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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - INDEPENDÊNCIA
O pedido: que D. Pedro fique, para sempre

No sesquicentenário, o desejo - nunca atendido - de que os despojos do imperador sejam depositados no Panteão dos Andradas
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Na sua edição especial de 7 de setembro de 1972, comemorativa do sesquicentenário da Independência do Brasil - exemplar no acervo do historiador Waldir Rueda -, o jornal santista A Tribuna publicou esta matéria do pesquisador Jaime Franco sobre a estada de D. Pedro em Santos, pouco antes do "Grito do Ipiranga":

No relato abaixo, algumas deduções do autor não são apoiadas em documentação histórica conhecida. Um exemplo é a presença de Domitila de Castro, então futura Marquesa de Santos, acompanhando o príncipe D. Pedro nesta viagem. Outros relatos indicam que ele a conheceu em São Paulo, pouco antes dessa viagem a Santos, mas ela não desceu a Serra do Mar, crendo-se que nunca tenha estado na cidade litorânea, apesar do título que obteria depois.

O príncipe D. Pedro na terra andradina

Jaime Franco

No Panteão dos Andradas, em Santos, devia ficar a urna com os restos mortais do primeiro imperador do Brasil, D. Pedro de Alcântara e Bragança. Essa conclusão, em nome da justiça, tem prólogo e histórico. Basta lembrar ou resumir um capítulo da História Social da Cidade de Santos, há mais de vinte anos esperando editor, referente à visita do príncipe D. Pedro à Vila de Santos, onde devia tomar histórica resolução conforme ficou combinado, em segredo, a portas fechadas, na Maçonaria Carioca, principal orientadora dos princípios revolucionários, divididos em duas alas: azul e vermelha, monarquia e república. Na Corte, a princesa e o ministro Andrada deviam obedecer a esta influência filosófica, baseada nos princípios da Revolução Francesa.

O príncipe, o secretário Saldanha da Gama, dois criados, muitos oficiais e a guarda de honra viajaram, a cavalo, desde São Paulo de Piratininga até o Porto de Cubatão, local de tropeiros. Todos embarcaram em lanchas e saveiros. Vieram por via fluvial, entraram no Lagamar de Enguaguaçu e atracaram no cais de madeira do Porto do Consulado.

Altas autoridades, previamente avisadas, aguardavam o príncipe. O presidente da Câmara Municipal, capitão João Batista Vieira Barbosa, o governador da Praça Militar, tenente-coronel Joaquim Aranha Barreto de Camargo, vereadores, comerciantes, frades e os irmãos da Misericórdia com balandraus e estandartes, receberam o ilustre visitante, sob aplausos. Eram quatro horas da tarde. O sol descambava para a Serra do Mar, coberta de nuvens grossas, ameaçando chuva, soprando aragem fresca.

Após os cumprimentos e aos acordes do hino de Portugal, executado pela banda do jovem maestro Luís da Trindade, ouvindo o troar das salvas de artilharia do Forte de Nossa Senhora do Monte Serrate, muitos vivas do povo e dos escravos, o príncipe colocou-se debaixo do pálio cujas seis varas eram carregadas pelo presidente da Câmara, pelo procurador, juiz de Fora e vereadores.

Formou-se o cortejo, subiram a travessa da Alfândega Velha, viraram à esquerda na Rua Direita, coberta de folhagens, acompanhado por grande massa popular. Das janelas e sacadas, decoradas por colchas de seda, caíam flores das mãos das senhoras e das moças santistas sobre o pálio. O príncipe agradecia e olhava curioso tão lindas mulheres, longe do olhar ciumento de dona Domitila de Castro. O príncipe ia garboso, robusto, vestindo impecável uniforme, farda azul, botas altas e justas, chapéu armado. Mostraram-lhe a casa onde nascera José Bonifácio, seu amigo e ministro, tendo a sacada e varanda cheia de parentes.

Dom Pedro sorria, acenava ao povo aglomerado nas portas das lojas, mostrava juventude de atleta espadaúdo, olhos pretos, cabelos castanhos, mosca no queixo e bigodes curtos, sob nariz saliente em rosto cheio e corado, lábios grossos e sensuais, fronte larga e elevada, proeminente região occipital, ostentando ar inteligente de quem fazia melhor música que poesia.

Atravessaram o Largo do Carmo, passaram ao lado da Câmara e Cadeia, e do Convento cujos sinos da Igreja repicaram, entraram na estreita Rua Meridional e pararam em frente à Igreja Matriz entre duas filas de soldados da guarnição, em trajos de grande gala e novos uniformes. Ao lado, o Forte de Nossa Senhora do Monte Serrate repetiu as salvas de bombardas, atroantes.

O príncipe D. Pedro entrou na Igreja e assistiu ao Te-Deum na companhia das autoridades da Vila, das famílias aristocráticas e dos irmãos das Irmandades que ali tinham seus altares, destacando-se os da Irmandade da Misericórdia com estandarte, tocheiras acesas e balandraus. Escurecera. Soprava vento frio, do Sul; prenunciava chuva.

Terminou a cerimônia religiosa. Todos saíram para o Largo da Matriz. Por fim, apareceu o príncipe, entre as autoridades e o povo. Os soldados da Guarnição apresentaram armas. Dom Pedro atravessou a massa compacta de povo, este soltando vivas. Dom Pedro sentiu-se emocionado e poderia ali mesmo ter proclamado a independência política, se não tivesse de regressar, às pressas, à cidade de São Paulo, no Planalto, onde a situação política se agravava a cada instante. Também fôra esse o desejo de José Bonifácio para dar à terra natal as honras de tão transcendente ato para o futuro da Pátria Brasiliense.

O príncipe entrou no Palácio dos Governadores, onde se hospedaria ainda durante quarenta e oito horas. Quando anoiteceu, houve iluminação fadaresca de lampiões de óleo nos largos e ruas adjacentes, nas igrejas, na Casa da Câmara, na Alfândega, Arsenal de Marinha, Quartel e Casa do Trem, Hospital Militar e no Palácio dos Governadores. Dom Pedro recolheu-se bem cedo aos aposentos que dona Domitila de Castro Canto e Melo, nos seus viçosos vinte e cinco anos, e as mucamas arrumaram. Assim findou o dia 5 de setembro de 1822.

Dom Pedro acordou cedo, vestiu-se para a audiência pública no salão principal, onde já estavam personalidades importantes da sociedade santista, o presidente da Câmara, o governador da Praça, vereadores, clero, o vigário da Paróquia, frades do Carmo, de São Francisco e de São Bento. O príncipe entrou sozinho no salão. Todos se curvaram e foram ao beija-mão. O capitão João Vieira Barbosa adiantou-se e pronunciou, em nome da Edilidade e do povo da Vila, a protocolar fala de agradecimento pela visita honrosa à Vila de Santos.

O príncipe agradeceu à manifestação sincera do povo da Vila de Santos e passou o restante do dia em pedidos de informações da situação militar nas fortalezas do Itapema e da Barra Grande contra possíveis ataques de barcos de guerra. Restava aguardar a chegada do correio da Corte com as cartas da princesa Leopoldina e do seu ministro José Bonifácio, que prometeram informá-lo dos acontecimentos em Portugal que, com o Brasil, formava um Reino Unido, estando D. João VI no trono. Passou mais uma noite no Palácio dos Governadores. Iria sentir saudades da Vila de Santos, onde recebera carinhosas manifestações de amizade e simpatia. Um dia voltaria, vivo ou morto!

Na manhã do dia 7 de setembro, na companhia de toda a escolta, Dom Pedro deixou o Palácio. Chuviscava e fazia frio. Os morros e a Serra do Mar estavam escondidos em densos nevoeiros. O príncipe e a comitiva retornaram pelas mesmas ruas, agora desertas, pela hora matinal, até o cais do Porto do Consulado. Embarcaram nas mesmas lanchas a remo e a vela, depois das despedidas às autoridades da Vila. Foram desembarcar no porto fluvial de Cubatão, onde os esperavam os tropeiros, mulas e bestas de carga, bem arreadas e sela cômoda.

Dom Pedro montou forçuda besta gateada, baia. Os tropeiros seguiram à frente, como batedores, para escalar a Serra do Mar e alcançar o Planalto de Piratininga. O resto a História do Brasil conta.

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