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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS ANDRADAS - BIBLIOTECA
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A história do Patriarca da Independência e sua família

Esta é a transcrição da obra Os Andradas, publicada em 1922 por Alberto Sousa (Typographia Piratininga, São Paulo/SP) - acervo do historiador Waldir Rueda -, volume II, com ortografia atualizada (páginas 355 a 374):
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PRIMEIRA PARTE - PRELÚDIOS DA INDEPENDÊNCIA

Capítulo V - O Fico (cont.)

[..]

A prioridade do Fico

Narrados os fatos como se encontram nas páginas de tantos historiadores de mérito, ou conforme os documentos que posteriormente se acharam nos arquivos do País ou em mãos de particulares - apuremos agora, mais decisivamente, a quem cabe de fato a prioridade do Fico. Esta prioridade pode ser imputada ou aos que primeiro a conceberam ou aos que primeiro a executaram.

Para José Clemente Pereira, os primeiros que se lembraram dessa medida foram José Mariano e José Joaquim da Rocha; e como António Carlos desse um aparte confirmativo dessa categórica asseveração, assentou-se entre os adversários de José Bonifácio que tal era a verdade incontestável. E era. José Clemente não mentiu; e, por isso, António Carlos não teve necessidade de desmenti-lo.

Resta, porém, analisar em seu texto íntegro o que disse na Câmara temporária em 1841 o presidente da Municipalidade carioca de 1822. São estas as suas palavras, em dois pequenos períodos: "Mas, no Rio de Janeiro, foi este negócio tratado com muita antecipação e convém que se dê o seu a seu dono. Devo declarar que os primeiros que se lembraram dessa medida ou ao menos que a fizeram sentir e levar a efeito, foram o sr. José Mariano e o sr. José Joaquim da Rocha".

É claro que o orador se refere aos que primeiro tiveram a lembrança da medida no Rio de Janeiro, conforme se lê textualmente no tópico citado. António Carlos nada tinha, pois, que retificar a respeito. Ninguém contesta que a verdade histórica seja essa.

Mas a verdade é que tão depressa se soube em S. Paulo da promulgação dos decretos 124 e 125, José Bonifácio, antes que viesse do Rio qualquer emissário conversar com ele sobre o assunto, como já o deixamos documentalmente provado de modo irrefutável - reuniu a Junta de que era vice-presidente e propôs-lhe que se escrevesse a d. Pedro, pedindo-lhe que não partisse, e à Junta de Minas, solicitando-lhe franco apoio à operação tentada por S. Paulo.

Quer isso dizer que se o navio que trouxe os decretos, em vez de tocar primeiro no Rio, tocasse no porto de Santos, os paulistas teriam iniciado o movimento antes de os fluminenses o fazerem. Estes o encetaram primeiramente que qualquer outra província porque, como capital do Reino, recebia o Rio diretamente a correspondência oficial provinda de Lisboa; e de lá é que se dava conhecimento às outras.

Não foi, pois, um ardor patriótico mais vivo, nem uma visão mais segura dos fatos, que os levaram a tomar a dianteira aos demais povos na organização inicial do movimento, mas a mera fortuita circunstância de ser a província fluminense a sede do Governo Brasileiro.

Uma vez, porém, que, tanto no Rio como em S. Paulo, surgiu a mesma idéia na mesma ocasião em que os decretos se tornaram públicos - teríamos de concluir forçosamente que, ao invés de prioridade, houve apenas simultaneidade de propósitos - desde que se despreze o importante fator que declaramos acima: a localização da capital do Reino na cidade do Rio.

Se, todavia, formos julgar dos fatos pelas datas em que eles aconteceram, como pretende no seu discurso José Clemente Pereira, a conclusão terá que ser inteiramente favorável a S. Paulo. Diz o ilustre prócer que a representação desta província chegou ao RIo depois do dia 9, com a respectiva deputação - confundindo assim, de propósito ou por esquecimento involuntário, o ofício de 24 de dezembro com a fala de 31 do mesmo mês.

Confrontando-se, entretanto, as datas dos documentos, vê-se que o da Junta de S. Paulo é de 24 de dezembro de 1821, o do povo do Rio de Janeiro é de 29 do mesmo mês e ano, o do Corpo Comercial da mesma cidade é de 2 de janeiro do ano seguinte; e a fala de José Clemente a Sua Alteza Real é de 9 do último mês referido.

É claro, portanto, que muito embora a representação de S. Paulo, em vista da grande distância que separava as duas capitais, tivesse chegado ao Rio depois do Fico - o que formalmente e documentalmente se contesta - ainda assim, pela ordem cronológica preferida por José Clemente no seu discurso, pela data posta em cada documento por ele citado, verifica-se que foi nossa província a que primeiro se manifestou oficialmente em relação ao magno problema.

Entretanto, tal precedência cronológica não teria contribuído em nada para a resolução do príncipe, dado que o ofício de S. Paulo só lhe tivesse chegado às mãos depois que sua vontade já tinha sido irrevogavelmente comunicada ao povo.

Mas é o próprio príncipe quem, neste particular, refuta, com a antecipação de vinte anos, a errônea afirmativa de seu ex-ministro; é ele quem diz ao pai, em termos simples e claros, que recebeu a mensagem paulista na noite de 1º de janeiro de 1822, isto é, oito dias antes do Fico [1].

Ainda mais: a 4 do mesmo mês, d. Pedro respondia ao governo de S. Paulo, comunicando, por portaria expedida pela Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, a remessa da representação a d. João VI, para ser presente às Cortes. Não encontramos no Arquivo do Estado nem o original nem a cópia daquela portaria; dela, porém, nos dá notícia positiva o ofício que, com data de 16 do referido mês, escreveu a Junta Paulista ao bispo diocesano, d. Matheus, às Câmaras e mais autoridades da província, a quem mandava por cópia a dita portaria [2].

Aliás, todos os documentos que temos mencionado no decorrer deste longo capítulo, alguns dos quais se encontram em original manuscrito no Arquivo Público de nosso Estado, provam que a iniciativa paulista foi tomada pela Junta a 21 de dezembro, antes que tivesse partido do Rio o emissário dos cariocas, o qual só saiu de lá a 22, conforme sustentam José Clemente no seu discurso e vários escritores de nota nos seus tratados históricos.

Além disso, o gesto de d. Pedro a 9 de janeiro, os termos de sua segunda declaração, nasceram diretamente das sugestões do ofício de S. Paulo. De fato, que é que lhe pediam os fluminenses, pelo órgão da Câmara da Corte, pelo manifesto de seu povo, pelo requerimento de sua classe comercial, pela voz de seus oradores e pelos artigos de seus mais famosos jornalistas? Que o príncipe suspendesse o seu regresso, até que as Cortes, tomando em consideração as representações que lhe iam ser submetidas, resolvessem definitivamente a respeito.

Semelhante suspensão condicional não resolvia a questão, e teve como resultado a resposta aleatória dada primeiramente por d. Pedro ao Senado para conhecimento da população reunida em frente do palácio real.

A Junta de S. Paulo, ao contrário, não queria mais que o regente esperasse das pérfidas Cortes ilusórias providências; aconselhava-o com a maior franqueza a desobedecer aos iníquos decretos de 29 de setembro, o que equivalia a um peremptório e absoluto rompimento com o poder supremo que governava Portugal.

Retificando sua primitiva declaração, e afirmando ao pai que ficava, sem que sua vontade dependesse de qualquer ulterior deliberação das Cortes, d. Pedro uniu-se ao pensamento dos patriotas paulistanos, afastando-se do ponto de vista cauteloso e timorato que os fluminenses tinham adotado, e que dependia do acolhimento que o Soberano Congresso Português fizesse às representações que os  povos lhe iam endereçar.

Assim, pois, mesmo que a idéia de pedir ao príncipe para ficar tivesse partido inicialmente do Rio, é ao audaz conselho de S. Paulo que ele pede inspiração e coragem para ficar, em caráter definitivo, sem a prévia audição das Cortes recolonizadoras, a cujo alto poder sobrepôs varonilmente sua própria resolução e vontade pessoal, num amplo gesto decidido e enérgico.

E querem-se mais provas de que foi a representação de S. Paulo o fator principal do Fico histórico? Aí está a importância excepcional que lhe deram as Cortes quando a receberam. A Comissão Especial nomeada para tratar da administração definitiva do reino cisatlântico considerou a Junta de S. Paulo como "a principal autora do movimento do Brasil Meridional contra a organização dos governos ultramarinos, a extinção dos tribunais e o regresso do príncipe" [3] e mandou submeter a processo criminal os signatários da representação e os do discurso lido a 26 de janeiro por José Bonifácio, em nome do governo da província e câmara da Capital e o bispo d. Matheus, que subscreveu o manifesto em nome do clero de sua diocese.

Enquanto assim procediam contra o Governo de S. Paulo, contra a Municipalidade da Capital, contra o bispo e contra o clero da Diocese Paulopolitana, as Cortes não ligavam a menor importância aos termos em que foram redigidos o manifesto do povo do Rio, a petição de sua Junta de Comércio, e o discurso do presidente de sua municipalidade - por julgá-los de somenos valor no conjunto dos fatores que tinham contribuído para a atitude do príncipe em franca oposição às deliberações do Congresso.

E tais documentos tinham sido recebidos pelas Cortes na seguinte ordem: a representação de S. Paulo (de 24 de dezembro) na sessão de 15 de março de 1822; os papéis lidos no dia do Fico, a ata que do acontecimento se lavrou, a fala da deputação de S. Paulo, lida a 26 de janeiro por José Bonifácio, e o manifesto do bispo - na sessão de 9 de maio. E a 27 de junho entrava em debate o parecer da Comissão mandando processar criminalmente a Junta de S. Paulo.

Ferreira de Moura, o primeiro orador português de sua geração, analisando a correspondência de d. Pedro, chegou à conclusão de que as disposições deste tinham mudado muito depois que recebera o ofício de 24 de dezembro; "não há, pois - dizia ele - outro responsável das demasias do príncipe que o Governo Paulista" [4].

Guerreiro reconheceu que o movimento contra os decretos das Cortes nascera no Rio, mas aí "não ultrapassara o direito de petição consagrado pela doutrina constitucional, ao passo que José Bonifácio e seus consortes pronunciaram-se quais verdadeiros rebeldes, e como foram os primeiros que se manifestaram com esse caráter, deviam sofrer o rigor da lei" [5].

Finalmente Borges Carneiro reconhece que a responsabilidade dos atos reprovados do príncipe "cabe principalmente à Junta de S. Paulo, porque foi depois de conhecer a representação deste governo provincial, que se revoltou o regente contra a Assembléia Constituinte e se descomediu com os batalhões europeus" [6].

Outra prova de que a representação paulista foi que decidiu d. Pedro a ficar, encontramo-la no ofício da Junta de Pernambuco, a qual, agradecendo ao príncipe a sua resolução, "louva o patriotismo de seus caros irmãos de S. Paulo" [7].

Outra mais é o imparcial testemunho do próprio d. Pedro que, na sua proclamação de 8 de setembro de 1822 aos HONRADOS PAULISTANOS, confessa textualmente: "O amor que eu consagro ao Brasil em geral, e à vossa província em particular, POR SER AQUELA QUE PERANTE MIM e o mundo inteiro ME FEZ CONHECER PRIMEIRO QUE TODAS o sistema maquiavélico, desorganizador e faccioso das Cortes de Lisboa, me obrigou a vir entre vós, etc." [8].

Ainda outra prova em abono de nossa tese, e prova eloqüentíssima: quando sondado pelos agitadores cariocas sobre seus íntimos propósitos, assegurou-lhes o príncipe que se recebesse representações do Rio, Minas e S. Paulo, ficaria. Pois bem: chegou o ofício da Junta Provisional Paulista e nada mais foi preciso; d. Pedro não esperou pelas outras representações, declarou logo que não partiria, e, como era necessário dar "um caráter solene à resolução do príncipe de permanecer no Brasil", julgaram os patriotas "indispensável que se celebrasse um ato púbico e aparatoso" e pediram-lhe então "que marcasse dia e hora... e S. A. Real designou o dia 9 de janeiro" [9].

Cumpre também não nos esquecermos do depoimento de um contemporâneo dos acontecimentos, JOSÉ DIAS DA CRUZ LIMA [10], que foi oficial do nosso Exército no primeiro reinado e tomou parte nos acontecimentos políticos da época: "Se o Fico foi obra exclusiva do Rio de Janeiro, como fluminense disso nos ufanamos; porém com acanhamento o declaramos: a Província de S. Paulo, quanto a nós, foi a primeira a manifestá-lo, embora procurasse sustentar o contrário o conselheiro José Clemente Pereira, na Câmara dos Deputados, porque o seu amor-próprio parecia ofendido, tirando-lhe a primazia, a que se supunha com direito. Esta nossa opinião é sustentada pelo conselheiro senador Silva Lisboa, depois Visconde de Cairú".

Dos documentos conhecidos e analisados, e das opiniões dos historiadores e cronistas verdadeiramente imparciais, resulta que, se a prioridade cronológica do fato não coube aos paulistas, não coube também aos fluminenses, porque estes e aqueles, cada qual na sua respectiva província, cogitaram da necessidade de aqui permanecer o príncipe, sem nenhum entendimento prévio a esse respeito entre eles.

Relativamente, pois, à pesquisa de quem primeiro teve a lembrança de fazer o pedido a d. Pedro, não é aceitável a informação de José Clemente Pereira, quando declara que tal lembrança foi de José Mariano e José Joaquim da Rocha, porquanto no Rio não se poderia saber com segurança o que é que os paulistas pensavam e como estavam agindo naquela delicada emergência.

Ele, portanto, só poderia afirmar que na Corte - mas tão somente na Corte - os promotores da idéia tinham sido os patriotas nomeados acima e que tão assinalados serviços prestaram com a mais extrema dedicação à causa da independência.

De tais documentos e depoimentos resulta ainda, à luz da mais clara evidência e ao poder da mais desassombrada lógica, que o Fico, tal qual o resolveu d. Pedro na sua segunda e definitiva declaração, é filho direto da representação de S. Paulo, que foi a única a aconselhá-lo corajosamente a permanecer no Brasil, sem pedir licença às Cortes para tal, antes com absoluta e formal desobediência e desacato às suas decisões supositiciamente soberanas.

Sob este ponto de vista é indiscutível que a prioridade do acontecimento cabe ao Governo Paulista, isto é, a José Bonifácio, que teve a iniciativa de concitar o príncipe a tomar aquela atitude francamente revolucionária, enquanto os cautelosos fluminenses protelavam a solução da grave crise nacional até que as Cortes se pronunciassem em relação aos manifestos e petições que do Rio lhe iam ser enviados em nome da Câmara, do Comércio e do povo.

D. Pedro seguiu a rota que lhe traçou José Bonifácio na representação de 24 de dezembro; logo, é a José Bonifácio que se deve a ficada do príncipe nas condições em que se operou - de aberto rompimento com as Cortes soberanas, pela declaração formal de que permaneceria no Brasil em caráter definitivo, e não apenas temporariamente, para atender a passageiras circunstâncias e a interesses políticos de natureza transitória.

Ele aqui ficava para amparar e defender o belo Reino que as Cortes desassisadas pretendiam de novo reverter à sua antiga e miserável condição de colônia. Na própria admirável fala, produzida perante o príncipe a 26 de janeiro, José Bonifácio mantêm-se rigidamente nos conselhos que lhe deu no ofício de 24 de dezembro, embora a Câmara Municipal, afastando-se nesse particular da orientação do Governo Provisório e do bispo diocesano, entendesse que Sua Alteza Real devia "diferir o seu embarque até nova resolução do Congresso Nacional".

José Joaquim da Rocha

Imagem publicada com o texto

Um documento decisivo

Mas, até agora temos discutido somente com os documentos que os historiadores citam e transcrevem para sustentar suas divergentes opiniões relativamente ao culminante sucesso que, dentro de poucos meses, nos levaria à separação de Portugal e à nossa completa independência política e constituição em pátria soberana, e com os que achamos nos Arquivos do Estado, referentes à mesma época, tais como as Actas do Govêrno Provisório e as da Câmara da Capital.

Vamos agora reforçar vitoriosamente a lógica de nossa argumentação, com o exame de mais dois importantes documentos que se referem ao agitado prelúdio de nossas heróicas lutas emancipadoras.

De um deles, que é o Livro de Actas do Govêrno Provisório, apesar de já publicado pelo Arquivo Público de S. Paulo, não faz menção alguma neste particular, ao que supomos, nenhum dos cronistas e historiadores do nosso passado. O outro permaneceu inédito até agora, e fomos encontrá-lo naquele Arquivo, em meio às nossas incessantes investigações.

Ambos são da mais capital importância para o estudo e esclarecimento dos fatos relacionados com a obra de nossa independência política; mas o segundo é decisivo quanto à prioridade dos paulistas no movimento do Fico, conforme de seguida se verá.

Por ambos se vê que José Bonifácio, com o clarividente siso prático que tanto e tão notavelmente o distinguia entre seus contemporâneos de aquém e de além-mar; com a sagacidade política que lhe era ingênita; com a segura previsão dos acontecimentos que nos reservava o porvir para mui breve - já tinha pensado na urgente necessidade da permanência de d. Pedro neste reino e já tinha dado os passos preliminares indispensáveis para a imediata execução de sua idéia.

Efetivamente, a 6 de outubro de 1821, isto é - antes que tivessem chegado ao Rio os decretos promulgados a 1º desse mês, os quais só chegaram, como se sabe, a 9 de dezembro; antes que se conhecessem, portanto, os desígnios que só mais tarde as Cortes revelaram abertamente ordenando o regresso de d. Pedro; muitos meses antes, portanto, de começarem na capital as patrióticas manifestações em prol do 'Fico' - assentara o Governo Provisório, em sessão a que compareceram nove membros, que, no mesmo ofício em que se remetessem a Sua Alteza Real as Instruções para os deputados por S. Paulo às Cortes, que o dito governo, "julgando como uma calamidade pública sua ausência para Portugal; e reputando a sua existência no Brasil como um laço de maior precisão PARA A CONSERVAÇÃO DA INTEGRIDADE E CATEGORIA DESTE REINO, lhe peça a sua conservação nele" [11].

José Bonifácio, que tinha comparecido à sessão anterior, do dia 3, e que também comparecera à subseqüente, do dia 8, não esteve presente à sessão do dia 6, em que se tomou aquela importantíssima deliberação. Adivinha-se contudo que a proposição foi obra sua. Sente-se nas linhas modelarmente concisas de sua conceituosa redação, o pulso formidável do estadista que se ia formando aos poucos e vigorosamente sob o arcabouço do poeta, do mineralogista e do silvicultor.

Enquanto José Clemente Pereira e outros próceres do movimento carioca querem que d. Pedro fique, para evitar a separação, que seria principalmente a ruína de Portugal, a Junta de S. Paulo deseja a sua existência no Brasil como um laço da maior precisão para a conservação da integridade e categoria deste Reino. O que S. Paulo vê claramente é que a permanência de d. Pedro sustentará o centro político em torno do qual gravitarão as províncias, mantendo-se destarte a unidade de sentimento de todos os povos e a integridade do território nacional; o que S. Paulo vê com toda a lucidez é que a presença do príncipe conservará a categoria deste Reino, o que significava que a sua ausência rebaixará o Brasil ao seu estado anterior de mera colônia, sem governo próprio, sem liberdade e sem autonomia.

E tudo isso a Junta de S. Paulo via muitos meses antes, repetimo-lo, de chegarem à Corte do Rio os fatídicos decretos de 29 de setembro, e, portanto, muito tempo antes de se agitarem os patriotas do Clube da Resistência, o juiz de fora José Clemente Pereira, a classe comercial e a Câmara.

Ora, neste assunto, o Governo de S. Paulo só poderia ver com tanta claridade e segurança pelos olhos de José Bonifácio. A ata não diz de quem foi a proposta; mas não poderia ter sido do presidente Oeynhausen que assinou com relutância, meses depois, a representação de 24 de dezembro, segundo referem escritores do maior conceito. Aos demais membros do governo, com exceção de Martim Francisco, faltava capacidade e autoridade para tanto. É para nós fora de dúvida que foi Martim Francisco quem fundamentou a aludida proposição, refletindo o pensamento de José Bonifácio, com quem estaria de acordo forçosamente.

Até a publicação das Actas das Sessões do Govêrno Provisório de S. Paulo (volume II dos Documentos Interessantes), não tinha o ilustrado dr. ANTÓNIO DE TOLEDO PIZA encontrado naquela repartição nem os originais, nem as cópias das Instrucções aludidas e da representação que as acompanhava [12].

Mais felizes que o erudito pesquisador de nossa história, coube-nos a satisfação de encontrar copiado no Livro da Correspondência do Governo Provisório o segundo documento a que aludimos - o ofício de 11 de outubro, no qual o mesmo governo, dando execução à medida aprovada em sua sessão do dia 6, representava ao príncipe quanto à necessidade de sua permanência no Brasil, fazendo-lhe ver os perigos que este Reino correria com o seu afastamento e pedindo-lhe que daqui não saísse para Portugal.

Nesse documento que, dada a grande antecipação com que foi elaborado, é para nós tão notável como a famosa representação de 24 de dezembro, que determinou a ficada de d. Pedro, lêem-se conceitos desta natureza, referentes à atitude da Junta Baiana, que persistia, por seu ofício de 22 de maio, em não reconhecer o governo do Rio, porque, tendo d. João VI reconhecido a legitimidade das Cortes, não dispunha mais da necessária autoridade para nomear um loco-tenente que o substituísse na administração do Brasil: "A mão oculta de alguns homens, ou intrigantes, ou alucinados, ou ambiciosos, ou, finalmente, míopes em matéria política, trabalha por malograr os saudáveis frutos de nossa união, tentando arrancar a V. A. R. deste Reino, e com a sua retirada - A MAIOR DAS CALAMIDADES PÚBLICAS - desmembrar ou retalhar o Brasil em províncias separadas 'e com o sinistro, mas errado propósito de escravizá-las' [13], quando de sua execução só pode seguir-se inteira quebra na sociedade fraternal de ambos os povos, irmãos por sangue e por lei, a total separação de ambos os reinos, cuja união é ditada pela imperiosa lei do recíproco interesse... À vista, pois, do abismo de males com que o futuro nos ameaça, em nome de todo este povo... roga a V. A. R., como verdadeiro amigo da Constituição, e da prosperidade e união de todos os seus vassalos... interpor o seu justo e bem merecido valimento para com seu Augusto Pai, a fim de que ele represente às Corte a necessidade da conservação de V. A. R. na capital do Rio de Janeiro até a chegada de todos os deputados do Brasil e final conclusão de todos os negócios relativos à União, privativos do Reino do Brasil e particulares a cada província".

Por este documento se vê que o alarma produzido no seio do Governo Provisório foi determinado pelo ofício que a Junta da Bahia - em resposta ao que lhe enviara a 27 de abril o conde dos Arcos, participando-lhe a instalação da Regência e enviando-lhe um exemplar do respectivo decreto real - endereçou a 22 de maio ao mesmo ministro e no qual declarava não reconhecer a autoridade do príncipe, cuja investidura não fora determinada por Poder competente.

A atitude da importante província do Norte comprometia gravemente os interesses de nossa causa. A Bahia, conforme já notamos, só se preocupava com aniquilar mesquinhamente o prestígio político de sua antiga rival, e outras províncias acompanhavam-na nesse gesto imprudente e desavisado, tornando assim precária e mesmo sem objetivo algum a permanência do príncipe no Brasil, por ficarem extintas suas respectivas atribuições, o que determinaria sem dúvida seu pronto regresso para Portugal, ou por ato espontâneo seu ou a chamado das Cortes.

Para evitar essa calamidade, que redundaria na desastrosa fragmentação do reino americano, não havia outro recurso, se não o submeterem-se todas as províncias à autoridade central do governo do Rio. E é neste sentido que, desde 6 de outubro de 1821, se desenvolvem os patrióticos esforços da Junta de S. Paulo, orientada por José Bonifácio, para quem, já naquela época, a permanência de d. Pedro era questão capital para a conservação da integridade territorial e da categoria do Reino do Brasil.

ACCIOLI [14], citado pelo historiador ROCHA POMBO, diz que a Junta da Bahia, em sua resposta escrita a 3 de junho, presta ao príncipe regente sua obediência. "Parece, portanto - comenta o referido historiador - que só depois de 9 de janeiro é que a Junta da Bahia se recusa a obedecer ao príncipe" [15]. É evidente o equívoco de ambos, pois os escritores mais meticulosos afirmam que aquela Junta considerou-se desde logo independente do Governo do Rio [16]; que, não tendo d. João VI poderes para estabelecer regências, não reconhecia a autoridade do príncipe [17].

O próprio ROCHA POMBO, no texto em que pôs a chamada para a nota de ACCIOLI, diz o seguinte: "A atitude mais ameaçadora, e que mais preocupou o regente, foi a da Junta da Bahia, que, desde o princípio, declarou formalmente que d. João VI já não tinha poderes para conferir regências..." [18].

Aliás, o ofício da Junta de S. Paulo é positivo nos seus termos quanto à atitude da Junta da Bahia que, por oculta insinuação deste ou daquele intrigante, ambicioso ou incapaz, pretendia arredar do Brasil o príncipe regente. É sabido que foi esse, desde o começo, o estreito plano político dos baianos, ansiosos por se desforrarem da longa preponderância exercida pelo Rio de Janeiro sobre as demais províncias, na sua categoria de capital, o que sempre estimulara o despeito e a inveja dos povos situados ao Norte, e principalmente da Bahia, que não perdoava à sua feliz rival a transferência de sede da realeza.

Para esmagá-la, atiraram-se os baianos aos braços das Cortes fementidas; estas, ao retribuírem o amplexo entusiástico da Junta Provincial, depressa revelaram, nos seus gestos e nos seus atos, antes o instinto grosseiro da dominação do que o puro sentimento da fraternidade. Subtraindo-se à obediência de d. Pedro, deixara a Bahia de remeter para o Rio a quota a que era obrigada para custeio das despesas gerais do Reino - quota que passara a empregar inteiramente nos serviços provinciais; mas "caríssimo veio a província a pagar esse ato de rebeldia (comenta severamente VARNHAGEN), pois dele principalmente derivaram todos os males que lhe sobrevieram até proclamar-se a independência" [19].

Ofício de 11 de outubro de 1821

Efetivamente, a numerosa tropa lusitana que estacionava lá, e que tantos obstáculos criou à nossa emancipação, fora enviada à requisição da própria Junta, suspeitosa de que a Regência do Rio quisesse fazer valer pela força a sua menoscabada autoridade. No ofício do Governo Provisório de S. Paulo, que transcrevemos integralmente na nota abaixo [20], pede-se ao príncipe para ficar, até que as Cortes, pela interposição valiosa de El-Rei, resolvam sobre a organização definitiva do Brasil, depois de terem ouvido os seus deputados e de terem conhecimento das Instruções de que eram portadores os representantes paulistas e das quais o Senado Fluminense fez também o programa expresso das necessidades políticas do RIo e de todo o País.

Ainda não era bem clara a animosidade do Congresso contra nós; ainda não eram conhecidas aqui as medidas decretadas com o intuito de nos recolonizar; nem a boa fé dos paulistas poderia suspeitar que lá se estivesse legislando sobre o Brasil antes que toda a deputação americana tivesse tomado assento, isto é, com violação flagrante do estatuído no artigo 21 das Bases Constitucionais em vigor.

Esperava-se, pois, que as Cortes acedessem facilmente, se não a todas, ao menos à maior parte das proposições lembradas pelo Governo Provisório nos Apontamentos entregues aos mandatários de S. Paulo - tão justas e tão razoáveis eram, aos olhos dos paulistas, essas proposições.

Uma delas versava sobre a constituição de um Poder Executivo no Brasil, escolhido pelo Corpo Eleitoral e presidido pelo príncipe herdeiro durante o tempo em que a sede da realeza existisse na Europa. Ora, enquanto o Congresso não se pronunciasse a tal respeito, queriam os paulistas que não se retirasse do Brasil o príncipe, a quem caberia, pela organização proposta, a chefatura do governo. Daí, pois, o tom de súplica do ofício.

No momento, porém, em que as Cortes revelaram seus agressivos propósitos, já S. Paulo não requer, não pede coisa alguma, nada espera mais para assumir uma atitude franca de revolta; e aconselha o príncipe a desobedecer aos decretos humilhantes para sua dignidade e prejudiciais aos nossos interesses. A 24 de dezembro, quando já era essa a atitude dos dignos paulistas, os fluminenses ainda pugnavam pela primitiva amigável solução, a de 11 de outubro - o recurso às Cortes, o apelo para Portugal; no entretanto, a situação de um país em face do outro estava totalmente modificada em virtude das odiosas medidas de exceção adotadas contra nós pela ex-metrópole.

Em sua resposta, datada de 3 de novembro, limita-se d. Pedro, por intermédio do ministro do Reino, a acusar, em frases lacônicas, o recebimento do ofício da Junta Paulistana, e da Memória que o acompanhava [21]. Quanto ao pedido, suplicando-lhe para ficar - nem uma só palavra ou a mais passageira referência. É que aquele documento fora expedido, e chegara às mãos de Sua Alteza, poucos dias após os perturbadores sucessos militares de 4 de outubro, preparados pelo general Avilez à frente da Divisão Auxiliadora de que era comandante.

Conforme narramos no lugar competente, d. Pedro, por absoluta falta de elementos materiais de resistência, tinha capitulado então diante da força amotinada, que o suspeitava de tendências independencistas, aceitando sem descabida relutância todas as suas imposições.

Não era, pois, esse o momento propício para acolher com simpatia os votos de S. Paulo, que até lhe teriam parecido talvez, além de inoportunos - imprudentes, visto como no Rio o partido nacionalista ainda não estava perfeita e definitivamente organizado, havendo mesmo crescido número de brasileiros que propendiam mais para as Cortes, que o constitucionalismo doutrinário aureolava, do que para o herdeiro da Coroa, cujos impulsos flutuavam indecisos entre a tradição absolutista e as modernas idéias liberais [22].

Daí, sem dúvida, a razão por que, na resposta do príncipe, guarda-se prudente e absoluto silêncio em relação ao apelo que lhe dirigiu o Governo Provisório desta província. Quando lhe oficiou, este governo ainda não sabia dos acontecimentos sucedidos na Corte poucos dias antes, tanto que endereçou o ofício a Pedro Álvares Dinis, que já não era mais ministro do Reino, cargo de que fora demitido a 3 de outubro [23], por exigência da tropa insubordinada, sendo substituído pelo desembargador Francisco José Vieira, que foi quem respondeu por ordem do príncipe à decidida gente de S. Paulo.

O aparecimento do aludido ofício serve também para explicar satisfatoriamente porque é que no Rio de Janeiro "já se esperava, a 15 de dezembro, que chegassem primeiro as representações de S. Paulo e Minas para se levar ao regente o manifesto fluminense", segundo colhemos do venerando ROCHA POMBO [24]. Ora, se a 15, antes de partir para S. Paulo o emissário carioca, já se esperava que a província aderisse ao movimento, é que as opiniões de seu governo e povo eram assaz conhecidas dos políticos do Rio.

Acrescenta o mesmo ROCHA POMBO [25], comentando ANTÓNIO PIZA, que, "se José Clemente Pereira protestava que só se moveria de acordo com as representações das províncias, e se a 26 de dezembro começou ele a mover-se - é evidente que a 26 já ele sabia que as representações solicitadas seriam feitas".

E como poderiam os promotores cariocas do movimento contar antecipadamente com a adesão expressa de S. Paulo? É que o ofício de 11 de outubro teria sido mostrado por d. Pedro aos emissários que iam à sua presença, a fim de apalpá-lo sobre qual seria sua provável conduta naquelas apertadas circunstâncias...

O que não padece mais contestação merecedora de nota, é que o ofício de S. Paulo, de 11 de outubro de 1821, foi a primeira manifestação promovida no Brasil em prol da ficada do regente; e assim destrói por completo, não só as asseverações de José Clemente Pereira, no seu conhecido discurso, como também as de VARNHAGEN em diversos trabalhos históricos, nos quais o autor nega a indiscutível prioridade dos paulistas no movimento do Fico, somente para o efeito de apoucar a formidável ação de José Bonifácio nesse fecundo período de nossas lutas passadas.

Convém, aliás, observarmos mais uma vez que somente S. Paulo é que colocou a questão da permanência do príncipe no ponto de vista genuinamente brasileiro: d. Pedro precisava ficar a fim de tornar-se o grande centro coordenador, para o qual convergissem as províncias e para manter inalterável a categoria de Reino, de que já gozávamos.

No primeiro caso - apertavam-se os laços da unidade moral, ameaçados de relaxamento; e no segundo - impedia-se a desintegração do nosso território, porque, reconduzido de novo à antiga posição colonial de que se libertara havia mais de um lustro, o Brasil se fragmentaria irremissivelmente; umas províncias, fanatizadas pelos fementidos pregões do constitucionalismo de que as Cortes se ufanavam perfidamente, ficariam ligadas a estas, numa voluntária submissão humilhante ao governo de Lisboa; e outras se emancipariam do jugo lusitano, constituindo-se em pequenas e fracas nacionalidades independentes, a exemplo do que se passava então nas vizinhas possessões coloniais da Espanha.

Estamos convencidos de que o ofício de 11 de outubro foi traçado pelo mesmo vigoroso pulso que redigiu a representação de 24 de dezembro de 1821. Foi José Bonifácio, pois, quem primeiro levantou a voz neste País para implorar ao regente que não abandonasse terra de tão grande e promissor futuro; foi ele, portanto, o Patriarca do Fico, e como se assentou em dizer que os promotores deste feito cívico são os verdadeiros patriarcas de nossa Independência - já se não pode negar de boa fé que é ao nosso egrégio conterrâneo que cabe de fato e de direito a glória eterna dessa investidura póstuma!

E ainda que não fosse ele o redator pessoal do dito ofício, é fora de dúvida que, dada a sua preeminência intelectual e incontrastável preponderância política nos conselhos do Governo - teria sido o direto inspirador da magna providência que se propusera temerariamente ao príncipe.

De qualquer forma, porém - proposta, ou não, por José Bonifácio à Junta e a d. Pedro, a adoção de tal medida - o que é certo, perante nossa lógica argumentativa e a fidedignidade de nossa documentação, é que a prioridade do Fico pertence inquestionavelmente a S. Paulo!

[...]


NOTAS:

[1] Carta de 2 de janeiro, citada (Edição E. Egas, pág. 43).

[2] Eis na íntegra o ofício do Governo de S. Paulo ao bispo diocesano: "Havendo o Governo Provisório representado a S. A. R. o Sereníssimo Sr. Príncipe Regente deste Reino, em ofício de 24 de dezembro pp. o quanto convinha, não só ao Brasil, mas também à monarquia em geral, que o mesmo Augusto Senhor não se retire para Portugal, e muito menos ainda para ir indecorosamente por Espanha, França e Inglaterra, como haviam determinado as Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação; ou que ao menos S. A. R. não partisse sem que chegassem ao Rio de Janeiro os deputados deste governo e da Câmara desta cidade, que em nome do governo e do povo da província, assim lho vai requerer, S. A. R. imediatamente respondeu ao Governo pela portaria de 4 do corrente, expedida pela Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, da cópia inclusa, certificando que já ia remeter aquele ofício ao Governo de Sua Majestade, o Nosso Amado Soberano, e seu Augusto Pai, para ser presente às Cortes, a fim de se darem as providências que exigem as necessidades do Brasil, e que este requer. O Governo se apressa a comunicar esta notícia a V. Exa. para sua inteligência pelo muito que V. Exa. aprecia a permanência de S. A. R. neste reino, como base fundamental da prosperidade do mesmo, e união dos três reinos. Deus Guarde a V. Exa. Palácio do Governo de S. Paulo, 16 de janeiro de 1822. Exmo. e Revmo. sr. bispo diocesano. Com três assinaturas dos srs. do Governo". (ESTÊVÃO LEÃo BOURROUL - São Paulo Histórico, nº 1, página 51; Docs. Ints., vol. 37º, pág. 250). Os grifos são nossos (N.E.: isto é, do autor Alberto Sousa).

[3] GOMES DE CARVALHO - Obr. cit., pág. 313.

[4] GOMES DE CARVALHO - Obr. cit., pág. 328.

[5] Idem, ibidem, pág. 331.

[6] Idem, ibidem, pág. 325.

[7] Idem, ibidem, pág. 320.

[8] HOMEM DE MELLO - Hist. Política do Brasil, pág. 223.

[9] ROCHA POMBO - Obr. cit., vol. 7º, pág. 617.

[10] Refutação do livro "O Primeiro Reinado" (de Luís Francisco da Veiga), pág. 13 (Typographia Universal de E. & H. Laemmert, 1877). Poucos pormenores sabemos da vida de Cruz Lima. Do trecho que acima transcrevemos evidencia-se que era fluminense; e, do que se colhe à pág. 45 do seu opúsculo, vê-se que, quando se deu no Rio a revolta dos batalhões estrangeiros, a 11 de outubro de 1828, ocupava um posto militar em nosso exército, tendo sido nomeado nessa ocasião para auxiliar do segundo comandante de Cecille, sob cujas ordens desembarcaram da esquadra francesa, fundeada na Guanabara, 400 marinheiros para coadjuvarem a Tropa Nacional na repressão da revolta.

Agraciados respectivamente de Cecille e o primeiro comandante Rabodit com o grau de cavaleiro e o de oficial da Ordem do Cruzeiro, recebeu Cruz Lima a incumbência, por parte do imperador, de levar-lhes pessoalmente aquelas insígnias. SACRAMENTO BLAKE (obr. cit., 4º vol., pág. 404) informa que o referido militar e escritor fora conferente da Alfândega da Corte e oficial-maior da Diretoria Geral dos Correios. Faleceu no Rio de Janeiro em dezembro de 1880, agraciado com várias condecorações nacionais e estrangeiras.

[11] Actas das Sessões do Govêrno Provisório de São Paulo (1821-1822), pág. 68. A esta sessão estiveram presentes: o presidente Oeynhausen, Martim Francisco, Lázaro Gonçalves, Oliveira Pinto, António Maria Quartim, Francisco Ignácio, brigadeiro Jordão, André da Silva Gomes e Paula e Oliveira.

[12] Actas das Sessões do Govêrno Provisório de São Paulo (1821-1822), pág. 68, nota 1.

[13] No Livro de Correspondência do Governo Provisório, a frase que vai entre aspas está assim redigida: "e sem o sinistro, mais errado propósito de escravizá-las", o que contradiz o teor do ofício. É naturalmente erro de cópia do amanuense que trasladou para o referido livro o original ou a minuta.

[14] Memórias Históricas da Bahia, vol. 2º, pág. 32.

[15] ROCHA POMBO - História do Brasil, vol. 7º, pág. 568, nota 1.

[16] VARNHAGEN - Hist. da Indep., pág. 359.

[17] PADRE GALANTI - Comp. de Hist. do Brasil, vol. IV, pág. 110.

[18] Obr. citada, vol. e pág. cits.

[19] Obr. cit., pág. 359.

[20] É este o texto integral do ofício de 11 de outubro de 1821: "Senhor - Havendo esta província, na conformidade do decreto de 7 de março deste ano, e instruções que o acompanharam, procedido e ultimado a nomeação dos deputados que devem representá-la nas Cortes Extraordinárias e Gerais da Nação Portuguesa, congregadas em Lisboa, julgou este governo do seu dever entregar aos ditos deputados, com as Memórias das Câmaras, os Apontamentos que agora leva à presença de V. A. R., como sincera expressão dos seus sentimentos a bem da regeneração política de todo o Império Lusitano, nos quais, passando aos negócios do Reino do Brasil, depois de haver ventilado os da União, com a mira nos princípios de recíproca igualdade, pede se conserve intacta a categoria e indivisibilidade outorgada por seu Augusto Pai, no alvará de 16 de dezembro de 1815, e nele se estabeleça um Governo Geral Executivo, ao qual, como a um centro, fiquem sujeitos todos os governos provinciais debaixo de certos limites prescritos pela Lei, sendo aquele presidido por V. A. R., como príncipe hereditário da Coroa enquanto a sede da monarquia não existir no Brasil, por ver que pelo ofício de 22 de maio do corrente ano, do deslumbrado Governo da Bahia, ofício contrário ao § 21 das Bases, pois que aquela província não tinha ainda deputados nas Cortes, ofício claramente atentatório aos direitos e interesses mais caros de todo o povo do Brasil, e cuja aprovação deu talvez azo ao projeto, ainda não discutido, de Constituição Política, no qual nenhuma palavra se articula sobre os negócios da União, e sobre os particulares deste Reino, apesar do juramento prestado pelo sr. d. João VI, nosso Rei Constitucional, e seu Augusto Pai, pela marcha progressiva dos negócios públicos em Portugal, a mão oculta de alguns homens, ou intrigantes, ou alucinados, ou ambiciosos, ou, finalmente, míopes em matéria política, trabalha por malograr os saudáveis frutos de nossa união, tentando arrancar a V. A. R. deste Reino, e com a sua retirada, a maior das calamidades públicas, desmembrar ou retalhar o Brasil em províncias separadas, e com o sinistro, mas errado propósito de escravizá-las, quando de sua execução só pode seguir-se inteira quebra na sociedade fraternal de ambos os povos, irmãos por sangue, e por lei; a total separação de ambos os reinos, cuja união é ditada pela imperiosa lei do recíproco interesse, guerras civis alimentadas por todas as paixões hediondas e corrosivas, que a história nos apresenta sempre em iguais revoluções, e por último ambos os reinos completamente arruinados, talvez sucumbindo à ambição e política européia.

"À vista, pois, do abismo de males, com que o futuro nos ameaça, o Governo Provisório, em nome de todo este povo, pronto a defender os interesses dos tronos de seu Augusto Pai, e a Constituição, que lhes serve de esteio, como outrora seus antepassados pugnaram pelos interesses dos Srs. Reis e Augustos Predecessores de S. Majestade, em nome de todos os bons brasileiros, ou portugueses de ambos os Hemisférios, roga a V. A. R., como verdadeiro amigo da Constituição, e da prosperidade e união de todos os seus vassalos, se digne mandar publicar pela Imprensa os Apontamentos juntos, e fazê-los espalhar por todas as províncias de Portugal, e do Brasil, a fim de que o povo seja iluminado sobre os seus verdadeiros interesses, e interpor o seu justo e bem merecido valimento para com seu Augusto Pai, a fim de que ele represente às Cortes a necessidade da conservação de V. A. R. na capital do Rio de Janeiro até a chegada de todos os deputados do Brasil e final conclusão de todos os negócios relativos à União, privativos do Reino do Brasil e particulares a cada província.

"Tais são, Senhor, os ardentes votos deste Governo, que só tem por fito a harmonia e prosperidade futura do vasto Império Lusitano. A Pessoa de V. A. R. guarde Deus muitos anos. Palácio do Governo de S. Paulo, 11 de outubro de 1821 - Com as assinaturas dos Exmos. Srs. do Governo." (Registro de Ofícios, 1816-1822, nº 61).

[21] Documentos Interessantes, vol. XXXVI, pág. 148.

[22] ARMITAGE - Obr. cit., pág. 27 (Ed. Paulista).

[23] Documentos Interessantes, vol. cit., pág. 146.

[24] Obra citada, volume 7º, páginas 610 e 611, nota nº 1.

[25] Idem, ibidem, páginas e nota citadas.

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