Obras do Canal do Mercado, no início do século XX,
vendo-se ao fundo o bonde 19 e as cantinas dos trabalhadores da Companhia Docas de Santos
Foto: Arquivo Novo Milênio
Os trabalhadores de Santos no final do século XIX até 1920
Historiadora Eulâmpia Requejo Rocha
O anarco-sindicalismo ainda não estava estruturado na cidade
de Santos, quando se deram início às greves por categoria. E foi numa época em que a cidade atravessava uma crise com a saúde e a higiene. Esses
problemas, então, geraram revoltas entre os trabalhadores diretamente prejudicados, pois exerciam atividades de alta insalubridade.
Entre esses, estavam os trabalhadores do porto, da construção civil e dos transportes. Os
salários foram a principal reivindicação no começo do século (N.E.: século XX). Em agosto
de 1900, entram em greve, por melhores salários, os trabalhadores da Estrada de Ferro São Paulo Railway Company, além de exigir ordenados pagos
mensalmente; substituição do feitor encarregado dos serviços de carga e descarga e não dispensa de funcionários devido à greve. A empresa não cedeu.
Houve muita repressão, substituição de grevistas e punições através de prisões e demissões.
Santos, daí para frente, vai se inserir entre os centros em que há maior agitação do
operariado, equiparando-se ao Rio de Janeiro, justamente, por ser cidade-porto e receber uma grande concentração de imigrantes.
Em 1904, a recém-criada Internacional União dos Operários coordena uma greve contra a
Companhia Docas de Santos, movimento este aderido por vários outros sindicatos e associações de classe, inclusive de gráficos de São Paulo. Essa
greve do porto, que foi liderada pelo sindicato, fracassou depois de 27 dias de paralisação com centenas de prisões.
Em 1905, a Sociedade Internacional União Operária convocou uma greve geral em Santos, e a
agitação toma conta de novo do Porto, quando marinheiros e fuzileiros navais cercaram o cais e a polícia vigia todo o Centro.
Em 1906, ocorre o 1º Congresso Operário do Brasil, onde vão se estabelecer algumas linhas
mestras no movimento em todo o país. Uma delas é a determinação pela luta pelas oito horas de trabalho, e São Paulo, em 1907, com sua primeira greve
nesse sentido, sai vitoriosa. Estão nessa luta os pedreiros e gráficos, mas esses últimos somente conseguem o benefício para três gráficas, o
restante ganha oito horas e meia.
Também em 1907, os trabalhadores da construção civil em São Paulo pedem a redução da jornada
e conseguem.
Em Santos, temos, em 1908, a greve dos trabalhadores da limpeza pública, cuja paralisação
começou na madrugada do dia 29 de outubro, e quis a Polícia invadir as casas dos trabalhadores ainda de madrugada. Eram, na maioria, trabalhadores
italianos e analfabetos.
Greve feia também foi a dos transportes ocorrida em 1908, quando o caso foi parar na
Polícia, com o inquérito acusando os trabalhadores de agredirem cocheiros e condutores de bondes, a fim de impedir o trânsito na Rua Júlio de
Mesquita, na Vila Mathias.
No dia 23 de outubro de 1909, foi a vez de os trabalhadores de um prédio da Rua XV de
Novembro se declararem em greve, sob a direção do construtor João Pentoni e orientados pelo Sindicato dos Pedreiros e Serventes. O motivo dessa
greve foi um motivo isolado.
No mês de outubro de 1909, o promotor público Norberto Cerqueira apresentou denúncia contra
154 operários, a maioria estrangeiros. Essa denúncia foi relacionada em A Tribuna do dia 3 de outubro de 1909. Foi um movimento contra uma
reunião havida na Federação Operária, na noite do dia 17 de junho, acusados de incitarem os padeiros à greve.
Em 1909 já estava vigorando uma lei contra os estrangeiros, a Lei de Expulsão destes ou de
Expulsão dos Perturbadores Estrangeiros, que foi preparada no governo Afonso Pena, mas, como a maioria dos trabalhadores era de estrangeiros, tal
expulsão não pôde ser executada - somente teve como conseqüência uma maior repressão a eles, em 1912.
A Companhia de Tecelagem Santista, na Vila Macuco, também fez uma greve isolada, em 30 de
janeiro de 1911, por motivo também particular da empresa; foram contra a suspensão do contramestre Abel Marujo, porque este desrespeitou um
funcionário amigo do gerente. E outras greves foram acontecendo, como as da Companhia City, em Santos, e da Cia. Docas.
Associações - E com tantas greves, tinha, naturalmente, que se organizar em
sindicatos ou associações, o operariado santista. Fundou-se, então, em 1904, a Sociedade 1º de Maio, com a qual surgiram os primeiros vestígios de
evolução do operariado santista. Nessa associação estavam englobados os pedreiros, os carpinteiros, os serventes e pintores.
Os trabalhadores de outras classes, então, acharam que também tinham que se organizar. É
quando surge, em 7 de agosto de 1904, a Internacional União dos Operários.
E como sempre acontece, surgiram divergências entre as duas. Elas vão se fundir numa só
depois de muitas articulações e desentendimentos, e surge então o Centro União de Classes 1º de Maio.
Depois de notáveis vitórias nos movimentos grevistas, as classes, que três anos atrás haviam
formado a 1º de Maio, resolvem fundar, e definitivamente, a 22 de julho de 1907, a Federação Operária Local, com um grande número de associados e de
caráter puramente sindicalista. Nesse ínterim, os operários do Moinho Santista obtêm uma melhoria salarial e a Federação em pouco tempo organiza os
Sindicatos dos Pedreiros e Serventes, Carpinteiros, Pintores, Funileiros, Metalúrgicos etc.
No período de 1908 a 1912, a Federação consegue organizar mais os sindicatos de Carroceiros,
"Chauffeurs", Padeiros, Moinho Santista, Ternos de Café e vários outros ofícios.
Em 1910 e 1911, a Federação mantém uma escola para as crianças de seus associados e adultos
e um jornal intitulado O Proletário.
As ligas e uniões também vão surgir e são elas associações operárias de defesa dos
interesses dos trabalhadores, contra a exploração capitalista, organizados, ou como sindicatos, ou ligas de resistência, ou uniões de ofícios, ou
associações de classes etc. Elas são importantes porque oferecem vários benefícios, além de aglutinar trabalhadores contra a opressão dos patrões.
São palestras, seminários, conferências, teatro, divulgação de livros e outros eventos culturais. Seguem o modelo do educador espanhol Francisco
Ferrer Y Guardia.
Em Santos, surgiu a Liga dos Sindicatos Operários, em 1908, transformada em Federação
Operária no ano seguinte.
No plano nacional, foi criada a Confederação Operária Brasileira, cuja sede ficava no Rio de
Janeiro, e dela faziam parte a Associação Internacional União dos Operários de Santos e Federação Operária Local.
Como Santos recebia muitos imigrantes, formaram-se muitas associações beneficentes, de ajuda
mútua, de resistência e sindicatos, mais no final da [N.E.: palavra omitida: primeira]
década do século XX. As mais destacadas foram: Sociedade de Beneficência Portuguesa (1859); Sociedade União Operária (1891); Sociedade Humanitária
de Empregados do Comércio (1902); Sociedade 1º de Maio (1904); Sociedade Dois de Fevereiro (1905); Liga dos Sindicatos Operários (1908); União dos
Trabalhadores Gráficos (1919); União dos Alfaiates (1919) e outros.
Jornais - Como em todo movimento, há necessidade de divulgação e propaganda, e para
isso foram utilizados vários jornais em circulação e criados outros. Eles tiveram, então, muita importância na história do movimento operário.
Os anarquistas e os anarco-sindicalistas utilizavam os periódicos para divulgar sua
doutrina, promover educação e agrupar trabalhadores, além de registrar os movimentos próprios.
Não se sabe se a imprensa operária de tendência, em Santos, foi intensa ou se resumia em poucas
publicações. Os poucos que existiam e foram encontrados demonstram que eram usados para a conscientização do trabalhador, e não eram instrumentos de
incitação à greve.
O jornal União dos Operários era da Sociedade Internacional União dos Operários;
exemplo circular de 1905. Nessa sociedade, tinha, em 1909, a A Tribuna Operária.
O jornal Aurora Social era da Federação Operária Local, tendo um número de exemplar
circulado no dia 8 de junho de 1910.
Nas oito edições conseguidas do jornal O Proletário, datadas de junho, julho, agosto
e outubro de 1911 e janeiro de 1912, constata-se que seu conteúdo está todo voltado para a doutrina do anarquismo, além também de literatura,
notícia internacional do movimento operário, folhetim de orientação anarquista e outros.
O jornal Vanguarda já tinha características comerciais, que vivia de anúncios, além
de comentários, cartas, comunicados de trabalhadores. Abordava também, além de anúncios, as etapas dos movimentos grevistas; a ação da polícia; as
más condições de vida dos trabalhadores; a situação precária da cidade; e quem dirigia esse jornal era Benjamin Mota, que era militante anarquista.
Em 1897, abraça a bandeira socialista, e ele diz que do socialismo para o anarquismo foi um pulo.
A Vanguarda tem duas fases: uma que vai do nº 1 ao 832, intitulando-se Diário da
Manhã, independente. A segunda fase começa no nº 833 de 11 de fevereiro de 1911, sob a direção de Silvino Martins, e o jornal passa para o
Partido Republicano Conservador.
Empresas - Deixo aqui algumas firmas santistas, onde trabalhava o operariado de
Santos:
A firma Carvalho &
Faria, fundada em 1º de outubro de 1915, pelo Sr. Antonio Pereira de Carvalho, firma da qual também fez parte o Sr. Joaquim Augusto de Faria e
Joaquim Pereira de Carvalho. Era um importante mercado de café. Os escritórios da firma achavam-se instalados na Rua Santo António, nº 106, e um
grande depósito para armazenamento de café, na mesma rua no nº 104, hoje Rua do Comércio, na atual
Casa Azulejada.
Companhia Santista
de Tecelagem S/A, uma fábrica de aniagens, com a seção de confecção de sacos, fundada em 31 de dezembro de 1904, cuja diretoria era composta dos
Srs. Antonio Freitas Guimarães Sobrinho, Frederico Junqueira, Arnaldo Ferreira de Aguiar, Francisco Martins dos Santos. Os terrenos que a firma
adquiriu eram na Villa Macuco e serviram para se edificar a fábrica e as casas dos operários, e mediam 18.500 metros quadrados; os teares da seção
de tecelagem, em número de 180, eram de procedência inglesa.
F.S.Hampshire & Cia.
Ltda., firma fundada em, mais ou menos, 1884, cujos escritórios se achavam instalados na Rua 15 de Novembro nº 147, com o ramo de negócios
marítimos. Os negócios da Sociedade eram superintendidos pelo Sr. Albert Smith, ajudado pelo Sr. Herbert F. Hampshire, subgerente, filho do fundador
da firma.
Firma Pedro dos
Santos & Cia., fundada em 1888, tinha seus armazéns instalados na Rua 15 de Novembro nºs 42 a 46, em Santos, cuja firma era composta dos Srs.
Joaquim Pedro dos Santos e João da Silva Monteiro. Exploravam numerosos ramos, tendo as seções de ferragens, tintas, louças, metais, cristais e
outros artigos que importavam de fábricas dos Estados Unidos e países da Europa.
Papelaria e
Typografia "Peixinho", de L.S. Peixinho & Cia., ficava instalada na Rua XV de Novembro nº 149/151, e foi fundada em mais ou menos 1910, pelo Sr.
L.S. Peixinho.
Foram colocadas nesta redação as firmas pesquisadas acima para identificarmos alguns patrões
do começo do século.
Grupo de trabalhadores na construção do Armazém 25 do porto, cerca de 1930, tendo em
primeiro plano vagonete utilizado no transporte de pedras destinadas ao
novo cais
Foto: Arquivo Novo Milênio
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