Cine Brasília, na Av. Pedro Lessa, no Macuco
Foto: jornal Cidade de Santos, 20/11/1977
Nossa memória cinematográfica
Santos já teve o maior número de cinemas
por habitante do país, época em que o Gonzaga era conhecido como Cinelândia. Mas, apesar das 12 novas salas que serão abertas no Pátio Iporanga, os
tempos são outros.
Cine Brasília, na Avenida Pedro Lessa, agora é supermercado
Foto: acervo de Luiz Carlos Cascaldi
CULTURA
Um passado que não volta
Mauri Alexandrino
Da Redação
Até o final do ano, com
a inauguração do Shopping Pátio Iporanga, na avenida Ana Costa, o Gonzaga passa a abrigar 12 salas de cinema. É uma retomada, mas estamos longe de
reviver a fase dourada dos espetáculos cinematográficos na cidade. Santos já teve o maior número de salas por habitante do país, testemunho do gosto
especial de sua população pelas telonas. Nas últimas décadas, salas tradicionais foram varridas do mapa econômico, cedendo lugar a supermercados,
lojas e até igrejas.
Certamente o número também não será suficiente para devolver ao tradicional bairro santista o carinhoso apelido de Cinelândia, que tinha em outros
tempos. Afinal, isso não decorria só da quantidade de cinemas, mas também da relação de afetividade que se tinha com as salas escuras até o último
quarto do século passado. Cinema era, então, a "sétima arte", um tempo que não volta mais.
Cine Atlântico, na Praça da Independência, ...
Foto: acervo de Luiz Carlos Cascaldi
... virou prédio comercial
Foto: acervo de Luiz Carlos Cascaldi
Era o passeio da família, dos namorados, um motivo para sair de casa e até um lugar para ver
filmes e adquirir cultura, com uma qualidade de imagem e um deslumbramento que não tinham rivais. Discutir filmes neste tempo era corriqueiro, muito
mais que hoje. Havia muitos apaixonados cinéfilos, sempre prontos a disparar autores, atores e atrizes, todo mundo tinha seus favoritos. Diretores
de cinema, principalmente, chegaram a desfrutar de um protagonismo cultural enorme.
É certo que ainda há disso, mas é diferente, como poderá testemunhar qualquer pessoa daquele tempo. Talvez até porque os filmes também mudaram,
acompanhando o tempo e a evolução dos gostos médios dos consumidores. As exceções, que sempre existem, confirmam a regra. Qual o fã de Truffaut, ou
de Antonioni, ou de Fellini ou... que se sente confortável com as correrias explosivas e efeitos especiais onipresentes dos filmes atuais?
Hoje, o cinema é mais um espaço de lazer, competindo pelo escasso tempo de fregueses ávidos.
Agora enfrenta a tevê de alta definição, o DVD, o videogame, a Internet, além dos livros, das rádios e da velha conversa de botequim, seus
tradicionais adversários de sempre. Enfrenta também a comodidade do cidadão, cada vez mais acostumado a que o lazer chegue até ele em casa, de
preferência sem obrigá-lo a levantar da poltrona, e cada vez mais habituado à diversão gratuita ou supostamente gratuita.
Cine Carlos Gomes, na Avenida Ana Costa, 55,...
Foto: Jornal A Tribuna, 26 de janeiro de 1939
... hoje é sede do Sindicato dos Metalúrgicos
Foto: acervo de Luiz Carlos Cascaldi
Mas a mais inglória luta daqueles espaços, que pipocaram como cogumelos na cidade a partir de
1897, foi mesmo com o fim dos espaços na ilha e conseqüente valorização da terra, cerca de 70 anos depois. Mudaram os parâmetros de lucratividade do
espaço ocupado e contra isso as conhecidas fileiras de poltronas em salas enormes e os grandes projetores nada podiam fazer.
Entre aquele início amadorístico e o quase final melancólico em recentíssimo passado, o cinema em
Santos viveu momentos de brilho e inovação. Santos foi, até os anos 50 do século passado, a cidade favorita de lazer da sociedade paulista mais
afluente e isso atraía, como se pode imaginar, todo tipo de inovação que proporcionasse diversão. Foi o grande momento das salas santistas.
Em pleno Estado Novo, por exemplo, em 1940, organizavam-se exibições fechadas de filmes como "O Inimigo Público", com James Cagney, que
haviam sido proibidos pela censura pouco tempo antes. Era coisa tolerada, se ficasse restrita aos dândis paulistanos em suas festanças
exibicionistas: todos eram iguais perante a lei, mas esses eram mais iguais que os outros.
Cine Campo Grande, na Rua Carvalho de Mendonça, 395, ...
Foto: acervo de Luiz Carlos Cascaldi
...hoje abriga um prédio comercial que no térreo sedia a pastelaria Bom Pastel
Foto publicada no Jornal da Orla, na correção feita na edição de 19 e 20/9/2009
Os cinemas espalhavam-se pelos bairros. Os garotos e garotas da época não perdiam as sessões da
tarde de domingo, que iniciava sempre com o seriado que terminava em um momento crucial, em que o herói estava
sempre a um passo da morte certa. Todos sabiam que heróis não morriam, mas quem é que queria
perder a continuação no domingo seguinte? Foram os precursores das novelas e dos seriados de tevê. Sem falar do Jornal da Tela, que trazia,
por exemplo, os melhores gols da rodada do campeonato, em geral com o Flamengo jogando seja lá com quem fosse. Tudo isso foi parar na telinha, como
se sabe.
Mas podia-se acompanhar "Flash Gordon" no Cine Itajubá, no José Menino, bem perto da divisa,
onde hoje está um templo de igreja. Ou então "Os perigos de Nioca", no Cine Macuco, bem ali onde está hoje um supermercado. Ou ver os tiros
de "Roy Rogers" e "Zorro", fossem no Cine Astor, que ficava no Paquetá, onde agora está uma agência bancária, ou no Cine Ouro Verde,
que ficava na Carvalho de Mendonça. Havia cinemas na Vila Mathias, no Centro, no Campo Grande... esparramavam-se por toda parte.
Cine D. Pedro, na Rua Campos Melo, ...
Foto: acervo de Luiz Carlos Cascaldi
... atualmente é um armazém desativado
Foto: acervo de Luiz Carlos Cascaldi
O Cine Caiçara, por exemplo, não existe mais. Ficava na boca da avenida Conselheiro
Nébias, no Boqueirão. Sua capacidade, de 1.800 espectadores, é suficiente para falar de outros tempos. Seus tapetes, estofados luxuosos, metais,
escadarias... Acompanhando o desenvolvimento tecnológico e as novidades da área, os antigos cinemas começaram pequenos, cresceram, tornaram-se
luxuosos, voltaram a ser menores, e passam agora pela volta do luxo em outros moldes, com maior conforto e praticidade. Suas telas também foram
pequenas, depois cresceram, alargaram-se tanto a ponto de serem curvadas, reduziram-se novamente, ganharam em luminosidade e perfeição, e agora se
preparam para o salto à tridimensionalidade.
Disso tudo se conclui que as salas de cinema mudam, mas não desaparecem, como o próprio cinema que, por mais que prosperem os televisores,
continuará sendo produto típico para os prazeres das telas grandes.
Cine Roxy, na Avenida Ana Costa
Foto: acervo de Luiz Carlos Cascaldi
Um caçador de relíquias
Por Felipe Pupo
Apesar de todas as mudanças, ainda existem pessoas que são fanáticas por cinema. É o caso do
professor universitário Luiz Carlos Cascaldi. Um cidadão de Jaboticabal (interior de São Paulo) que se radicou em Santos nos últimos tempos. Para
todos os lugares que viaja, ele não esquece de levar consigo a máquina fotográfica. O professor coleciona fotos de cinema. Apenas na cidade de
Santos, ele guarda um acervo de 433 imagens e agora busca imagens antigas dos cinemas que não existem mais. "O meu objetivo é resgatar a história
que se perdeu ao longo dos anos. Infelizmente, muitos cinemas foram demolidos e ninguém sabe o que aconteceu".
Ele percorre as ruas mais longínquas, vasculha informações em jornais antigos e na internet e conversa com os moradores antigos. Estes, segundo ele,
são as melhores fontes, pois nunca erram. Cascaldi começou a gostar de cinema quando era criança. E essa paixão nunca desapareceu. Ele já escreveu a
biografia "Jerry Lewis, o rei da Comédia". Além disso, coleciona filmes. Até agora possui 1.400 títulos distintos.
"O cinema antigo vivia da qualidade de seus atores. Hoje, vive da tecnologia aplicada na obra. Em
Hollywood, muitos filmes são feitos atrás de um pano verde". Mas ao ser questionado se o cinema perdeu a magia, com a migração das ruas para os
centros comerciais, ele não hesitou. "Não perdeu e nunca vai perder a magia, apesar de todas as mudanças. O cinema proporciona uma experiência
única. Em duas horas, o espectador sonha, visita outros lugares e se encanta". Ele pede para as pessoas, que tenham fotos antigas de qualquer
cinema, entrar em contato pelo e-mail
cascaldi@cta.unesp.br.
Luiz Carlos Cascaldi
Foto: acervo de Luiz Carlos Cascaldi
Cinemas que a cidade já teve
Alhambra - Rua José Caballero (atrás do Iporanga)
Atlântico - Av. Ana Costa, onde hoje é a Galeria 5ª Avenida
Astor (depois Cine Cultura) - Av. Conselheiro Nébias, esq. com a Rua Sete de Setembro
Avenida - Av. Bernardino de Campos, próximo à Rua Carvalho de Mendonça
Bandeirantes - Rua Lucas Fortunato, próximo à Rua Júlio Conceição
Brasília - Av. Pedro Lessa, próximo ao Canal 6
Caiçara - Av. Conselheiro Nébias, próximo à praia
Casino - Dentro do Hotel Atlântico, no Gonzaga
Campo Grande (Ouro Verde) - Rua Carvalho de Mendonça
Carlos Gomes - Av. Ana Costa, hoje Sindicato dos Metalúrgicos
Coliseu - Rua Amador Bueno, esquina com a Rua Brás Cubas
Dom Pedro - Rua Campos Melo, próximo ao Colégio Docas
Glória (depois Cinema 1) - Av. Vicente de Carvalho, próximo à Av. Conselheiro Nébias
Gonzaga (depois Studio I e II) - Av. Ana Costa, hoje estão as Lojas Americanas
Guarany - Praça dos Andradas, esquina com a Rua Amador Bueno
Independência - Avenida Ana Costa, próximo à Praça Independência
Itajubá - Av. Presidente Wilson, próximo ao Caiçara Clube
Macuco - Av. Pedro Lessa, onde hoje é o Pão de Açúcar
Marapé - Av. Pinheiro Machado
Miramar - Av. Conselheiro Nébias
Paratodos - Rua Lucas Fortunato, esquina com a Avenida Ana Costa
Paramount - Rua Visconde de São Leopoldo, esq. com a Rua Vasconcelos Tavares
Popular (depois Cine Cacique) - Av. Rodrigues Alves, próx. à Av. Senador Dantas
Praia Palace - Avenida Ana Costa, onde hoje é o Bingo Gonzaga
Santo Antônio - Avenida Pedro Lessa
Santos Futebol Clube - dentro do Estádio Urbano Caldeira
São Bento - Rua São Bento
São José - Rua Campos Melo, próximo ao Colégio Docas
Cines Iporanga, na Avenida Ana Costa
Foto: acervo de Luiz Carlos Cascaldi
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