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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - GREVE! - LIVROS
A Barcelona Brasileira (11)

Clique na imagem para voltar ao índiceEntre 1879 e 1927, Santos foi o centro de um dos três principais movimentos de reforma social no Brasil, tornando-se conhecida como a Barcelona Brasileira, em razão da chegada de grande contingente de imigrantes ibéricos, fortemente politizados, participantes ativos da corrente do anarco-sindicalismo. Santos tinha também uma imprensa engajada nas questões sindicais, com cerca de 120 jornais e revistas. Apesar disso, este período da história santista e brasileira foi muito pouco estudado.

Foi o que levou o jornalista e historiador Paulo Matos a produzir este material (que obteve o primeiro lugar do Concurso Estadual Faria Lima-Cepam/1986, da Secretaria de Estado do Interior de S. Paulo). Ampliado e revisado, para publicação em livro, tem agora sua edição pioneira em Novo Milênio:

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Santos Libertária!

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Imprensa e história da Barcelona Brasileira 1879-1927

PARTE II - A imprensa da Barcelona Brasileira

Capítulo II - Mobilização para transformação

As determinações do radicalismo santista

Por que o movimento operário santista desse período foi o mais intenso do País, em volume de sindicalização e conflitos, diversamente ao do Rio de Janeiro? Características econômicas, étnicas e conjunturais contribuíram para a conformação ideológica que se produziu. Como a antiga Capital Federal, esta também era uma cidade portuária, mas com os ingredientes diferenciados. Na construção do cais a partir de 1888, previa-se retirar 100 mil metros cúbicos de lama na dragagem. Foram 500 mil. Outras surpresas aguardariam os intrépidos construtores.

Ocorreu que no porto carioca predominavam os setores "amarelos", reformistas que atuavam no movimento operário, efetuando conquistas através de negociações com o parlamento. O que, do ponto de vista dos "resultados", foi mais eficiente em alguns momentos. Como na conquista do controle do mercado de trabalho pela estiva, em 1903 - três décadas antes daqui. Mas a organização dos trabalhadores não foi sua expressão.

O porto era estatal no Rio de Janeiro, aqui privado - marcando diferenças no tratamento com a mão-de-obra e a produtividade. Entre outras determinantes havidas para que o radicalismo vigesse aqui e não lá, como a etnia da força de trabalho, que tinha na então Capital Federal a presença majoritária do elemento nacional, aqui imigrante. E fatores econômicos, pois Santos era vital para o Brasil e não podia parar. Superara o porto do Rio de Janeiro no século XIX. Disso se valeu a classe operária, atacando no principal ponto de pressão: a paralisação da produção.

É por aqui que saía, nesta época, 2/3 do café brasileiro, nosso principal produto exportado e base da economia nacional, quase todo o café do país. A partir da metade do século XIX, o volume santista supera o do RIo de Janeiro. Em 1895, tinham saído por aqui 2 milhões de sacas, contra 36 mil em 1860. Santos é a porta comercial de uma época de expansão. A paralisação da produção como instrumento reivindicatório é o elemento-chave da organização proletária, solucionado nesta época mais pela repressão do que pela concessão.

Em 1909, quase 14 milhões de sacas são exportadas por Santos, demonstrando a pujança cafeeira no já maior porto do País. A precariedade das pontes e dos trapiches coalhados de navios, no século XIX - em que o embarque era feito através de pontes de até 100 metros, ligando-os à terra -, sofre uma brutal evolução com o cais inaugurado no primeiro trecho de 260 metros em 1892 e que prossegue acelerado.

Em 1867 havia se instalado o "tronco" ferroviário que ligava Santos aos centros produtores, escoando todo o produto das principais regiões, tornando inadiável sua operação, nessa época de mudanças urbanas oriundas do adensamento populacional.

Muitos trabalhadores chegam em função do porto, que implanta seu cais de pedra e absorve mão-de-obra. Desenha-se, então, um quadro habitacional catastrófico, que vai ser superado em função dos interesses econômicos em jogo. As epidemias resultantes do processo de ocupação levam metade da população em três nos, na última década do século XIX. Os trabalhadores fogem daqui e a empresa do porto os recruta à força para utilizar sua mão-de-obra. Santos é o "Porto da Morte", de onde as pessoas fogem, reduzindo a população.

O porto

O porto de Santos já superava o volume de cargas do Rio de Janeiro em 1894; antes, em 1891, já tinha ocorrido aqui a primeira greve geral do País, oriunda dos trabalhadores do porto, paralisando toda a cidade. Os trabalhadores santistas detêm a "chave" do cofre nacional e este é um fator determinante na definição conjuntural da luta que se estabelecerá. O crescimento das empresas e de sua estrutura produtiva os tinham levado à condição de exportadores. E esse fator exige o porto organizado.

A precariedade do porto de pontões e trapiches, cerca de 100 no período final da construção do cais, não suportava o congestionamento e os prejuízos. O governo se ressente do que não consegue taxar e os exportadores reclamam da ladroagem que leva boa parte de seus produtos.

Em Santos, a empresa do porto é privada e "estrangeira" (tem sede no Rio de Janeiro), ao contrário do porto da então capital federal, que é estatal. E em que atuam os parlamentares reformistas, obtendo vantagens trabalhistas através de acordos. A empresa do porto santista é uma concessão do Império, de 1886 e celebrada em 1888, após diversas outras tentativas de proceder à construção do cais, desde meados do século XIX. E atravessa a República inabalável, apesar dos conflitos com a burguesia local, com firme apoio (repressão) governamental.

Em 1892, o porto já movimenta 800 mil toneladas. Em 1890, o contrato com a União tinha sido ampliado e a isenção aumentada para 90 anos, com compromisso da construção de mais 966 metros de cais, além dos 866 do contrato inicial de 1888. Em 1892, a agora denominada Companhia Docas de Santos, comandada por Eduardo Palassin Guinle, se compromete com mais 2.848 metros de cais, o que irá construir até Outeirinhos. Em troca, mais benfeitorias à cidade, saneamento de extensas áreas. Em 1898, já são 1.545 metros de cais em funcionamento e 8 armazéns, 6 alfandegados. Operam vinte guindastes e 50 vapores fazem a dragagem.

Em sua época, a Docas foi um dos empreendimentos de maior lucratividade mundial e sua construção foi condicionada à urbanização de trechos da cidade pela empresa, nos vários contratos que ampliavam a área do porto. E foi por ela que Santos foi se adensando populacionalmente, na meta da consolidação do interesse econômico portuário.

Os anos de passagem de um século para outro foram o tempo da reforma sanitária santista. E da derrubada dos infectos cortiços, que proliferaram com a chegada dos imigrantes. Eram focos de doenças, em que os trabalhadores conviviam com os animais usados para o transporte de cargas.

O primeiro conflito que a empresa do porto enfrenta em Santos é com a burguesia local, pela própria instalação do cais. Que substituirá os velhos trapiches, absorvendo as pontes privadas - os "pequenos portos" de particulares. Seus donos apelam ao governo federal - os últimos a cair são de Ferreira Gullar e Xavier Pinheiro -, sem sucesso. E elevando estratosfericamente os custos, para revolta dos exportadores e intermediários locais.

O senador Alfredo Ellis move uma verdadeira campanha contra a Docas por suas taxas excessivas, inclusive ressalvando que as multas por atraso na entrega das obras urbanas assumidas nunca é cobrada. Em 1906, ano do I Congresso Operário Brasileiro - que fundará a Confederação Operária Brasileira, a COB -, ele consegue intimar a companhia a exibir seus livros, o que jamais ocorrerá de fato.

A burguesia local sempre pretendeu gerir a empresa do porto, tendo, em 1885, feito esse pedido através da Associação Comercial. No contrato com a Docas, à época dos conflitos, constava que quando sua renda excedesse 20% sobre o capital empregado seriam revistas as cobranças. Entre outras irregularidades constantes do livro deste senador - publicado em 1906 (Docas de Santos - discursos).

Com a mesma violência, a empresa tratava seus trabalhadores, à moda escravagista. Em 1904, a luz elétrica já substitui os lampiões de gás nas ruas, no ano em que o movimento operário se fortalece com a fundação das federações operárias. Em 1902, já haviam entrado quase mil navios no porto, 1.500 em 1910. Em 1909, o cais tem mais 4.720 metros, do Valongo à Mortona. A eficiência capitalista atua a todo vapor.

Exploração e fermentação

O clima vigente entre o proletariado, submetido a cruéis condições de vida e trabalho, morando em casas feitas com caixotes, é de pânico e revolta - amontoado em torno da atividade capitalista que se expande. É sob essa realidade que o adensamento proletário vai agir como elemento fortalecedor da união e da organização rumo à reivindicação.

Ao sopro revolucionário dos imigrantes vão se somar as degradantes condições de vida e o acirramento das contradições econômicas, naquele estágio de desenvolvimento acelerado. O caráter privado do porto indica no sentido de uma relação acirrada de conflitos entre capital e trabalho, na maxi-exploração desta época de desenvolvimento a qualquer custo.

E estas práticas recaem não sobre ex-escravos, como no Rio de Janeiro, em que são maioria dos trabalhadores, - mas sobre imigrantes portugueses e espanhóis, na sua quase totalidade. Diferentemente do restante do país, onde predominam os italianos. Apesar de inferiores em número aos portugueses, os espanhóis são maioria nas lideranças. Em uma área em que sobram acusações de "conspiração estrangeira", pelo caráter internacional do proletariado em cena, também por isso internacionalista ideologicamente. Tentando dividir os trabalhadores entre nacionais e estrangeiros.

Militantes voluntários de uma organização anti-burocrática, os militantes estimulavam o voluntarismo e rejeitavam a regulamentação normativa e disciplinadora. O que denota uma fraqueza, na ausência de disciplina interna, dependia do fôlego das lideranças dedicadas, em que a militância confiava. Sem nenhum privilégio, seu papel neste período impulsionou a história humana. Seus discursos, manifestações, panfletos e jornais não apenas reivindicam, mas pregam a revolução, pela "ação direta" - integrando teoria e ação.

A imigração, por Santos

Melhor adaptados às novas técnicas e objeto do desejo das elites de "europeizar" o Brasil, embranquecendo-o e aproveitando a sua vontade de trabalho, os imigrantes começaram a chegar ao Brasil no início do século XIX. Mas após iniciativas fracassadas de importar alemães para o trabalho na terra, o surto de desenvolvimento industrial e o fim da escravidão apontam para a iniciativa há muito cogitada: a de trazer imigrantes para as vagas que se abriam no mercado de trabalho. Que chegariam, em maioria, pelo porto santista.

O movimento operário, de maioria imigrante, no terreno fértil que encontrou - semeado de ranços escravagistas -, deu-lhe propulsão "atômica". Ao seu impulso revolucionário, evoluíram as formas e entidades de luta, germinadas em terreno ideal para a reivindicação e para a propagação ideológica alternativa ao modelo vigente.

Entre 1871 e 1920, época de maior imigração no País, chegaram ao Brasil cerca de 3.500 mil italianos, quase um milhão de portugueses e 500 mil espanhóis. VIeram a maioria para São Paulo - por Santos -, onde eram maiores os incentivos governamentais e privados para arregimentação desses trabalhadores. Em 1906, os portugueses eram 63% da população imigrante.

Em 1891, o jornal O Estado de São Paulo publica um artigo de Zózimo Barbosa, no dia 20 de fevereiro, deixando clara a rejeição "...contra o péssimo sistema de introduzir imigrantes...", caracterizando-os como "...gente vazia e desordeira". E chamando o processo de incentivo às imigrações de "desmoralizado", com críticas aos dirigentes governamentais que o patrocinam. Mas, apesar disso, a necessidade econômica determinará a continuidade do processo imigratório.

Após as grandes levas de imigrantes portugueses, espanhóis e de outras nacionalidades, em que estas duas vão compor a maioria do proletariado santista, chegam os japoneses, em junho de 1908. Mas estes não vão atuar no porto com os demais, e sim desenvolver atividades agrícolas em áreas inexploradas.

Em 1913, 25% da população total da cidade são compostos por imigrantes. Em 1920, cerca de 70% dos operários. Em Santos, entretanto, a maioria é de portugueses e espanhóis, como era natural nos locais que exigiam força bruta, sem preparo. Eles vão se engajar no ímpeto reivindicatório, massivamente, sob bárbara repressão. Ameaça maior: expulsão do país.

Em 1907, foram expulsos do Brasil 132 trabalhadores, sendo 27 espanhóis, 25 italianos, 47 portugueses e 33 de outras nacionalidades. Em 1913, com o crescimento das greves, 64 trabalhadores são deportados, sendo 8 espanhóis, 18 italianos, 12 portugueses e 26 de outras nacionalidades. Nas greves de 1917, 37 operários, 66 em 1919 e 75 em 1920, 24 em 1921.

Cerca de 550 trabalhadores foram expulsos do Brasil até 1920. São números reduzidos em relação ao número de imigrantes, mas do ponto de vista de seu significado, uma espada sobre a cabeça dos militantes operários. Quando não eram mandados para a Clevelândia, um campo de detenção na selva amazônica, de onde dificilmente alguém saía vivo.

O santista Saavedra, expulso como estrangeiro

Houve casos de deportações de brasileiros tidos como estrangeiros, dada a facilidade com que se decidiam esses processos. Como o caso do santista Manoel Perdigão Saavedra, nascido em Santos em 5 de maio de 1892 e que, em 1921, publicou um livro de sua autoria intitulado Memórias do exílio. O episódio foi registrado por Francisco de Marchi, jornalista e antigo militante comunista, em um artigo no jornal A Tribuna, em 25/11/1986. Aquele homônimo do autor de D. Quixote morava na ilha Barnabé, em 16/10/1919, quando participou da greve da City e foi mandado para a Espanha, a bordo do vapor Benevente.

Saavedra não foi acolhido na Espanha, onde chegou ao porto de Vigo, pois não tinha documentos. Foi mandado para Rotterdam, na Holanda, e depois novamente para Vigo. Heitor de Moraes, advogado dos trabalhadores e diretor do Diário de Santos, impetrou um habeas corpus, sem sucesso. Sua mãe levou a certidão de batismo às autoridades, mas estas de pronto lhe deram sumiço. Retornando à igreja, lhe disseram que este registro não existia.

Afinal, o documento foi encontrado - havia sido remetido para a Cúria Metropolitana de São Paulo - pelo advogado Heitor de Moraes, que apresentou novo habeas corpus em 13/8/1920. Pedindo a repatriação de Saavedra e solicitando a responsabilização do delegado Ibrahym Nobre, conhecido mandante de torturas. Mas este nunca seria penalizado. Após retornar e recusar ofertas políticas, o personagem acabou se suicidando.

No caso de Everardo Dias, citado no mesmo artigo, este espanhol, há 33 anos no Brasil, naturalizado e pai de vários filhos, foi acusado de colaborar com um jornal operário. Reunindo meia dúzia de seus artigos, encarceraram-no em Santos, para deportá-lo. Everardo foi chefe de revisão do jornal O Estado de São Paulo e dirigiu, por 15 anos, o jornal O Livre Pensador - além de ser autor do livro História das lutas sociais no Brasil.

Everardo esteve preso no posto da Vila Mathias, em Santos, na Rua Comendador Martins, próximo à Rangel Pestana - na época um canal aberto. Onde registrou as inscrições que encontrou nas paredes, denunciando bárbaras infrações humanas dos policiais aos detidos. Ele mesmo conta que levou 25 chibatadas. Foi embarcado também no Benevente e voltaria, com festas, em 5/2/1920.

Nascido em 1883, Everardo Dias é um exemplo de teórico e militante dedicado, diversas vezes preso, torturado e expulso. Participante da greve de 1917, é autor do famoso Manifesto aos soldados, chamando-os à insubordinação, repetindo essa atuação em 1919. Preso na Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, em 1924, saiu da prisão em 1927 e continuou a militância política. Preso novamente em 19345, é um referencial para a história da luta operária brasileira.

Lideranças estrangeiras

De 1890 a 1920, os imigrantes e seus filhos brasileiros eram a maioria dos trabalhadores de São Paulo e Santos. Em São Paulo, de um grupo de 44 lideranças identificadas, 82% eram imigrantes e os italianos eram 61%. Em Santos, a liderança estrangeira fica em torno de 88% e no RIo de Janeiro abaixo de 50%. Antes, em 1889, os cônsules de Portugal e Espanha foram chamados para "acalmar seus patrícios", o que demonstra essa majoritariedade. Que, apesar da maioria de portugueses, tinha nos espanhóis a maior parte das lideranças.

Os ibéricos, menos aptos às técnicas da indústria ou da agricultura, vêm para o "trabalho pesado" da construção portuária. E, em seus países de origem, a luta operária já se desenvolve há décadas, com grandes conflitos. Muitos são deportados daqueles países, compõem a nata das lideranças, como ocorreu em todo o País. E instalam aqui a "ação direta" contra o patronato, atingido diretamente na paralisação da produção como instrumento reivindicatório.

A marginalização do proletariado brasileiro decorrente dessa imigração não pode, segundo alguns historiadores, ser atribuída à diferença de capacidade, pois ambos vieram para a cidade das áreas rurais. Havia uma "psique" nacional de que a Europa era o centro da civilização, devendo-se copiá-la. Além do mais, os imigrantes vinham para ganhar dinheiro, ao contrário dos ex-escravos que viam na libertação do trabalho, a que foram obrigados por três séculos, a oportunidade da satisfação de impulsos adiados.

São comuns nestes tempos os castigos físicos e o roubo nos salários - falsificação no ponto -, pela empresa. Sem contar a contribuição compulsória à Sociedade Beneficente Docas de Santos, que - controlada pelos patrões - não dá a assistência prometida aos operários. Carestia e doenças estão presentes no dia-a-dia dos trabalhadores, torturas e invasões rotineiras de domicílios, além de violência nas ruas.

É esse o "caldo de cultura" que os imigrantes vão encontrar. A violência da "recepção", denunciada na Itália por militantes como Victorio Vacirca - que se elegeu deputado em sua terra -, vai fazer com que aquele país proíba a imigração para o Brasil.

Conflito e aliança em Santos

O jornal pró-operário A Vanguarda, irônico, pede a criação de uma "sociedade protetora dos seres humanos", em resposta a uma carta criticando o tratamento dos animais pelos cocheiros. E a "hipocrisia das sociedades humanitárias burguesas", na edição de 21/1/1909, que denuncia o excesso de trabalho, 16 ou 17 horas por dia. No Itutinga funcionava o armazém de alimentos da Docas, que cobra preços exorbitantes por gêneros podres e bichados, descontados diretamente nos salários.

Aos abundantes fatores concretos, alguns dos quais alinhados, vai se somar o espírito libertário aqui residente, abolicionista, republicano, socialista, humanitário. O progresso capitalista, fundamentado em cruéis regras de exploração do homem pelo homem, vai a partir daí incendiar o conflito social, impulsionando o avanço do proletariado rumo às suas reivindicações.

A empresa do porto, além de manipular o apoio do governo federal com vasos de guerra e tropas abundantes, também consegue o apoio da maioria da imprensa, os jornais O Diário e Cidade de Santos. A Tribuna associa-se aos protestos da elite local, que em alguns momentos são os mesmos dos trabalhadores. É inclusive fechada na greve de 1908 - de 24 a 29/9, alvo de tiros na fachada -, quando a cidade é virtualmente invadida por fuzileiros navais, que espancavam populares pelas ruas.

O povo vaiou a repressão desproporcional nessa greve. A imprensa registra que se fizessem um plebiscito, os trabalhadores ganhavam. Era um tempo de aliança entre a burguesia local, que não era produtora mas intermediária do produto exportado. Desde sempre prejudicada pela Docas, que lhe arrebatou o controle e elevou seus custos de embarque. Mas jamais a classe dominante esteve outra vez no controle da luta social, na vigência do anarco-sindicalismo.

As federações operárias

A realidade do trabalho semi-escravo - e a necessidade de superar essa realidade adversa - fará nascer as primeiras organizações operárias em Santos ainda no século XIX, à margem da lei. A cidade, que tivera expressivas organizações sociais em tempos passados, da luta pela Abolição e pela República, agora tem deslocada sua representação social expressiva para os trabalhadores do porto - que vão "roubar a cena", com sua mobilização.

Em 1905, após tímidas legislações, nasce a lei que permite os sindicatos profissionais e as sociedades cooperativas, livremente, sem autorização do governo. Reconhecia-se o pluralismo natural da auto-organização dos trabalhadores, no decreto legislativo 1.637, de 5/1/1907 - quando foi promulgado por Afonso Pena e Miguel Calmon. Mas isso era apenas no aspecto legal: de fato, essas entidades eram constantemente invadidas e destruídas, com seus integrantes presos, torturados e deportados.

O ano de 1907, em que a meta operária - deliberada no congresso que fundou a Confederação Operária Brasileira, em 1906 - é a conquista da jornada de 8 horas, ocorrem grandes conflitos. E é também o ano da lei "Adolfo Gordo", de repressão ao movimento operário. Que permanecerá em vigência, com retoques, até 1921. Bastava o pedido de uma autoridade policial e ocorria a expulsão do país, sem limitações mesmo para os aqui residentes há anos.

A primeira entidade que incorpora os avulsos do porto santista nasce em 1904, a Sociedade Primeiro de Maio, fundada por trabalhadores da construção civil - que teria como secretário Severino Antunha. Logo se instalaria biblioteca e aulas para os associados. Sua primeira atitude foi encaminhar uma petição à Câmara Municipal, relativa aos acidentes de trabalho. O objetivo era que se elaborasse uma legislação relativa ao problema. Mas a petição foi simplesmente indeferida.

Depois da Sociedade Primeiro de Maio, fundada nessa data histórica, em 7 de agosto é fundada a Sociedade Internacional União dos Operários, que lidera as greves de 1950 e 1908. Reunindo os sindicatos de trabalhadores já existentes, como os dos pedreiros e metalúrgicos, no objetivo de fortalecer a luta, a SIUO reunia várias categorias e tinha cinco mil membros, como noticia A Tribuna Operária - órgão da entidade - em 7/8/1909. Reúne os trabalhadores da Docas, Inglesa (São Paulo Railway), ternos de armazém, ensaque e avulsos.

Ao contrário da Primeiro de Maio, a SIUO tenta agrupar "os trabalhadores de Santos", não um grupo profissional ou de indústria. Há tentativas de união, sendo recusadas, o que mostra ter havido divergências entre elas. Em 19 de julho de 1907, surge a Federação Operária Local de Santos, a FOLS, como um racha da SIUO. Em uma assembléia desta, o líder dos pedreiros, Luiz La Sacala, chama para uma entidade "...livre da burocracia própria da organização burguesa que nos oprime", como noticia o jornal A Terra Livre, de 20/12/1907.

A FOLS reúne pedreiros, pintores, carpinteiros, funileiros, carregadores de café e outras categorias. E promove neste ano a greve de 15 dias pela jornada de 8 horas e por aumentos salariais, no setor da construção civil. Em 1 de maio de 1908, comemorando a data com a paralisação do trabalho, morre o operário Serafim Duarte, da Inglesa - a São Paulo Railway. Aniceto Chaves, militante anarco-sindicalista, é preso e processado por esta morte. Em novembro ele é absolvido e solto, como escreve A Tribuna em 1 e 2 de maio de 1908 e em 10 de novembro desse ano.

O movimento operário santista desta época é vítima de uma repressão equivalente ao seu poder de organização, pois a iniciativa portuária que se expande é vital para os interesses da classe dominante. Desse desenho de uma iniciativa empresarial privada e de vulto, vital para a economia nacional, se contrapõe um proletariado mais consciente e perseverante - que instala aqui um sindicalismo forte e reivindicatório. QUem se projeta na luta são os "rabanetes" - como chamavam aos anarco-sindicalistas na escala de tons do vermelho que dá o tom da postura política. Ou seja, o extremo oposto dos "amarelos", reformistas e parlamentaristas.

Cultura operária

O período é de bárbara repressão, em que Santos é constantemente invadida por navios de guerra lotados de tropas, que tomam conta da cidade. Torturas, deportações e leis repressivas são lugar comum nestes tempos da maior mobilização social que o País conheceu. E que plantou as conquistas que os trabalhadores têm até hoje, desmentindo a assertiva de que tenha sido aniquilado.

É tempo de uma prodigiosa ação cultural - em que a imprensa é a maior atitude - no objetivo de atrair aliados, dificultada pelo analfabetismo da maioria. Mas que é sublimada com representações teatrais em que se exemplificam as situações de injustiça, ilustrando a ação revolucionária para a mudança social. Como a questão do controle da força de trabalho, em que se defrontam a empresa do porto, que quer absorvê-los, e os trabalhadores - que querem gerir a mão-de-obra.

Mas o "polvo", como chamavam à Docas por seus inúmeros tentáculos, tenta a todo custo impor o controle, para melhor explorar os custos. Isso resulta em maciços enfrentamentos, como na greve de 1908. Esta é a questão central que irá atravessar todo o período. Os trabalhadores dos portos de todo o mundo têm uma tradição de auto-organização para o trabalho, oriunda da própria história. Antigos empregados dos armadores, foram dispensados no processo de enxugamento da mão-de-obra marítima.

Abandonados nos portos e fazendo serviços ocasionais, quando chegavam os navios - assim os armadores não precisavam pagar-lhes durante o tempo de viagem, apenas na movimentação de carga e descarga -, organizaram-se e instituíram o modelo do auto-controle da força de trabalho, o closed shop sistem. Em Santos, só em 1930 a estiva irá efetivar essa conquista, após uma verdadeira luta armada, tiroteios e pressões. E com apoio do tenente Miguel Costa, companheiro de Luiz Carlos Prestes na famosa coluna - então secretário de segurança de São Paulo, após o golpe de Vargas - que veio reprimir o movimento e lhe deu apoio.

Pesadelos operários

O sonho de uma terra de paz, trabalho e felicidade, perseguido pelos imigrantes quando embarcavam para o Brasil, a "Canaã" prometida, começava a se desvanecer na viagem, em condições semelhantes às dos escravos em tempos passados. Lotando porões de carga como nos navios negreiros, os substitutos da mão-de-obra escrava teriam aqui tratamento equivalente.

A carestia e a precariedade das moradias completavam o quadro de existência desses trabalhadores severamente explorados, que logo descobrem a necessidade de se organizarem, reunindo militantes sindicais. Na fábrica Mattarazzo, em São Paulo, eram comuns jornadas de 17 horas, 14 para as mulheres e 12 para as crianças de 8 a 12 anos de idade. Aqui, o excesso de trabalho era a causa de acidentes.

O movimento operário dessa época já tem a perspectiva da redução da jornada de trabalho em função do aumento de vagas na mão-de-obra. É uma medida "higiênica e sanitária", já que redutora de acidentes, como dizem seus jornais, "uma lógica da evolução humana".

Crianças operárias

A ideologia repressiva que chega com a República, no golpe militar de 1889, cumpre o papel de "ordenar" a "turba" que se junta em torno da ação econômica. Os militares tinham se recusado a perseguir escravos fugidos, mas esta era apenas uma questão tática. Liquidada a escravidão, foram aplicados na repressão. A ótica patronal destes tempos é tão desumana como antes, na vigência do código escravagista, não se modifica na lei, apenas.

Obriga as crianças ao trabalho, na necessidade de sobrevivência. Esqueléticas, de olhos fundos, apanhavam se errassem o serviço e a maioria era tuberculosa, muitas mutiladas. Era como contava o jornal A Terra Livre, do Rio de Janeiro, de 18/8/1907, descrevendo as indústrias da capital. Os pais que reclamassem eram demitidos e entravam ara uma lista negra, de modo a que não mais conseguissem trabalho. Para viver miseravelmente, toda a família tinha que trabalhar, nestes tempos.

Repressão santista

Compunham a estrutura repressiva a polícia local, que prendia e torturava; os bombeiros, fuzileiros navais e tropas estaduais e federais. Que se reforçam a partir de 1905, quando a greve deste ano foi derrotada. Na repressão, a fama das prisões santistas ultrapassava fronteiras. Em 1920, o deputado federal Maurício de Lacerda, exercendo seu último mandato no Congresso, colaborou assiduamente no jornal operário A Voz do Povo, registrando tudo.

Em um artigo sobre a Conferência do Trabalho em Washington, observou que o integrante do governo Afrânio de Melo Franco havia assegurado, aos seus colegas de outros países, que os estrangeiros no Brasil  gozavam das mesmas garantias constitucionais dos brasileiros natos. "Não há dúvida", escreveu Lacerda, "que são as mesmas'. "Pois os brasileiros também não são presos, expulsos e surrados nas bastilhas de Santos?" Esse texto está no jornal A Voz do Povo, de 6/2/1920. Nascido em 1888, Lacerda representou os interesses dos trabalhadores no Congresso Nacional, tendo grande atuação nos três mandatos que exerceu a partir de 1912.

Em 1917, Maurício foi preso e acusado de ser bolchevista. Segundo ele, o governo usava "a espada nas prisões e a chibata nas ruas" e, ao lidar com a questão operária, só favorecia os grupos radicais, impedindo uma transição pacífica. Essa declaração Maurício de Lacerda escreveu no jornal A Voz do Povo, de 14/2/1920. Em Santos, onde a maior contratadora - a Docas - utilizava mão-de-obra pesada (construção), a situação não é menos grave. Acidentes constantes ocorrem e não existe assistência, nem mesmo da entidade que desconta compulsoriamente taxa para este fim. A união dos trabalhadores é a única resposta.

A explosão social resultante da maxi-exploração dos trabalhadores e as determinantes econômicas impostas, associadas à etnia dos agentes da força de trabalho, constitui um terreno fértil para a disseminação ideológica radial, combatida radicalmente pelo Estado. O fruto é a conquista de direitos, que vão ser implantados nos portos de todo o Pais.