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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - VISITANTES
Presidente brasileiro Washington Luiz

Algo quase impensável neste início de século XXI, imagine-se num belo dia de sol, passeando pela areia da praia, encontrar ali um ex-presidente da República, acompanhado de belas garotas, fazendo também o seu passeio.

Pois o registro da visita do presidente Washington Luiz às praias santistas - usando chapéu, bengala e terno completo - foi feito pelo jornal santista A Tribuna, na página 18 de sua edição de domingo, 20 de julho de 1952 (ortografia atualizada nesta transcrição):


Imagem: reprodução parcial da matéria original

Santos e a temporada balneária

No dizer de Martins Fontes, as nossas praias "são plainos unidos, são curvas infindas, frutais solitários, à beira do mar..." e abrigam algumas centenas de milhares de forasteiros - O que a reportagem da A Tribuna observou numa manhã de sol

Texto de Hamleto Rosato

Fotos de Rafael Dias Herrera

Santos, pelas vozes e magistrais versos de dois de seus filhos - Martins Fontes e Vicente de Carvalho - teve as suas praias glorificadas. Inspirando-se na natureza prodigiosa de nossa terra, esses dois saudosos vates cantaram como só os grandes artistas sabem fazê-lo, as praias santistas, hoje atração inconteste de milhares e milhares de brasileiros e estrangeiros.

Diante desse "mar, belo mar selvagem", como disse Vicente de Carvalho, Martins Fontes, esse poeta ciclone que aqui nasceu e expirou, encontrou motivos de sobra para dar vazão aos seus sentimentos, à sua arte de versejar, deixando-nos inspirados versos, onde a beleza de Santos aparece em todo o seu esplendor.

O autor de Verão, como bom santista que foi, escrevia com admirável felicidade, interpretando bem os sentimentos de nossa gente: "De minha terra, para minha terra,/Tenho vivido. Meu amor encerra/A adoração de tudo quanto é nosso./Por ela, sonho num perpétuo enlevo./E, incapaz de servi-la quanto devo/Quero ao menos amá-la quanto posso".

Com esse amor pela sua cidade natal, com esse sentimento hospitaleiro que caracteriza os filhos de Santos, Martins Fontes recebia - como hoje se recebe - os forasteiros com a alma aberta, segundo nos revelou em Canção Caiçara: "De onde vens, patrício, camarada, amigo?/Salta da canoa, vem pousar em paz./És dos Alcatrazes ou do Bom-Abrigo?/De uma das Queimadas ou dos Sanzalás?"

A Canção é sublinhada com esse terceto, que marca, e muito bem, a hospitalidade da gente santista: "Sem saber teu nome, dou-te o meu afeto,/E no comunismo do meu pobre teto./A farinha é tua, todo o peixe é teu".

"As praias paulistas são lindas, tão lindas" - Diante da imensidão de nossas praias, hoje recebendo milhares e milhares de pessoas, vindas dos mais distantes rincões do país, Martins Fontes cantou, em Canção Praiana: "As praias paulistas são lindas, tão lindas/Que em sua beleza não têm similar.../São plainos unidos, são curvas infindas,/Frutais solitários, à beira do mar..."

O nosso glorioso vate prosseguia: "Tais quais avenidas, velódromos, pistas,/Se estendem por léguas e léguas além.../E a todos assombram as praias paulistas,/Por serem tão alvas, tão firmes também..." - E mais adiante acrescentava: "Ilhéus espaçados, rochedos sombrios,/Por entre nuvedos de escuma e crespão.../E, ao longe, cruzando-se, os grandes navios/Que vêm da Argentina, que vão ao Japão..."

Das. Olga, Carolina e Tina, sentadas, conversam, enquanto a primeira dá uns pontinhos no belo écharpe; (...)

 

(...) ao centro, dois garotinhos, Roberto e Ricardo, filhos da sra. G. Colombo, "arquitetam" castelos (...)

 


(...) e, por último, sem tomar conhecimento do que se passa ao redor, esse senhor descansa, cobrindo o rosto, por causa do sol, com um chapéu de palha. A vida assim é melhor. "Você é que é feliz, primo...", disse o fotógrafo, quando bateu a chapa

Fotos e legenda publicadas com a matéria (cor acrescentada por Novo Milênio)

 

Sol e areia - Santos vem recebendo, de tempos a esta parte, centenas de milhares de turistas. Procedem de São Paulo, Campinas, outras cidades do hinterland, de Estados vizinhos e das regiões mais distantes do pais. Turistas estrangeiros nós os encontramos às centenas pela orla marítima. Agora, época de férias, a cidade deve estar com uma população flutuante de cerca de cinqüenta mil pessoas. E as nossas praias, como não podia deixar de ser, são a atração máxima.

Quinta-feira, pela manhã, a reportagem da A Tribuna visitou o Gonzaga. Milhares de pessoas ali se encontravam. Maillots brancos, azuis, sulferinos, lilazes, pretos, formavam na areia um outro oceano, um oceano humano, de corpos claros e morenos, que como as águas do Atlântico, também ondulavam.

Homens, mulheres e crianças. Brasileiros e estrangeiros. Paulistas, santistas, mineiros, nortistas ou mesmo cariocas aproveitavam a bela manhã, gozando os raios solares à beira do mar. Na sua amplidão, o Gonzaga, confundindo-se com José Menino, Boqueirão e Ponta da Praia, formava um aspecto diferente, movimentado. Dir-se-ia que o astro-rei enviava a Santos os seus raios mais salutares.

Brotinhos... - Descansando na areia, com o corpo estendido, ou passeando, ali estavam os brotinhos. Iam e vinham, iguais às ondas do mar. Ao passar por um grupo de rapazes, sabiam caminhar com elegância própria do belo sexo. Não havia, entretanto, malícia. Apenas a admiração pelo belo. Os rapazes continuavam conversando... até o momento que outros brotinhos passavam. Só aí a conversa parava. O assunto terminava. Paravam-se os movimentos. Só os olhos não paravam...

Depois tudo prosseguia. A vida continuava. As ondas, ali perto, iam e vinham, imitando, com certeza, aquelas moças jovens e bonitas que vieram passar as férias em Santos...

Crianças e castelos de areia - Formando um mundo à parte, as crianças, de cócoras, construíam castelos de areia. Com baldes, pás e pedacinhos de tábuas, os menores não ligavam ao que se passava em redor. A vida, para eles, eram os pequenos castelos. Um ou outro, completamente despido, acompanhado de sua mamãe, era conduzido para a água. Na areia molhada, procurava, então, outra distração. E a mais prática era fazer buracos, que as ondas desmanchavam logo a seguir.

Se para os brotinhos a praia é motivo para a apresentação de belos maillots, para os guris ela se constitui no melhor dos mundos. Um mundo livre, sem calção, sem sapatinhos, despidos como quando vieram à luz do dia.

Reunindo o útil ao agradável - A praia é de todos. Cada qual a aproveita como quer. Uns descansam, completamente estendidos, aquecendo-se ao sol. Outros passeiam. Há ainda os que preferem ficar dentro d'água o tempo todo. Mas, há também quem, sentada na areia ou sob uma esteira, aproveita o tempo. Vimos três senhoras. Palestravam animadamente. Perto brincavam os seus filhos. Enquanto palestravam, uma delas, d. Olga Cartollacci, dava alguns pontinhos num belo écharpe.

Aproximamo-nos. Bem atendidos, e d. Tina Bertano, a primeira a nos falar, respondeu: "Gostamos imenso de Santos. Somos de São Paulo. Temos aproveitado estes belos dias de sol. Estamos satisfeitíssimas. Esse mar é tão belo". Dona Carolina Donato, outra amiga de d. Olga, assim se manifestou: "Este sol vale ouro. O mar é um encanto. O ar que respiramos nos dá a vida e alegria. É por isso que gostamos de Santos. Bela terra. Gente boa. Pessoal hospitaleiro".


Durante a temporada balneária, as praias santistas, principalmente a do Gonzaga, se apresentam assim: festivas, alegres, acolhedoras, ensejando a todos um sol radiante, um ar iodado, uma areia amena, por onde passam milhares de pessoas. Quinta-feira última a praia do Gonzaga apresentava os aspectos acima. Vemos, em primeiro lugar, pouco além do Posto de Salvamento, um galho de árvore que parece querer se dirigir também para o mar, enquanto, na areia, banhistas descansam. (...)

 

(...)Ao centro, um ciclista (aliás o mais prudente que vimos até hoje nas praias), passeia, enquanto o garoto ao lado, está iniciando a construção de um "castelo". (...)

 

(...) Ainda em cima, à direita, sol e sombra, isto é, enquanto essas belas banhistas sorriem, sentadas, tomando sol, as suas sombras se projetam na areia, essa bendita areia das praias santistas...  (...)

 

(...) Em baixo, sem tomar conhecimento do tempo, o dr. Washington Luiz Pereira de Sousa, ex-presidente do Brasil, passeia, acompanhado por uma guarda de honra que causa inveja;  (...)

 

(...) ao centro, o velho japonês, com os balaios, procura ganhar a vida, enquanto um garoto o observa, com as mãos na cintura; (...)

 

(...) por fim, numa esteira, três banhistas são alvo direto do sol

Fotos e legenda publicadas com a matéria (cor acrescentada por Novo Milênio)

Quando a velhice chega... - Há, no meio daquela multidão, cidadãos idosos. Estes, evidentemente, não estão de calção de banho. Geralmente trajam-se com uma calça de linho e uma camisa Jean Sablon. Vão à praia para tomar banho de sol. Sentam-se, geralmente, nos bancos que ficam do lado do mar. De vez em quando andam um pouco. Param, contemplam o mar.

Naturalmente, nesses momentos, estarão evocando fatos da mocidade que já se vai... Os olhos perdidos para os lados da Ponta da Praia, parecem querer encontrar uma visão qualquer. Talvez nem eles mesmos saibam. O olhar vagabundeia um pouco e volta. Aí continuam a andar.

Falamos com um cidadão. Benigno André Hernandez. É brasileiro, descendente de espanhol. Rindo, enquanto os seus olhos acompanhavam duas pequenas bonitas, falou: "Estou velho, porém ainda não perdi o sentido da beleza. Gosto de ver mocidade. Ela representa a vida". E depois de uma ligeira pausa: "Nós outros representamos uma reticência, um passado, cujo ponto final está perto. Mas enquanto puder vir a Santos e contemplar a magnificência de suas praias, aproveitar este sol e este ar iodado, aqui estarei".

Bicicleta, constante perigo - Há tempos, já nos referimos ao perigo que constitui o uso de bicicleta nas praias. Há marmanjos que, sem a necessária prudência ou equilíbrio, se põem a correr, pondo em constante perigo a integridade física das pessoas que se encontram na praia. É um abuso que cabe à Polícia especializada em trânsito coibir. Deve o delegado de Trânsito proibir bicicletas nas praias. As únicas que poderão ali permanecer serão as de crianças.

Casos tristes temos assinalado. Ainda outro dia, um menor foi vítima da imprudência de um ciclista. O pequeno quase perdeu a vista. Até quando irá essa condescendência para os ciclistas?

Um pouco de futebol - Além dos marmanjos que passeiam de bicicleta, há também outros que, ou por ignorância ou por abuso, praticam o futebol nas praias. É um outro abuso que precisa terminar. Para isso se faz necessário um policiamento amplo, constante, eficaz.

Japoneses e japonesas... - Muitas são as pessoas que, com as mais variadas bugigangas, ganham algum dinheiro na orla marítima. Geralmente essas pessoas são japoneses e japonesas. Homens e crianças, de ambos os sexos. Vendem baldes para crianças, petecas, bóias, pazinhas, objetos e brinquedos, chapéus para sol e outras mercadorias. Há ainda os que vendem frutas e biscoitos.

Incansáveis, à procura de possíveis fregueses, lá se vão os japoneses, com os balaios às costas. Percorrem toda a extensão da praia. Enquanto trabalham se divertem, vendo os outros a se divertirem. Não falam. Oferecem a mercadoria com poucas frase. Também não insistem muito. Limitam-se a pronunciar algumas palavras: "Compra, fregueso. Baratinho, ?"

Um guarda-civil e muitas amizades - Quem freqüenta a praia do Gonzaga forçosamente conhece um guarda-civil. "Bigode" é como é conhecido. Guarda-civil atencioso, há vários anos está escalado para aquele trecho da cidade. Todos o conhecem e o estimam. Seu raio de ação é amplo, embora seu ponto principal seja em frente ao Posto de Salvamento. Com brandura, chama a atenção dos que precisam entrar na linha... Os engraçadinhos são advertidos.

Tudo, porém, o prestante guarda-civil faz sem alarde. Não faz onda, embora esteja perto do mar. Na avenida fiscaliza, com atenção carinhosa, quando famílias com crianças atravessam a Av. Presidente Wilson. Aí se ouve um apito. O braço direito de "Bigode" se levanta e os automóveis param. É uma espécie de anjo da guarda das crianças, com farda... Presta aos banhistas que desconhecem a cidade todas as informações pedidas. Sabe ser polícia. Sabe ser cidadão e, o que é mais, mostra que a hospitalidade santista está em toda parte. Isto é o que interessa à cidade.

Um homem passeia tranqüilo... - Impecavelmente vestido, com uma bengala na mão direita, um homem passeava tranqüilo pelos jardins da praia. Junto à "Fonte 9 de Julho" parou. Seu ar imponente nos chamou de imediato a atenção. Seu rosto, ostentando barba branca bem cuidada, foi há anos alvo de fotógrafos nacionais e estrangeiros. Seu nome pertence à história pátria: Washington Luiz Pereira de Sousa.

O repórter se aproxima e cumprimenta. Sempre gentil, demonstrando perfeita saúde, ombros largos e levantados, o ex-presidente da República do Brasil responde, amável, ao cumprimento. Nesse mesmo instante, várias moças se aproximam. A primeira, mais desembaraçada e já conhecida do ilustre cidadão, cumprimenta, amistosamente: "Salve, dr. Washington. Já estava sentindo sua falta". Foi Ligia Negrini Queiroz quem pronunciou essas palavras. As outras: Lais Lazaro, Helena Maffei Cruz, Denisa de Oliveira Lima e Vilma Godói Moreira, cumprimentam o ilustre brasileiro.

Sempre sorrindo, o dr. Washington Luiz vai cumprimentando todas. Trocam-se algumas palavras. E os belos brotinhos cercam o distinto cidadão. Depois caminham todos, para uma sombra. Param. O repórter aguarda a efusão de alegria das moças. Numa oportunidade, pergunta: "Dr. Washington, que tal acha as praias e... essas moças, verdadeiras fãs?"

- "Umas e outras admiráveis. As praias santistas são tão belas! E essas jovens são tão graciosas! Aliás, algumas são minhas conhecidas. Trocamos idéias sobre o tempo, o tempo que caminha..."

Alguém ao nosso lado, depois de cumprimentar respeitosamente o ilustre cidadão, ajuntou à frase do ex-presidente: "...mas que v. excia. não sente, rodeado como está de tão belas brasileiras".

E, depois de dizer que goza de boa saúde, o dr. Washington Luiz, tendo ao lado as suas admiradoras, prosseguiu no passeio. Um sol esplêndido coloria o ambiente. A praia regurgitava. As ondas, lá adiante, vinham depositar espumas brancas na areia. Tudo era vida.

E o repórter, sentindo a grandeza daquela manhã de quinta-feira, caminhou mais um pouco. Seu pensamento trazia a eterna presença de Martins Fontes. Somente o nosso saudoso Zezinho Fontes sabia sentir e dizer a beleza de nossas praias com tanta exuberância. Sentiu tanto a beleza de sua terra natal, que escreveu: "Vivi nestas praias... Espero que, um dia,/Aqui me sepultem, me deixem ficar.../Exposto desnudo, como eu bem queria,/Num seio de areia, defronte do mar..."