Na última semana, quando centenas de candidatos faziam o impossível
para chamar a atenção, ganhar algumas linhas nos jornais, conquistar um ou outro eleitor ainda relutante, Albert Sabin passou por Santos como uma
estrela. O cientista, descobridor da vacina oral contra a Poliomielite; o "homem do mundo", como foi chamado, devido a suas andanças a lutar pela
utilização adequada de sua descoberta, Sabin conseguiu uma unanimidade que certamente causou inveja aos políticos.
Aliás, quando veio ao Brasil em 1973, para participar da 25ª Reunião Anual da SBPC,
ele afirmou estar, nos últimos anos, mais ligado à política do que à Ciência, trabalhando no planejamento das pesquisas científicas, de maneira a
torná-las realmente capazes de auxiliar na solução dos problemas humanos, principalmente na área da saúde pública.
Sua luta é pela compreensão, por parte dos governos do mundo inteiro, da
necessidade de cooperação internacional nos planos de saúde. "A solução dos problemas de saúde não é só questão de pesquisa científica - diz Sabin
-, mas da aplicação dos conhecimentos tecnológicos e do apoio de todos os países. A mais grave doença que aflige a humanidade é a pobreza. E contra
ela a Ciência pouco pode fazer".
Sabin, um pesquisador preocupado com a aplicação prática da Ciência
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Sabin: a política da ciência
Foi a leitura de um livro - o Caçadores de Micróbios,
de Paul Kruif - que levou Albert Sabin a interessar-se pela Medicina. De origem judia, a família Sabin trocou a Polônia, sua terra natal, pelos
Estados Unidos, fugindo do anti-semitismo. Lá, um tio prontificou-se a financiar sua educação, desde que estudasse Odontologia, o que chegou a fazer
durante dois anos, até perceber qual era sua verdadeira vocação.
Diplomou-se pela Universidade de Nova Iorque em 1931, e seu trabalho de pesquisa
começou ainda na faculdade, em 1926, no Departamento de Bacteriologia. Como interno, em 32 e 33, recebeu treinamento em Patologia, Cirurgia e
Medicina Interna. Depois, trabalhou em vários centros de pesquisa, até fixar-se no Hospital das Crianças, em Cincinati, onde ficou durante 30 anos,
os últimos nove como professor especial do serviço de pesquisas da instituição.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Sabin dedicou-se a pesquisas de doenças epidêmicas
de interesse das forças armadas americanas, realizando missões especiais no Egito, Palestina, Itália, Okinawa, Filipinas, Japão, Coréia e China.
O combate contra a poliomielite começou em 1931, e só foi terminado 30 anos depois,
quando a vacina oral passou a ser produzida para o uso em massa, por todo o mundo.
"A descoberta não é uma revelação divina.
Exige muito trabalho e muitos erros"
Foi preciso provar que o vírus se introduz no organismo pela boca, e se aloja nos
intestinos; depois, conseguir que a vacina fosse introduzida adequadamente no tubo digestivo; isolar o vírus vivo e atenuá-lo, tornando-o incapaz de
provocar a doença, mas capaz de provocar a formação de anticorpos. Solucionados esses problemas, a vacina Sabin tornou-se 100 por cento perfeita,
proporcionando imunidade para toda a vida, para os três tipos de vírus existentes.
Além da pólio, Sabin estudou doenças infecciosas como a pneumonia, a artrite, a
meningite asséptica, febres tropicais, diarréia infantil e outras. Ao mesmo tempo, trabalhou em comitês relacionados com o planejamento e
financiamento de pesquisas médicas. Em 63, serviu como delegado americano na Conferência das Nações Unidas para a Aplicação da Ciência e Tecnologia
em Benefício das Áreas Subdesenvolvidas. Para ele, o cientista, mesmo isolado em seu laboratório, jamais pode esquecer que a sua função é promover o
bem-estar material e espiritual de todos.
"Não pode haver separação entre ciência e humanismo,
nem mesmo por alternação"
Depois de descoberta a vacina antipólio, Sabin passou a viajar pelo mundo. Foi um dos
poucos judeus recebidos por Nasser, Hussein e outros dirigentes árabes. O contraste entre a riqueza de poucos e a miséria de muitos, que viu em suas
andanças, fez com que sua luta extravasasse dos meios científicos para os políticos.
Sua guerra contra o câncer vem de 1962, quando começou a estudar o possível papel
desenvolvido pelos vírus no câncer humano. Depois de mais de 10 anos de intensa pesquisa, Sabin anunciou, em abril de 73, que dois vírus do tipo
herpes simplex desempenham papel importante em certos tipos de câncer: labial, bucal, nasal, da garganta, do rim, da bexiga, da próstata, do
colo uterino e da vulva.
Esses estudos abriram caminhos inteiramente novos para a pesquisa, e também associaram
o vírus da gripe ao câncer humano. "Um desses caminhos - afirma - pode ser no sentido de uma vacina, mas não é possível fazer previsões no estágio
atual. Todas as especulações sem fundamento científico são contrárias ao interesse público. É terrível exagerar sobre as descobertas e conquistas no
campo do câncer".
Quanto à vacina aerossol contra o sarampo, Sabin anunciou, há dias, que já no começo
de 83 será possível considerar um plano de vacinação em massa contra essa doença. Esclareceu que não se trata de uma vacina nova, mas um novo
procedimento de vacinação em massa, utilizando uma das vacinas já existentes. A aplicação, muito fácil (aerossol), poderá ser feita em crianças de
poucos meses, por pessoal não especializado - voluntários, como no caso da pólio -, o que permitirá a erradicação da doença, causadora de seqüelas
graves.
"Há diferentes estágios na vida científica.
Às vezes faz-se as coisas com as próprias mãos;
às vezes inspira-se outras pessoas ao trabalho"
Depois de preparar os cientistas do Instituto Weissman, de Israel, para darem
continuidade às pesquisas contra o câncer, Sabin instalou-se em Washington, onde trabalha pela compreensão dos governos do mundo inteiro para a
colaboração internacional nos planos de saúde.
Com a pesquisa sobre o câncer, o cientista considera terminada sua parte nas
atividades de laboratório. Ele espera, agora, agir como catalisador, no desenvolvimento de novos tipos de pesquisa no campo da ciência, hoje
negligenciados. Sabin realizou, até hoje, os seguintes trabalhos científicos:
Descoberta do
vírus B como agente causador de doenças fatais.
Estudos sobre
a natureza da poliomielite humana, sua forma de contágio e epidemiologia em várias partes do mundo, incluindo expedições científicas ao Oriente
Médio, Okinawa, Filipinas, Japão, Coréia, China e Alemanha; trabalhos sobre o vírus atenuado da pólio para a fabricação da vacina oral.
Estudos sobre
a natureza da encefalite, especialmente o vírus da encefalite japonesa e sua epidemiologia no Japão, na Coréia e na China; desenvolvimento de uma
vacina contra a doença.
Isolamento do
vírus de febres tropicais no Oriente Médio, Sicília e outras regiões da Itália, e elucidações de sua natureza.
Primeiro
isolamento do vírus da toxoplasmose, nos Estados Unidos, desenvolvimento e método de diagnóstico, e descobertas de seu papel na doença humana.
Estudo sobre
vírus como possível causa do câncer.
Na Casa da Esperança, as maiores emoções
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Um sonho realizado
"Hoje é um dia especial.
Diríamos até muito especial, porque estamos diante de um homem que, na solidão dos
laboratórios, trabalhou obstinadamente para fechar esta casa. E não só esta casa, mas milhares delas, de análoga atividade, espalhadas pela
superfície do globo, cujos pacientes, como os nossos, eram vítimas infelizes da poliomielite, o sinistro flagelo que rondou lares e traumatizou
famílias, ainda há poucas décadas.
É preciso dizer, embora de passagem, que o insigne professor Albert Sabin, que nos
honra com sua visita, quase fechou mesmo a casa da Esperança de Santos. O material humano para o trabalho, razão de ser dos nossos esforços,
tornou-se escasso porque as crianças puderam crescer tranqüilas, livres dos fantasmas que povoavam a imaginação dos pais: os temíveis aparelhos, que
desapareceram das avenidas, das ruas, das vielas, das zonas periféricas e das áreas rurais, expulsos da sociedade como objetos imprestáveis, de
penosa lembrança.
Esta instituição, contudo, sobreviveu e subsiste. Recepciona hoje o professor Sabin
porque, alterando objetivos anteriormente fundamentais, transferiu seus cuidados e o seu carinho para os deficientes de outro tipo.
Senhoras e senhores:
A Casa da Esperança, cujas paredes, penosamente edificadas, guardaram por muitos anos
as vibrações dolorosas de pequenos seres, afetados pelas impiedosas seqüelas da pólio, recebe com emoção e reconhecimento o professor Albert Sabin.
Renovam-se as nossas antigas estruturas, testemunhas de um dos mais notáveis milagres
científicos do século, e nelas ressoam as vozes dos velhos diretores e colaboradores, simbolicamente em posição de sentido, para reverenciar um
grande benfeitor da humanidade. Entre essas vozes, comovidas, destaca-se a de Samuel Augusto Leão de Moura, benemérito fundador da Casa da
Esperança, falecido há quatro anos, cuja presença espiritual nos infunde entusiasmo e coragem.
Caríssimo professor Albert Sabin:
É incomensurável a nossa alegria, porque podemos reproduzir, por nós mesmos e
pessoalmente, os sentimentos que transbordavam de nossos corações, no aguardo de uma oportunidade que a todos parecia inviável ou mesmo impossível.
O sonho, porém, concretizou-se, por bondade de Deus.
O hoje, futuro insondável de um passado distante, permite-nos em nome das crianças da
Casa da Esperança, que representam todas as crianças do mundo, o ensejo de oferecer-lhe esta singela homenagem e os nossos mais respeitosos
cumprimentos.
Ofertamos-lhe, professor Sabin, as lágrimas que não foram derramadas, as horas de
angústias não vividas, os maus sonhos que não se concretizaram, os aparelhos ortopédicos que não foram produzidos, os rostos que não se tornaram
amargos e contraídos, as decepções que não nasceram, a dor que não brotou, os olhos que não se entristeceram ante o sofrimento que não veio.
Isto é o que lhe damos, porque estas coisas, que outrora nos pareciam remotas, ante o
testemunho do desalento imediato, estão vivas em nossas lembranças como sonhos felizes, enquanto se apagam aos poucos, diluídas nas luzes de uma
nova era, as claridades da esperança que não teve mais razão de ser, porque a poliomielite não mais aterroriza ninguém.
Esta casa, professor Sabin, é a sua casa, mais do que de qualquer outra pessoa no
mundo. Nós lhe abrimos as portas para saudá-lo e reconhecidamente beijarmos as mãos do extraordinário benfeitor que nos visita, mãos hábeis e
generosas, sempre em prece ativa pela humanidade e orvalhadas, nestes instantes fugazes, pelas lágrimas da nossa emoção, e sublimadas pelo nosso
profundo respeito."
O discurso de saudação a Sabin, feito por Luiz Yanagi na quarta-feira, durante a
visita do cientista à instituição, foi talvez o momento mais emocionante de sua passagem por Santos. Ele sintetiza a importância da vacina oral
contra a pólio no campo da ortopedia e resume os sentimentos de respeito, admiração e gratidão que o mundo tem para com o seu descobridor. Se a
pólio já não aterroriza ninguém, como diz Yanagi, é graças à vacina e ao trabalho desenvolvido por Sabin para transformá-la em elemento importante
de profilaxia.
A Casa da Esperança, que durante anos abrigou crianças afetadas pelas seqüelas da
pólio, agora tem outras finalidades. Desde 1961, quando a vacina Sabin passou a ser utilizada no Brasil, os casos de paralisia infantil tiveram uma
queda brusca, e hoje são quase totalmente inexistentes.
Isso pode ser mostrado pelas estatísticas da Divisão Regional de Saúde - DRS/2 -, que
começaram a ser feitas a partir de 72, mais de 10 anos depois do advento da vacina, mas oito anos antes da primeira campanha de vacinação em massa.
Em toda a região abrangida pelo órgão (incluindo Ubatuba, Caraguatatuba, São Sebastião, Ilhabela, Bertioga, Santos, São Vicente, Itanhaém, Mongaguá,
Praia Grande, Guarujá, Vicente de Carvalho e Cubatão), foi o seguinte o quadro geral da Poliomielite:
1972
|
11 casos notificados |
1973
|
5 casos notificados |
1974
|
1 caso notificado |
1975
|
14 casos confirmados |
1976
|
1 caso confirmado |
1977
|
1 caso notificado |
1978
|
3 casos confirmados |
1979
|
7 casos confirmados |
1980
|
5 casos confirmados |
O último caso de 80 ocorreu em junho. Em julho, começou a campanha de vacinação. De lá
pra cá, até hoje, a DRS/2 não tem nenhum caso de poliomielite em suas estatísticas. Na Casa da Esperança, há dois anos não aparece um caso novo de
paralisia infantil provocada pela pólio; restam poucos casos antigos, de crianças que não receberam a vacina.
Maria José
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A pólio, num poema
Entre as pessoas que procuraram o professor Sabin, para conhecê-lo e abraçá-lo, estava
uma senhora em que o observador mais atento descobriria uma seqüela resultante da poliomielite. A sensibilidade de Maria José Aranha de Rezende,
poetisa, cronista de A Tribuna há muitos anos, levou-a até o cientista que, com seu trabalho, livrou as crianças de um sofrimento que ela
conhece bem.
O seu depoimento ela já fez no passado, em versos:
A mim, numa idade
em que ainda não se sabe se a sorte
é boa ou má
o destino interrompeu meus passos vacilantes.
E uma criança que desconhece a felicidade de correr
é como um pássaro que não voa.
Criança privilegiada, Maria José Rezende recebeu todo tratamento médico e
fisioterápico conhecido na época, e mesmo assim foram sete ou oito anos até que pudesse novamente andar. A poliomielite surpreendeu-a com dois anos
de idade, quando morava numa linda casa, num bairro aristocrático de Santos (o Palacete Aranha, na Conselheiro Nébias com General Câmara, hoje
demolido).
Não foi, portanto, o resultado de poucos cuidados ou falta de recursos. A doença
rondava, na época, por bairros pobres e ricos e Maria José lembra que outras crianças, na mesma rua, também adoeceram naquela época.
Consultas com os melhores especialistas, tratamentos de eletricidade, banhos de mar,
massagens, fizeram parte da sua infância, depois do que parecia ser um pequeno resfriado. "Minha infância estática, a quem nunca achei que valesse a
pena escrever um poema", continua Maria José em Auto-retrato, publicado em 1977, o último poema que fala dessa experiência, e que é
considerado pelos críticos um dos melhores que escreveu.
"Fui uma doente cercada de todo o carinho da família, tive acesso aos melhores
tratamentos, sem problemas financeiros - diz a cronista -. Mesmo assim, a poliomielite criou, na infância, a melancolia que mais tarde os críticos
encontrariam em meus versos, apesar da pessoa alegre que costumo ser".
É um pedaço de sua vida que prefere esquecer, pois foi superado, como ela explica,
ainda em Auto-retrato:
Mas não cresci amarga, não!
O que me faltou em sentimento,
o que perdi em ação,
conquistei em imaginação.
A passagem de Sabin certamente fez vir à tona sentimentos guardados pela poetisa, que
fez questão de abraçá-lo. "Por mais homenagens que ele receba - diz -, o mundo sempre ficará a dever". Sabin leva de Santos, em sua bagagem, o disco
de Maria José e seu poema - o único sobre a poliomielite. |