Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0171b5.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 08/22/06 11:50:48
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - Clubes
Clube XV (2-e)

Leva para a página anterior
Ao completar seu centenário, o Clube XV teve sua história publicada em quatro páginas do primeiro caderno do jornal santista A Tribuna,em 12 de junho de 1969:
 
[...]

Tempos de flores

A partir de 1889, quando assume pela primeira vez a presidência, o Totó Carlos (Antônio Carlos da Silva), começa a fase mais requintada do Clube XV.

Em 1890, o Clube faz nova tentativa de voltar às fileiras de Momo, realizando expressivo congresso: carruagens ornamentadas, guarda de honra à Luiz XV, carro em alegoria à imprensa da terra, seguido de um grupo de petizes representando o futuro Clube XV; final apoteótico com carro triunfal, onde uma moça com as insígnias do Comércio, da Indústria e da Navegação simbolizava a cidade de Santos, e um sócio com fantasia de chicard, sob as asas da Fênix, sugeria o Clube XV a renascer das próprias cinzas.

Tudo fazia prever o seu retorno à folia. Que esperança! Ainda nesse ano, a diretoria presidida pelo Antônio Carlos propôs e a assembléia geral aceitou que deixasse o Clube de ser carnavalesco, para tornar-se exclusivamente recreativo.

E o XV prosseguia. Seus bailes coruscantes, risonhos, continuavam a embalar corações.

Ao completar as bodas de prata, isto é, a 12 de junho de 1894, o XV inaugurava a nova sede à Rua Amador Bueno, 191, esquina da Constituição, graças ao infatigável presidente Antônio Carlos e outros dedicados sócios. Neste local, marcante pela época em que serviu como palácio quinzista, foram realizadas as mais encantadoras festas.

É a bela-época, o "fin du siècle". Como afirmamos em outro trabalho, era evidência universal o requinte, o brilho musical e ligeiro, que todos observavam ao crepúsculo do século das luzes. O mundo gargalhava em festas colossais e excêntricas; a elegância e o alto janotismo imperavam nas hiperalegres rodas boêmias. Tempo de galanteria. Fonógrafos, cinematógrafos e outras recentes iguarias invadiam os olhos arregalados daquela gente.

A rapaziada boêmia e intelectual de Santos formava em maioria nas hostes do XV. Sendo das famílias veteranas do Clube, eles se empenharam em assegurar ao XV o lugar de templo da beleza, bom gosto e cultura, aliados à extrema amabilidade que sempre reinou na casa.

O Chico Vicente (Francisco Vicente Coelho) e seus irmãos José Batista - o João Foca - e Pio Coelho; Quincas Arruda Mendes, Dick Martins, Carlitos de Affonseca, Juquinha Moreira de Sampaio Alfaya Gomes, e tantos mais, do rapazio que fazia teatro, esporte e literatura, quando não estavam nas memoráveis rodas do "Carioca", do popular Paulino, "local onde nós, que vestimos calças, bebemos conhaque com fernet e vinho do Porto com sifão", como diziam nas picarescas crônicas; uniam-se aos velhos espíritos quinzistas, mãos dadas em ideais.

Vai entrar em ebulição o Clube XV!

Logo em janeiro de 1895, um certo número de sócios requerem à diretoria a concessão para formarem, sob sua exclusiva responsabilidade, um grupo carnavalesco, o que foi aceito em assembléia geral, concedendo ainda a direção uma das salas do Clube para seus divertimentos.

Momo ainda outra vez exerce a sua tentação. Daí surgem para a folia - os Cartolas! Para o carnaval de 1895, preparam uma bombástica estréia. A saída do "Grupo dos Cartolas" foi o ponto alto das comemorações. O cortejo, constando de carros de crítica, carros alegóricos, de fantasia, cavaleiros, música e clarins, desfilou pela cidade em meio a estrepitosos vivas e aplausos.

Nas esquinas de maior concentração por que passavam, eram saudados pela banda do maestro Henrique Trindade, que para esse fim se deslocava constantemente.

À frente, seguia o engraçadíssimo estandarte - uma enorme cartola de cetim preto, fitada de branco, e no centro uma careta risonha de um "cartola".

A apresentação era encantadora:

"Moças galantes, belas, langorosas,
de olhos travessos, rostos de espanholas,
Armai vossos sorrisos sedutores,
E rosas desfolhai sobre OS CARTOLAS!

Nas vossas mãos rosadas, pequeninas,
Repinicai bulhentas castanholas;
Vinde saudar-nos, vai passar o préstito,
Do rapazio alegre, DOS CARTOLAS!"

E cantando, os mascarados iam distribuindo ao povo diversos panfletos com versos satíricos alusivos aos carros que faziam as críticas sobre os assuntos santistas do momento. Um deles levava um grupo representando o dr. Antônio Fuertes, o saneador de Nova Iorque, e que na época projetava o saneamento de Santos, acompanhado de seus auxiliares, desinfetados, saneados e seringados. Os versinhos diziam:

"D. Fuertes de las cuecas,
Fino norte-americano,
Chegou, viu e resolveu,
Fazer da cidade um cano.

Redes de esgotos, aterros,
Calçamentos, galerias,
Lavagens, cortes e valas;
- Não há mais epidemias!

Já não há febre amarela;
Varíola não temos cá;
Mandem fechar lazaretos;
Podem trancar - Pae Cará".

Na Rua XV de Novembro, a "Ouvidor" santista, embandeirada e iluminada extravagantemente, os patuscos caíam em folia rasgada, chegando às raias da loucura. Nesse ponto principal, das sacadas de edifício e lojas, como a Casa Eugênio, o London Bank, Associação Comercial, Casa Culty, e outros mais, travam-se delirantes batalhas de confetes e serpentinas.

... Mas o XV dos "congressos", das pândegas de rua, se retrairia enfim, passada essa nova tentativa.

Dentro desse período floral, é comum observar-se uma quantidade de refinadas crônicas que demonstram o quanto o XV representava para a sociedade santista, pleno de bailes e concertos civilizando, encantando... Aqui vai uma delas. É do "João Triste", dono da seção Brincando, no velho Diário, que comenta em maio de 1896:

"... Pois não é que o Clube XV, aquele clube dali da Rua do Amador Bueno, esquina da Rua da Constituição; o centro predileto da boa rapaziada desta terra; onde, quando tenho tempo, jogo bilhar e bebo café, o Amaro toca valsa e muita gente dança quadrilha, o Clube XV, o afamado Clube XV, vai dar um baile no dia 12 do mês vindouro.

"Mas, olhem! É um Baile & Cia., um baile como ainda não foi dado em terra santista; obrigado à fina casaca que mandei fazer no meu Raunier, com música do 1º que é para o 5º não pensar que só ela é gente; sapatos da antiga Casa Queiroz (Rio de Janeiro, Rua da Quitanda), luvas vindas de São Paulo por intermédio da Casa Hermínio (Rua 15 de Novembro n. 8), nos intervalos charutos Pooks & Cia.; uma quadrilha à meia-noite, outra do dia seguinte e essas mesmas, americanas; um baile às direitas jamais visto igual, porque a diretoria pode, o diretor do mês assim o quer e nós outros apreciamos.

"Mas não pensem que os Trindades serão postos à margem do notável acontecimento. Não, leitora. Quem poderá dispensar as valsas que a gente do Amaro toca com tanto sentimento? Ninguém..."

Bem... mas os Trindades são um capítulo à parte da história santista.

Não se pode falar em XV sem um longo pensamento de saudade para a figura marcante de Antônio Carlos da Silva, o Totó Carlos, como era chamado. Foi o maior e mais dedicado sócio que o clube teve. Uma determinada época da centenária vida do XV pode ser condignamente chamada "Era Antônio Carlos". Quando da mudança da sede para a Rua Amador Bueno, a tesouraria estava em pânico. Havia grande rigor na admissão de sócios. Sendo assim, eles não alcançavam duas centenas e com mensalidades de 5 mil réis não era possível sequer enfrentar o aluguel da casa, grande e luxuosa. Totó Carlos responsabilizou-se pelos compromissos do clube. Pagou aluguéis, ofereceu móveis e acabou por comprar a casa da sede, facilitando assim a vida do Clube XV.

O prédio fora construído pelo capitão João Xavier da Silveira em 1891, para servir como sua residência. Golpeado pelos reveses da sorte, o capitão Silveira viu-se na contingência de hipotecá-lo, em junho de 1893, a Antônio Carlos da Silva. Feito isto, cuidou o mutuário de alugar o edifício ao Clube XV, do qual o mutuante era presidente.

Todas as tentativas do proprietário em recuperar-se foram infelizmente baldadas. Assim, viu-se Antônio Carlos, em 1896, na obrigação de executar a hipoteca. Em 8 de outubro desse ano, foi à praça o prédio em que funcionava o XV.

A concorrência por ocasião da praça foi enorme, "como jamais se viu nesta cidade". Apregoada a venda, houve um silêncio geral. Toda a gente sabia de antemão que a simpática sociedade dali não sairia, custasse o que custasse. Um primeiro lance foi dado, cobrindo a avaliação. Neste ato, o Antônio Carlos lançou 61:000$000 de réis. Mais ninguém afrontou a face e mediante esta quantia ficou o palacete pertencendo por direito ao digno presidente.


Antônio Carlos da Silva, o presidente de honra
Foto publicada com a matéria

Por uns três lustros ficou o XV como inquilino do seu presidente, que relevava aluguéis e outras obrigações do clube, nas horas de aperto. Tal vulto merece um destaque Vamos a ele:

Antônio Carlos da Silva

Um santista de quatro costados. Nasceu em 5 de novembro de 1863. Filho legítimo do venerando maestro e professor público de 1ªs letras Manoel Joaquim da Silva (Manoel Joaquim da Trindade Jr.) e de dona Adelaide Ambrosina Freire da Silva.

Desde a infância aprendeu a amar profundamente esta terra, tão sua, dos seus maiores. Seus estudos, realizou-os no Colégio de N. Sra. do Carmo, do padre-mestre Francisco Gonçalves Barroso. Companheiros de colégio teve, entre outros, Artur Porchat de Assis, Ribeiro de Campos Jr., Antônio Augusto Bastos, Henrique Amando de Azevedo, Turíbio Silveira, Geraldino Silva e o futuro marechal Cláudio da Rocha Lima.

Deixando os estudos, ainda em tenra idade, entrou para o comércio, como caixeiro da antiga casa de Jaime Romaguéra & Cia., desta praça.

Assíduo, perseverante, aos 19 anos de idade, Totó Carlos emancipou-se para constituir uma firma social para o negócio de comissões e importação, que girou na praça sob a razão de Zeferino Barbosa & Cia. Liquidada esta, tempos depois, com grande resultado para os interessados, formou nova casa comercial sob sua única responsabilidade - a casa Antônio Carlos da Silva & Cia. - que foi sempre respeitada e considerada em nossos primeiros estabelecimentos de crédito. Passando já nos tempos atuais para a direção de seu genro, Leopoldo Figueiredo, transformou-se na conhecida firma L. Figueiredo S.A.

Em 1885 casou-se com dona Maria Augusta Pereira, filha de José Augusto Pereira Sobrinho e dona Maria Carolina Moreira de Sampaio Pereira, tendo logo enviuvado. Três anos depois casa-se com a cunhada Brasilina, que lhe seria a sempre dedicada companheira.

Cidadão útil, operoso e modesto, Antônio Carlos é nomeado em 1889 para o cargo de delegado em exercício e em agosto do mesmo ano eleito vereador à Câmara Municipal. Monarquista entusiasmado, afasta-se tristemente golpeado com a implantação do regime republicano em 15 de novembro, quando a Câmara é dissolvida e constitui-se um Conselho de Intendência provisório. Partidário da monarquia até a sua morte, Totó Carlos jamais desacreditou na reimplantação do decrépito regime. Haja vista a sua honrosa eleição em 1905 para presidir a Associação D. Pedro II.

O ano de 1889 marca também a sua eleição, pela primeira vez, para a presidência do Clube XV. Elevado novamente ao cargo em 1891, comandaria o clube até 1899 e pela derradeira vez, em 1905. É evidente que, mesmo nos espaços em que se ausentou da presidência, continuou a dar tudo e muito de si ao XV. Em reconhecimento, os sócios do clube conferem-lhe em 1896 o título de Presidente de Honra.

Bela figura o Totó Carlos. Era todo modéstia, simplicidade e lhaneza; sem vaidades, sem orgulhos, tudo fazendo para escapar às incontáveis homenagens que lhe preparavam. As únicas coisas que o preocupavam nas horas de lazer, eram o Clube XV, e o seu piano, porque afinal, como todos os membros da família Trindade, cultiva a música com todo gosto e aptidão, não se desgarrando portanto da tradição conservada em várias gerações.

Realmente, dentro e fora do XV, muito contribuiu Antônio Carlos pelo desenvolvimento artístico de Santos, tanto pelo seu apoio intelectual como financeiro.

Em 1896, de comum acordo com o Clube XV, Totó Carlos funda o Clube Musical Carlos Gomes, destinado a promover concertos. Ao lado de Antônio Carlos, que também executava brilhantemente o violino, reuniram-se seu irmão Francisco Xavier Freire da Silva (violino), Hermílio Negrão (piano), Joaquim Apolinário (viola), Amaro Pinto da Trindade (clarineta e saxofone), Laércio Trindade (piano e harmonium) e outros valores.

A instalação deu-se em agosto, com um concerto no Clube XV. O repertório finíssimo constava de obras de Pleyel, Mozart, Beethoven, Weber, Rubinstein, Popp e outros modernos.

E o mês de setembro de 1896 chegou e surpreendeu o Brasil, com a trágica notícia da morte do magnífico maestro Antônio Carlos Gomes, em Belém do Pará. O Clube Musical que lhe usava o nome tarjou-se de luto por essa verdadeira glória da música que recentemente haviam resolvido homenagear. Logo correu a notícia de que o corpo de Carlos Gomes chegaria a Santos por mar, quando seguiria para Campinas, sua terra natal, onde teria eterna sepultura.

Antônio Carlos da Silva, como presidente do Club Carlos Gomes, colocou-se à testa da comissão de recepção dos despojos mortais do gênio indígena, coadjuvado pelo corpo comercial de Santos e pela Câmara Municipal. A recepção ao corpo de Carlos Gomes é uma página belíssima do passado santista. O programa organizado pelo Club Carlos Gomes foi publicado pela imprensa e seguido infatigavelmente pela população da cidade. Santos formou uma lágrima só de admiração e saudade, depositada aos pés do grande artista.

A chegada deu-se um mês depois do falecimento. Do vapor Itaipu, o cortejo fúnebre transportou o corpo embalsamado do maestro para o convento do Carmo, onde foi armado um majestoso catafalco, ao lado do qual via-se uma lira florida com 2 metros de altura, mandada colocar pelo Clube XV. Ali ficou exposto à maré de gente, sequiosa por uma última e consternada visão.

Missas, discursos e uma inesquecível sessão fúnebre no Teatro Guarani completaram as suntuosas exéquias, que foram comentadas em todo o País. Em suma, belos concertos ainda realizou o Club Carlos Gomes, mas infelizmente a sua melodia foi breve interrompida.

Voltemos a Antônio Carlos...

Tendo amealhado à custa do seu próprio esforço e competência uma considerável fortuna, Totó Carlos sorria no seu íntimo ao distribuir o quanto pudesse a tudo e a todos em função de um bem "sem olhar a quem". Desse modo, o Clube XV foi também uma "vítima" de Antônio Carlos, que o queria com um amor realmente paternal.

Silenciosa e prazenteiramente ele vestia o clube das roupas que faltavam. Assim, às suas expensas adquiria mobiliário para as diversas salas; encomendava da Europa finíssimos talheres, deslumbrantes espelhos, e tantas coisas mais, para torná-lo completo, modelar... E em meio à satisfação, não cansava de suspirar o Totó Carlos: "Clube XV, meu filho mais velho!" O XV, sob a batuta de Antônio Carlos da Silva atingiu as culminâncias como instituição do gênero, apesar da luta acirrada que lhe movia o Eden Club, fundado em 1895 para rivalizar com o velho grêmio azul-e-amarelo.

Em 1916, no dia de seu aniversário - 5 de novembro -, o Clube XV, agradecido, fez inaugurar, com uma singela festividade, o busto brônzeo de Antônio Carlos da Silva, busto que lá permanece até hoje, a honrar quem lhe é de honra.

Antônio Carlos terminou a sua atribulada vida, preenchida de risos e dores, em 23 de julho de 1922, na cidade de S. José dos Campos, para onde se retirara. Muitos e bons amigos teve e tem o Clube XV. Mas nenhum como esse velho e querido presidente de honra.


[...]

Leva para a página seguinte da série