O majestoso Graf Zeppelin passou por Santos em 1933
Foto da empresa aérea alemã Lufthansa
A era dos fantásticos dirigíveis
J. Muniz Jr. (*)
Colaborador
Já se disse que tudo tem seu tempo certo, seu apogeu,
enfim, sua razão de ser, e os dirigíveis de grandes dimensões não fugiram à regra. Tiveram sua época de esplendor e, como num romance de Júlio
Verne, deslizavam suavemente pelos céus, assombrando o mundo, arrancando exclamações de contentamento das multidões extasiadas, durante as
travessias aéreas dos oceanos e continentes.
Em 1906, depois de várias tentativas, um gigantesco dirigível alemão, idealizado pelo
conde Von Zeppelin, elevou-se nos ares e voou majestosamente. Foi um momento culminante, era a primeira vez que um aparelho de armação rígida de
alumínio, mais leve do que o ar, ganhava a imensidão do espaço, no prelúdio de uma nova e maravilhosa era: da navegação aérea.
Trinta e um anos depois, em face do trágico acidente que destruiu o gigantesco
Hindenburg, nos Estados Unidos, foi assinalado o início do fim de uma era fascinante, dos importantes dirigíveis metálicos que transportavam
passageiros em gôndolas luxuosamente equipadas, através de longas travessias oceânicas pelo espaço, cruzando o Atlântico em dois dias.
Tudo começou em fins do século XIX, quando um oficial reformado do antigo exército
imperial alemão, o Graf Ferdinand von Zeppelin (nascido em 1838), baseado nas idéias de Schwartz, um engenheiro austríaco que havia tentado
construir um balão de alumínio em 1887, projetou um aerostato sob comando, partindo então para tentativas arrojadas, em Friedrichshafen, onde
morava.
Apesar do seu projeto ter sido rejeitado pelo Kaiser em 1894, o nobre militar,
contando com o apoio da população do povoado à margem do Lago Constança e utilizando todos os seus recursos financeiros, se empenhou na construção
de aeronaves com estrutura rígida, numa época em que os balões carregados de gás tinham estrutura flexível, surgindo assim a Luftschiffbau-Zeppelin.
O LZ-1, de 128 metros de comprimento, sobre o Lago Constança, na Alemanha (Bodensee)
em 2/7/1900, em cartão postal e selo alemão comemorativo lançado em 1979
Reprodução do livro Correio Aéreo Internacional, Ary Serpa, edição do autor,
Santos/SP, 1983+
Além de orientar a edificação de uma usina de alumínio, o ousado conde iniciou a
construção e montagem dos primeiros dirigíveis rígidos em 1889, e, a despeito das dificuldades, terminou o seu primeiro modelo no ano seguinte. No
entanto, o protótipo LZ-1 somente foi aprovado cinco anos depois, sendo que os modelos testados levavam as iniciais LZ, de Ludwig (assistente do
conde) e do próprio Zeppelin, antecedendo a numeração.
O modelo que obteve êxito em 1906 era um gigantesco arcabouço rígido de alumínio (130
metros de comprimento), com uma série de balonetes contendo hidrogênio no bojo, lançado de uma plataforma móvel sobre o lago Constança. Até 1914,
foram construídos e testados em Friedrichshafen 25 dirigíveis de grandes dimensões, levando Von Zeppelin a ser reconhecido pelo governo alemão. Por
isso, a maioria dos seus aparelhos foi vendida ao Exército e à Marinha, colocando a Alemanha numa inegável posição de liderança em tecnologia de
aeronaves mais leves do que o ar.
Com a eclosão da I Guerra Mundial em 1914, o alto comando alemão tinha condições de
empregar as gigantescas máquinas para bombardear a Inglaterra, tendo sido usadas em raids noturnos contra Paris. No decorrer do conflito
armado na Europa, a Inglaterra, a França e os Estados Unidos também construíram dirigíveis militares, só que não tinham a supremacia das máquinas
voadoras alemãs.
Todavia, com a morte do venerável conde em 1917, o Tratado de Versalhes proibiu a
Alemanha de construir novos dirigíveis. Porém, o impedimento não durou muito, pois, a partir dos anos 20, a indústria alemã reiniciou a construção
de aeronaves de gigantescas proporções, com o objetivo de utilizá-las no transporte de passageiros em viagens de longa distância. Também chegou a
construir o LZ-126, para ser entregue aos Estados Unidos como indenização de guerra, que veio a receber, posteriormente, a denominação de Los
Angeles.
Em 1927, foi iniciada a construção de dois famosos dirigíveis alemães, o Graf
Zeppelin (D-LZ-127) e o Hindenburg (LZ-129) e, a 4 de outubro de 1928, uma expedição aérea de Nobille-Amundsen atingiu o Pólo Norte com o
dirigível semi-rígido Norge, projetado pelo general italiano Umberto Nobille. E os imponentes aparelhos continuaram a cruzar os céus naquela
década, proporcionando uma seqüência de feitos notáveis.
Como parte de um esquema de arrojados projetos aéreos, envolvendo hidroaviões e
dirigíveis, o Graf Zeppelin decolou no dia 15 de agosto de 1929 em Friedrichshafen, iniciando um cruzeiro mundial à América via Extremo
Oriente, com 20 passageiros a bordo. Passando pela Sibéria e Estreito de Sachalin, chegou ao aeroporto para dirigíveis em Kasumi-ga-ura, nas
imediações de Tóquio, cumprindo o percurso em 101 horas e 49 minutos.
O Conde Zepellin teve festiva recepção no
Rio de Janeiro
Fotos do livro 100 Anos de República, vol. III, 1989, Ed.Nova Cultural, São Paulo
A primeira viagem transatlântica de um dirigível entre a Alemanha e a América do Sul
foi registrada em maio de 1930, quando o Graf Zeppelin decola de Friedrichshafen dia 18 e chega ao aeroporto de dirigíveis nas cercanias de
Recife, no dia 21 do mesmo mês.
Também pousou no Campo dos Afonsos e a sua chegada na antiga Capital Federal no dia 25
foi um pandemônio, alvoroçou a população carioca pelo seu tamanho descomunal, gritando euforicamente: "É o Zeppelin". De fato, era um
colosso, tinha 236,6 metros de comprimento por 30,5 de diâmetro, equipado com cinco motores de 530 HP e com um raio de ação de 10.000 quilômetros.
Raridade para filatelistas, os "Provisórios da Paraíba" foram selos de 20$000
sobre-estampados com carimbo para 5$000 por falta destes, pelo agente em João Pessoa/PB do Syndicato Condor - que tinha direito de emissão postal -,
para a correspondência colocada na primeira viagem do Zeppelin à América do Sul, em 28/5/1930
Reprodução do livro Correio Aéreo Internacional, Ary Serpa, edição do autor,
Santos/SP, 1983+
Tal foi a importância das viagens transatlânticas, que os monumentais zeppelins
realizaram três viagens ao Brasil em 1931, nove em 1932 e 1933, 12 em 1934 (uma até Buenos Aires) e 16 em 1935.
As viagens atingiram seu apogeu naquele decênio, tanto é que a empresa Luftschiffbau
Zeppelin obteve autorização do Governo brasileiro para construir um aeroporto, com instalações adequadas para a ancoragem e proteção das aeronaves.
Isso, a partir de janeiro de 1934, numa extensa planície em Santa Cruz (Campo de São José), no Rio de Janeiro, onde foi erguido um hangar
apropriado, com sólidas estruturas de aço, 270 metros de comprimento, 50 de altura e o mesmo de largura, recebendo o aeroporto o nome de
Bartolomeu de Gusmão (o Precursor da Navegação Aérea).
Da fusão da Deutsche Lufthansa Aktegesellschaft e da Luftschiffbau Friedrichshafen
surgem em 1935 a Deutsche Zeppelinreederei (DZR), que passou a cuidar das travessias aéreas dos dirigíveis, passageiros e mala postal com destino ao
Rio de Janeiro.
O Graf Zeppelin sobrevoando Santos, tendo em primeiro plano o hospital da Santa
Casa
(clique na imagem para mais detalhes)
Seguindo a sua rota maravilhosa através dos ares, o majestoso Graf Zeppelin
passou por Santos em novembro de 1935, deixando um rastro ofuscante devido à opulência do seu bojo prateado, que fulgia como um sonho ao reflexo dos
raios solares. Transportou, naquele mesmo ano, 572 passageiros e em 1936 cerca de mil passageiros entre a Europa e a América do Sul, inclusive dois
aviões pequenos e um automóvel, como carga aérea (N. E.: na verdade, o Graf Zeppelin
esteve em Santos em 11/5/1933 e o Hindenburg sobrevoou a cidade em 30/11/1936).
Decolou para executar seu último vôo de carreira em 26 de abril de 1937.
Considerado a obra-prima da indústria aeronáutica alemã, com 250 metros de comprimento
e com uma autonomia de vôo de 14.000 quilômetros, o dirigível Hindenburg (LZ-129) foi lançado em 1936. Transportava 50 passageiros em
camarotes individuais, com gôndola dotada de salões de jogos, bar, cobertas de passeio, refinado restaurante e janelas panorâmicas, ganhando
manchete na imprensa mundial da época pelo seu conforto e opulência.
No dia 30 de novembro daquele ano de 1936, o Hindenburg iniciou cruzeiro ao Sul
do Brasil, saindo do Rio de Janeiro com passageiros e autoridades especialmente convidadas, dentre as quais os srs. Schmidt Elskop, embaixador
alemão no Brasil; Arthur de Sousa e Costa, ministro da Fazenda; Gustavo Capanema, ministro da Educação; almirante Aristides Guilhem, ministro da
Marinha; general João Gomes Ribeiro Filho, ministro da Guerra; Souza Leão, representante do ministro das Relações Exteriores; Trajano Furtado Reis,
diretor do Departamento de Aeronáutica Civil e outros.
Largando do aeródromo de Santa Cruz, às 16 horas e 23 minutos, a bela aeronave alemã
passou por Santos, surgindo do lado da Ponta da Praia, por volta das 18 horas, despertando a curiosidade da população santista. Logo rumou para São
Paulo, onde chegou à noite, toda iluminada, oportunidade em que as autoridades de bordo enviaram radiograma de cumprimentos ao governador do Estado,
dr. Armando de Salles Oliveira. Depois de sobrevoar a capital paulista, seguiu com destino ao Sul do País.
Mas nem tudo logrou êxito, ocorreram desastres fatais, assinalando uma seqüência de
tragédias: a Inglaterra registrou uma grande perda em 23 de agosto de 1921, quando o dirigível transatlântico R-38 foi totalmente destroçado
por uma tempestade.
Em dezembro de 1923, o dirigível francês Dixmude desapareceu no Mediterrâneo;
depois o Akron, da Marinha de Guerra dos Estados Unidos, mergulhou para sempre no litoral de Nova Jersey, seguido de outro dirigível naval
americano, o Shenandoah, que foi abatido por uma tempestade em Ohio. Também o dirigível inglês R-101 foi destruído durante o vôo
inaugural e ainda, em princípios de 1935, foi a vez do Macon (EUA), fulminado em pleno vôo no litoral da Califórnia.
A explosão do Hindenburg
Foto: 150 Jahre Fotojournalismus - The Hulton Deutsch Collection,
Ed. Könemann, Köln, Deutschland, 1995, p.328
No dia 6 de maio de 1937, quando pousava em Lakehurst, em Nova Jersey, o Hindenburg
explodiu misteriosamente e foi totalmente destruído pelo fogo a menos de 100 metros de altura, diante de mil espectadores estupefatos com aquela
cena dantesca. Uma verdadeira tragédia que resultou em 36 mortos, a maioria carbonizados. O inevitável desastre foi atribuído a uma descarga
elétrica; todavia, chegou a ser cogitada a hipótese de sabotagem. Desaparecia, assim, a fantástica aeronave, orgulho da frota aérea germânica, como
que pressagiando o fim de uma era marcante para a aeronáutica mundial, que envolveu os fascinantes dirigíveis e suas fantásticas viagens pelo mundo.
Bibliografia: A Tribuna, Rápido cruzeiro do Hindenburg
(01-12-1936) - Dirigível Hindenburg (02/12/1936); Enciclopédia Prática Jackson, Os Dirigíveis, W. M. Jackson, Inc. Gráf. Ed.
Brasiliense, São Paulo, 1954; Eu Sei Tudo (almanaque), O Dirigível Metálico, Compl. Ed. Americana, Rio de Janeiro, 1958; História
Geral da Aeronáutica Brasileira, Vol. II, co-edição Ed. Itatiaia Ltda., Incaer, Rio de Janeiro, 1988; Manchete (Supl.) nº 979, Os
Homens que Fizeram o Século 20, Bloch Ed., Rio de Janeiro, s.d. - A Volta dos Dirigíveis, Jean Vidal, s.d.; O Globo, Dirigível:
o futuro de um veículo do passado, David Oestricher (15/05/1974) - Os 50 anos do Zeppelin (20/09/1978); Vasp, História da Aviação/7
(Rev.), s.d.; Wachterl, Joaquim, A História da Lufthansa, Ed. "Deutsche Lufthansa AG", Fed. Republic. of Germany, 1980.
(*) J. Muniz Jr. é jornalista, pesquisador de
História e membro colaborador do Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica (Incaer).
Um dirigível da Marinha dos Estados Unidos (U.S. Navy) também sobrevoou Santos,
presumivelmente entre 1920 e 1935
Foto não datada da Fundação Arquivo e Memória de Santos, in jornal santista A
Tribuna, 9/2/1997
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