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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - CINEMA
O cinema em Santos (17-b)

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Em 1978, o cineasta Aloysio Raulino dirigiu o filme Porto de Santos, recuperado em 2009 com alta qualidade pela Cinemateca Brasileira e disponibilizado pelo internauta José Mojica em 7/4/2015 na rede social Youtube (acesso: 21/2/2016). Vistas do porto e seus trabalhadores, das catraias, do navio sinistrado Ais Geogius, da Ilha Diana, divertimentos diurnos e noturnos (com a famosa Boca de Santos e sua gente), a cidade e o estuário. Clique >>aqui<< ou nas imagens abaixo para obter o arquivo em formato MP4, com 19'17" e 266 MB:
 

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Imagens: fotogramas de O Porto de Santos

Sobre o filme, o site da Associação Brasileira dos Críticos de Cinema (Abraccine) (acesso: 21/2/2016) reproduziu este comentário, em um perfil de Aloysio Raulino:
O som e a fúria

Por Luís Alberto Rocha Mello (originalmente publicado na Filme Cultura 58 – jan/mar de 2013)

Em diversas ocasiões, Aloysio Raulino definiu a câmera como uma extensão de seu próprio corpo. Três curtas-metragens dirigidos e fotografados por Raulino nos anos 1970 e restaurados em 2009 pela Cinemateca Brasileira – Lacrimosa, O tigre e a gazela e Porto de Santos – confirmam essa íntima relação do cineasta com a fotografia: são ensaios audiovisuais que arrebatam o espectador pela força das imagens. Mas o intuito aqui não é falar desses três curtas a partir da fotografia, e sim de um outro elemento com o qual Raulino também soube lidar de forma admirável: o som e seus múltiplos significados políticos.

Lacrimosa (correalizado com Luna Alkalay, 1970) é certamente aquele que traduz com maior dramaticidade o clima de asfixia imposto pela ditadura. Compõe-se de um longo travelling de carro pela Marginal Tietê, então recém-aberta, e de vários planos tomados em uma favela, na periferia de São Paulo. O clima chuvoso torna a paisagem ainda mais desoladora.

Na favela, crianças circulam pelo lixo; um morador canta algo para a câmera, em close. Mas não ouvimos a sua voz. Assim como não ouvimos nenhum som proveniente da favela ou da rodovia. A pista sonora é uma longa faixa de silêncio, quebrada aqui e ali por excertos musicais – entre eles, uma canção latina e o Réquiem de Mozart, especialmente o trecho "Lacrimosa", usado em dois breves momentos que não ocupam mais do que 30 segundos. O silêncio é soberano – mas desafiado ao final pela canção chilena Paloma pueblo, de Ángel Parra: "Han muerto tantas palomas/de mil formas y colores/pero a la paloma pueblo/no hay muerte que la aprisione."

Já nesse filme, portanto, insinua-se a importância da canção popular – embora cantada em outra língua – como forma de resistir e desobedecer. Seis anos depois, em O tigre e a gazela (1976), essa estratégia será aprofundada. Na faixa sonora, ainda persistem os momentos de longo silêncio. Mas eles disputam lugar com ritmos percussivos, batucadas, fragmentos de música erudita e textos de Frantz Fanon narrados por um locutor off.

Aqui, a música popular brasileira ganha maior relevância, quase sempre ressignificando as imagens. Por exemplo, quando a bela Salve linda canção sem esperança, de Luiz Melodia, dialoga com planos documentais de operários e populares em situações de ócio. Ou ainda quando a latina Pablo nº 2 (Festa), de Milton Nascimento, é surpreendentemente combinada à coreografia dos passistas de uma escola de samba.

Não só a trilha sonora se diversifica como provém de várias origens: fonogramas, locução gravada em estúdio para o filme e – o que é mais significativo – a voz na rua em som direto. Em dois momentos, uma mulher negra, talvez moradora de rua, rosto inchado pelo álcool, aparece cantando aos berros. No primeiro, ela canta o samba Salve a Princesa Isabel: "Todo negro pode ser doutor/Deputado, senador/Não há mais preconceito de cor". No segundo momento, ela grita o Hino da Independência. Para além do sentido irônico que o filme empresta a essas músicas, importa o gesto libertador de cantar, aqui reforçado pelo uso do som direto em sincronismo – presente apenas nessas duas passagens.

Em Porto de Santos (1978), o som diegético parece ainda mais pronunciado. Mas se trata de uma ilusão: os sons que ouvimos destacam-se com frequência da imagem referencial. A trilha sonora compõe-se de trechos de música instrumental (Entre dos aguas, com Paco de Lucía), muitos ruídos (embarcações, docas, ambiente praiano, gaivotas, ondas de rádio, boates na noite santista) e vozes gravadas em som direto. Além disso, a locução off também cumpre uma função irônica: uma voz feminina, didática e impessoal, fornece breves dados históricos sobre a cidade de Santos.

O espaço para o silêncio agora é mínimo, quase se reduz aos fades sonoros. O ruído, a voz e a música parecem ter enfim conquistado o direito à expressão – jamais como ilustração das imagens, e sim contraponto, elementos de criação poética. Daí o total assincronismo (falas desconectadas das imagens) ou a sincronização apenas aparente. Daí também um novo sentido dado à música popular. Na cena mais marcante de Porto de Santos, a que mostra um operário ou caiçara dançando de sunga a canção Amante latino (cantada por Sidney Magal), temos a síntese dessa nova postura defendida por Raulino: a música (posta sobre a imagem) não apenas como instrumento de denúncia, mas também como espaço do prazer e da sensualidade.

Do silêncio cinzento à alegria do canto e da dança, um novo entendimento da palavra "política". Ou, como diz Fanon em um dos letreiros de O tigre e a gazela: "Apesar de toda a sua técnica e de sua potência de fogo, o inimigo dá a impressão de chafurdar e desaparecer pouco a pouco na lama. Nós cantamos, cantamos."


Aloysio Raulino

Imagem: detalhe de foto publicada com o texto

Reprodução parcial de verbete da enciclopédia virtual Wikipedia sobre Aloysio Raulino (acesso: 21/2/2016):
Aloysio Albuquerque Raulino de Oliveira (Rio de Janeiro, 1947 - São Paulo, 18 de maio de 2013) foi um cineasta e diretor de fotografia brasileiro.

Biografia - Radicado em São Paulo desde a adolescência, formou-se em cinema com a primeira turma da ECA-USP, em 1970. Ainda na escola, dirigiu seus primeiros curtas-metragens, sendo que "Retorna, vencedor" (1968) recebeu Prêmio Especial do Júri no Festival JB. Com "Teremos infância" (1974) foi premiado no Festival de Oberhausen na Alemanha e no Festival de Bilbao na Espanha, além de ter recebido o Prêmio Governador do Estado de São Paulo como melhor curta-metragem do ano.

Em 1973, foi um dos fundadores e tornou-se o primeiro presidente da Associação Brasileira de Documentaristas. Ainda nos anos 1970, presidiu a Associação Paulista de Cineastas.

Em 1982, concluiu seu único longa-metragem como diretor, "Noites paraguaias", que ele próprio descreveu como uma "narrativa de caráter poético-tragicômico, que procura demonstrar a similitude das culturas dos dois países que têm em comum sua origem pré-colonial".

Estreou como fotógrafo no longa "Cristais de sangue" (1975), de Luna Alkalay, do qual foi também produtor e co-roteirista. A partir daí, especializou-se como diretor de fotografia, função que exerceu em mais de um centena de filmes, sendo pelo menos 30 longas-metragens, como "O homem que virou suco" (1981), "O baiano fantasma" (1984), "Cartola - música para os olhos" (2006), "Cafuné" (2005), etc.

Recentemente, foi finalista do Prêmio Academia Brasileira de Cinema de 2003 pela fotografia do documentário "O prisioneiro da grade de ferro", de Paulo Sacramento e ganhou o prêmio de Melhor Fotografia no Festival de Gramado de 2006, por "Serras da desordem" de Andrea Tonacci. Em 2011 realizou a direção de fotografia do longa metragem "Anna K.", filme que teve sua estreia nos cinemas em 2015.

Numa madrugada de maio de 2013, foi encontrado morto, provavelmente em consequência de uma parada cardiorrespiratória, numa rua da Vila Madalena, bairro da zona oeste de São Paulo, onde vivia há mais de 40 anos.

Filmografia como diretor:
2009: "Celeste" (curta)
1995: "São Paulo - cinemacidade" (curta, co-dir. Regina Meyer e Marta Grostein)
1994: "Puberdade" (curta)
1991: "Como dança São Paulo" (vídeo)
1985: "Inventário da rapina" (curta)
1982: "Noites Paraguaias" (longa)
1981: "A morte de um poeta" (curta)
1980: "O tigre e a gazela" (curta)
1978: "Porto de Santos" (curta)
1974: "Teremos infância" (curta)
1972: "A santa ceia" (episódio do longa "Vozes do medo")
1972: "Jardim Nova Bahia" (curta)
1970: "Arrasta a bandeira colorida" (curta)
1970: "Lacrimosa" (curta, co-dir. Luna Alkalay)
1969: "Rua 100, New York" (curta)
1968: "Retorna, vencedor" (curta)
1967: "São Paulo" (curta)
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