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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - GREVE! - LIVROS
A Barcelona Brasileira (20)

Clique na imagem para voltar ao índiceEntre 1879 e 1927, Santos foi o centro de um dos três principais movimentos de reforma social no Brasil, tornando-se conhecida como a Barcelona Brasileira, em razão da chegada de grande contingente de imigrantes ibéricos, fortemente politizados, participantes ativos da corrente do anarco-sindicalismo. Santos tinha também uma imprensa engajada nas questões sindicais, com cerca de 120 jornais e revistas. Apesar disso, este período da história santista e brasileira foi muito pouco estudado.

Foi o que levou o jornalista e historiador Paulo Matos a produzir este material (que obteve o primeiro lugar do Concurso Estadual Faria Lima-Cepam/1986, da Secretaria de Estado do Interior de S. Paulo). Ampliado e revisado, para publicação em livro, tem agora sua edição pioneira em Novo Milênio:

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Santos Libertária!

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Imprensa e história da Barcelona Brasileira 1879-1927

PARTE II - A imprensa da Barcelona Brasileira

Capítulo V - (cont.) Imprensa operária em Santos/1879-1927- Análises:

 

[16] Tribuna Operária - 1909

Nascida dentro do processo resultante da greve de junho de 1905, quando a Internacional é invadida e tem sua diretoria presa - e a Primeiro de Maio oferece, no dia 17, sua solidariedade moral e material, ainda assim rejeitada -, o jornal Tribuna Operária surge de uma nova entidade chamada Centro União de Classes 1º de Maio, segundo histórico do SIndicato dos Carpinteiros e Anexos [1].

Nesta greve de oito dias, no dia 19 de junho a Internacional e a 1º de Maio lançaram um manifesto juntas, pedindo a volta ao trabalho, e tiraram resoluções conjuntas. Mas, após a traição do tesoureiro da Internacional à greve, justamente aquele que tinha convocado a reunião para atuação conjunta, sem possibilidade de coligar-se, a 1º de Maio ressurge na nova entidade que editará a Tribuna Operária, reunindo foguistas, maquinistas e outras classes, fundando a Liga Gráfica, auxiliada por uma comissão de São Paulo. Mas as duas entidades se unirão, com a integração do novo Centro União de Classes à Internacional.

No relato da imprensa operária de São Paulo, de Nazareth Ferreira [2], A Tribuna Operária aparece como fundada em 1909, editada pela Sociedade Internacional União dos Operários. Outro trabalho analisa o aspecto do jornal dar importância à união dos trabalhadores, combatendo a luta de raças [3] e denunciando o fato. O jornal A Voz do Trabalhador, do Rio de Janeiro, órgão da Confederação Operária Brasileira [4], acusa o recebimento dos dois primeiros números da Tribuna Operária em 1909. Esse dado nos leva a concluir que foi este o ano da edição do jornal.

Lucia Gitahy considera este jornal como um documento chave para se "tentar aprender alguma coisa" sobre a Internacional. Diz que a sua linguagem é ainda mais popular que a dos jornais anarco-sindicalistas. Em um artigo com o nome Vilão! [5], o autor gasta todo um parágrafo para qualificar o ajudante do administrador: "...existe um vilão, puxa-saco, sem-vergonha chamado Joaquim Flórido, alcoviteiro do sr. Fontes, que à custa de adulações, espionagens e intrigas, ocupa o lugar de ajudante de administrador. Pois este indivíduo é um ignorante e imbecil, verdadeiramente é um camelo".

O objetivo da organização dos operários é perseguido pela Tribuna Operária, para romper o monopólio dos empregadores para fixar os preços da força de trabalho e o número de horas da jornada. O passo mais importante para isso seria seu reconhecimento como representante dos trabalhadores, quando lança um manifesto no editorial do jornal: "/.../ para que todos os companheiros que ainda não são associados se associem para que, todos organizados em um poderoso núcleo, possamos muito em breve demonstrar aos burgueses de Santos que o trabalhador tem o direito de fazer o preço e condições sobre seu trabalho e que seja reconhecida pelos mesmos a Sociedade Internacional União dos Operários" [6].

Há no jornal apelos à união e à organização e até mesmo uma declaração do grão-mestre da Maçonaria, de que "é necessário que a lei dê ao trabalho do homem a mesma proteção assegurada ao capital" [7].

Em um artigo contra a desagregação causada pelas desavenças entre as nacionalidades, em um artigo denominado Aos brasileiros fanáticos, fala que "/.../ os próprios a vos iludir são os descendentes e a maior parte deles são estrangeiros, os mesmos que há quatrocentos anos iam a África iludir os filhos de lá com espelhos e bonecos, a fim de os roubarem do seu lar e /.../ conduziam para a América do Sul, onde eram vendidos. Eis aí que depois os mesmos/.../iam à choupana dos legítimos brasileiros e os matavam ou expulsavam/.../como ainda há pouco deu-se neste estado e no Paraná/.../Unamo-nos como espoliados que também somos, para dar uma bela lição aos capitalistas de Santos, tanto estrangeiros como nacionais" [8].

Contra o alcoolismo, o jornal diz que ele funciona como "auxiliar da burguesia", pois desvia os operários da luta econômica [9]. É destacado o fato de que os patrões aproveitam-se destas debilidades, advertindo contra a atuação da entidade "amarela", a Sociedade Progresso dos Operários Brasileiros, que a pretexto de defender o trabalhador nacional explora a divisão do conjunto operário por nacionalidade. Também as sociedades beneficentes são atacadas, pois que além de não funcionarem descontavam cotas dos salários dos trabalhadores.

Os acordos entre os empregadores e a repressão também são lembrados, como por exemplo neste trecho: "Estes miseráveis formados em poderosos trusts fizeram um rateio/.../onde a Companhia Docas de 10.000$000 réis/.../alguns proprietários de veículos outros dez e meia-dúzia de puxa-sacos de comissários/.../outros tantos contos, para que a polícia de Santos fizesse a obra completa!!!". Denunciam também o suborno à imprensa [10].

Acidentes de trabalho diários, nesta "fábrica de morticínios e desastres", também figuram no jornal, "originados pela falta de competência de seus feitores/.../carneiros e sem-vergonhas, uma corja de puxa-sacos do sr. Fontes e do sr. Barreto. É preciso, companheiros,/.../que tenhamos vergonha, que tenhamos dignidade/.../apesar da Companhia Docas ter como feitores facinorosos, não pense que hão de nos amedrontar/.../quantas mortes se tem dado em seus armazéns e a bordo/.../é preciso que todos nos associemos para que possamos reclamar a devida indenização/.../se ficar machucado, com uma diária durante o tempo em que não puder trabalhar e se morrer indenizar as pessoas da família/.../assim terão mais cuidado, porque afeta os lucros dos tiranos!" [11].

Este artigo mostra as raízes das reivindicações da Sociedade União dos Estivadores: o pagamento por produção. A importância do jornal nesta cobertura se dá por conta dos princípios que fixou, a exemplo deste, que seriam a razão das propostas do deputado Maurício de Lacerda no Congresso Nacional anos depois, até seu atendimento global em 1930 - na "permuta" entre as concessões e a liberdade sindical.

Já nesse tempo o jornal traz notícias do governo, com o ministro da Justiça pedindo ao presidente a adoção de leis sobre acidentes do trabalho. Este comenta que "o operário está acordando e o governo se vê obrigado a ir lançando mão de leis que vá atenuando os mesmos" [12].

Não tão radical quanto os anarco-sindicalistas, o jornal diferencia as publicações da grande imprensa, impondo parâmetros entre A Tribuna e A Vanguarda, por exemplo. Na coluna Movimento Operário [13], fala que enquanto outro jornais (como A Vanguarda) são favoráveis às oito horas, e A Tribuna se manifesta contra, a Tribuna Operária comenta que "A Tribuna, que era um jornal do povo, hoje ela é do polvo", como era conhecida a Docas por suas inúmeras atividades.

A entidade conviveu com a Federação Operária, de posição anarco-sindicalista, sem se hostilizarem publicamente. Lúcia Gitahy observa que  embora não fosse anarco-sindicalista, a Internacional nunca foi anti-anarco-sindicalista [14].

Presente em momentos importantes do movimento operário santista, o Tribuna Operária é veículo essencial para a cobertura do período. No campo da pregação ideológica, é importante o artigo Pela Luta, em mais um "número especial" do jornal [15], que fala da perenidade da instituição capitalista, comparando-a à monarquia, ao exército e às religiões e seus pontífices.

"Se morre um capitalista - diz o texto -, a herança fica. Numa palavra, morrem os homens mas não morrem as instituições", diz, atribuindo ao "trono, ao altar e ao dinheiro" o combate da anarquia. Além de José Lopez Montenegro, que assina este artigo,há colaboradores como Francisco Antunes, A. J. C. e "A Comissão", neste número.


Notas:

[1] GITAHY, op. cit., p. 85.

[2] FERRERA, op. cit. p. 85.

[3] GITAHY, op. cit., p. 110. Este número especial analisado é de 7/8/1909, data de quinto aniversário da Sociedade Internacional. O exemplar fotografado por nós no Arquivo Edgar Leuenroth, resgatado em Amsterdam, na Holanda, do Instituto de História Social local, também é um número especial "para o 1º de Maio de 1909". Logo, é anterior.

[4] GITAHY, op. cit., p. 121.

[5] Tribuna Operária (número especial). Santos, 7/8/190-9, p. 4.

[6] Tribuna Operária (número especial). Santos, 7/8/190-9, p. 1.

[7] Idem, ibidem, p. 3.

[8] Idem, ibidem, p. 1.

[9] Idem, ibidem, p. 2.

[10] Tribuna Operária (número especial). Santos, 7/8/190-9, p. 2.

[11] Idem, ibidem, p. 3.

[12] Idem, ibidem, p. 3. O jornal extrai de A Tribuna e de A Vanguarda do dia 27/7/1909 estas informações.

[13] Idem, ibidem, p. 4.

[14] GITAHY, op. cit., p. 125.

[15] Tribuna Operária (número especial), para 1º de maio de 1909.