

Francisco Carballa


Cadafalso - Palavra que tem registros mais antigos no século XIII, falada na época de Cadafalc ou Cadafal, é uma espécie de plataforma destinada a cerimônias solenes, erguida geralmente em lugares públicos; nessa plataforma passaram a montar uma espécie de monumento para homenagear uma pessoa falecida ausente, quando era colocada uma pequena caixa sobre uma eça ou simplesmente a eça com uma toalha geralmente roxa e amarela rodeada de flores castiçais e outros adornos, como podemos ver em foto da igreja do Rosário na qual muitos objetos são do final do século XVIII, e se perderam no final do século XX.

Outra eça famosa era a de Santo Antônio do Valongo, pertencente à Venerável Ordem Terceira, que possuía a forma de uma sepultura retangular, encimada na cabeceira por uma cruz greco-romana com o símbolo da morte, ou seja, uma caveira com os ossos cruzados (lembrando a bandeira dos piratas).

Esse tipo de monumento temporário atraía a visita de muitas pessoas, que faziam suas preces pelo falecido, dentro das igrejas.


Cadafalso (monumento para celebrações funerárias), na igreja, em 30 de julho de 1938
Foto cedida a Novo Milênio pelo professor e pesquisador Francisco Carballa

Enterros dos Irmãos - Naqueles dias de muita fé, piedade e também ignorância, as igrejas serviam como cemitérios, mesmo existindo segundo os achados que ocorrem pelo Brasil, locais de sepultamentos que não eram igrejas. O cristão queria repousar no solo sagrado de um templo. Tão logo era notificada a morte do irmão, o sino da igreja à qual ele pertencia começava a anunciar o toque pausado e triste; quando existiam escravos para esse fim ou só seus familiares e amigos, preparavam e colocavam o corpo - amortalhado com as melhores vestes, sempre com a opa ou veste de terceiro - dentro do esquife (coberto pelo baldaquino, sem o uso do pálio, como era comum na colônia).

Então, saíam da casa em cortejo processional, sempre aberto pela cruz de procissão com dossel preto; era então o esquife transportado para as dependências da irmandade com o irmão falecido dentro dele, a cena era muito semelhante com a atual Procissão do Senhor Morto. À frente, ia sendo tocada uma matraca para anunciar às almas dos viventes a passagem de um morto, sendo entendido pelos mais humildes que a matraca chamava as almas do outro mundo.

Após missa de corpo presente, era o cadáver descido na sepultura, seguindo uma ordem (sempre após o último enterrado). Eram usadas cal virgem e terra socada, com mão de pilão. Finalmente, era fechada a tampa numerada do sepulcro, que poderia ser de madeira ou pedra segundo as posses da igreja; e folhas de plantas odoríficas eram espalhadas pelo jazigo - costume usado principalmente em dias de festa, pois as folhas de ervas aromáticas espalhadas pelo chão ajudavam a evitar o cheiro dos corpos em decomposição que atraíam moscas, sendo também comum o uso de serragem em dias de chuva para ajudar a preservar o piso de madeira. Então, restava somente aos negros coveiros ou irmãos esperar pelo próximo sepultamento.

É uma coincidência que o mosteiro de São Bento no Rio de Janeiro e a "igrexa de San Beito de Fefiñans" (Cambados, província de Pontevedra, na España), possuam lápides de pedra idênticas, inclusive quanto ao formato da numeração gravada.

Curiosamente existiu por todo o Brasil uma música para os enterramentos - que ocorriam, segundo alguns historiadores, ao cair da noite. A letra foi recolhida de Norte a Sul por vários escritores já no final do século XIX e início do século XX, possivelmente de pessoas já idosas que desempenharam o papel de coveiros, inicialmente nas igrejas e posteriormente nos cemitérios (sabemos que existiam pessoas escravas ou pagas só para essa finalidade). Transcrevo a letra, a título de curiosidade:

Zói que tanto vê;
Zi bocca qui tanto falla;
Zi bocca qui tanto comeo zi bebeo;
Zi cropo que tanto trabaiou.
Zi perna que tanto andô;
Zi pé qui tanto zi pizou;
Zi mão qui tanto panhô;
Zi mão qui tanto bateu;
Zi coração qui tanto amô zi odiô...

Dependendo do livro ou lugar da pesquisa, sempre se encontrará mais uma parte diferente. Tal melodia desapareceu com a lei de 16 de março de 1850, que proibiu os sepultamentos dentro das igrejas em todo território nacional. Mas essa lei foi burlada e muitas pessoas receberam inumação nos templos até as proximidades do século XX: um exemplo são os túmulos da Matriz de São Vicente (recentemente descobertos), ou do convento do Carmo, ainda existentes, datando o mais novo de 1897.

Outra música faria parte dos enterros no final do século XIX, a popular "Esperança do Cristão", conhecida hoje em dia pelo verso "Com minha mãe estarei", o que contribuiu para o esquecimento daquela música anterior e popular entre os coveiros.

Cemitério para negros cativos - Libertos e batizados eram todos sepultados dentro da igreja, enquanto os que não se batizaram eram igualmente sepultados, mas fora da igreja, em seu antigo adro. Curiosa distinção ocorria quando cristãos eram inumados com os braços cruzados sobre o peito, já os não cristãos eram inumados com as mãos estendidas.

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