UM DOS ÚLTIMOS REDUTOS DA ALMA CAIÇARA - Um povoado simples, com 52 casas e belas paisagens
naturais, às margens do Canal do Estuário. Um local tranqüilo, onde não há carros ou caminhões e que fica a 20 minutos de barco do Centro de
Santos. Esta é a Ilha Diana, um dos bairros da Área Continental do Município e um dos últimos redutos da cultura caiçara no Litoral de São Paulo.
Imagem: reprodução parcial da primeira página de A
Tribuna de 12/7/2010
Reduto da cultura caiçara
Com 250 habitantes, bairro tem estilo que contrasta com a vida urbana. Em seu
território, não há carros, nem caminhões. Por enquanto.
Tatiana Lopes
Da Redação
O
ruído de carros e caminhões do Porto de Santos, aos poucos, vai ficando para trás. À medida que a embarcação se afasta do atracadouro, prevalece o
som do encontro da proa com o mar. Os 20 minutos de viagem, com belas paisagens naturais, são suficientes para desacelerar o ritmo frenético do
dia a dia. Mas a principal recompensa está no destino final: a Ilha Diana, um dos últimos redutos da cultura caiçara no Litoral Paulista.
Ao desembarcar na pequena ilha, de 29 mil 463 metros
quadrados, avistamos um povoado simples, com casas rústicas, pequenos barcos de pesca amarrados no píer, pescadores preparando suas redes,
crianças correndo pelas poucas ruas de terra ou se refrescando no mar.
A tranqüilidade e a calmaria do lugar, localizado na foz
do Rio Diana, na área continental da Cidade, contrastam com a barulhenta Santos urbana da parte insular. Lá na ilha, o tempo demora mais a passar.
A
maioria dos 250 habitantes das 52 residências descende de cinco antigas famílias de pescadores, que ali se estabeleceram após a construção, na
década de 40, da Base Aérea de Santos, cuja ocupação foi feita no lugar onde essa comunidade vivia.
Nesse pedaço de Santos, cidade com uma das maiores
frotas de veículos [do] País, não circulam carros, motos ou caminhões. Até porque o acesso ao local é feito somente pelo mar, por pequenas
embarcações.
Mas não se sabe até quando essa paz deve durar. Os
moradores ainda desconhecem quais serão os impactos, para o pequeno povoado, da construção do terminal portuário da Empresa Brasileira de
Terminais (Embraport), em uma área de 800 mil metros quadrados, entre a Ilha Diana e a Ilha Barnabé.
Acesso pelo mar – A maioria dos moradores e
visitantes utiliza a barca mantida pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) para fazer a travessia entre a ilha e a área insular da Cidade.
A estação de embarque fica atrás do prédio da Alfândega,
na Praça da República, no Centro. Com capacidade para 45 pessoas, além da tripulação, a barca tem horários fixos de saída, que variam de acordo
com o dia da semana.
A passagem custa R$ 0,50 (ida e volta) e a viagem leva
de 20 a 30 minutos, com parada na Base Aérea de Santos.
Infra-estrutura – Na ilha, não há muita
infra-estrutura. Atualmente, a energia utilizada no local é cedida pela Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp). Embora o fornecimento
para o bairro não seja responsabilidade da estatal, na década de 80, atendendo a uma solicitação da comunidade local, a Codesp estendeu,
excepcionalmente, uma linha de transmissão para servir aos moradores.
O problema é que os habitantes da ilha sofrem com quedas
diárias de energia. Também é comum a mudança de voltagem provocar a queima de aparelhos eletrônicos, como geladeiras, chuveiros e televisões.
"A energia oscila muito porque o cabo passa por baixo da
água e chega com a potência menor do que deveria", explica o administrador da Regional da Área Continental, Cláudio Trovão.
Segundo ele, existe um projeto de distribuição de
energia elétrica pela CPFL, para as residências e as áreas públicas da ilha. "A intenção é que a rede de iluminação do local esteja pronta até o
final do ano".
Por outro lado, a ilha conta com um posto de saúde e uma
escola de ensino fundamental, a Emef Rural da Ilha Diana. E há poucos anos teve início a limpeza urbana e a coleta de lixo.
No ano passado, foram construídas uma brinquedoteca e
uma biblioteca, melhorias previstas em termo de cooperação entre a Embraport e a Prefeitura. "Este ano ela está nos ajudando a construir um novo
atracadouro e um aterro em uma área pública", disse Trovão. Na seqüência, a Prefeitura irá construir uma cozinha comunitária e reformar a escola.
Já a Embraport está executando o projeto paisagístico para a ilha.
PERSONAGEM
Adriano da Silva Alves – 65 anos
Foto: Nirley Sena, publicada com a
matéria
Conhecido como o prefeito da Ilha Diana, o
mestre-de-obras Adriano conta que ajudou a construir boa parte das moradias da pequena comunidade e a conseguir escola, a capela, a policlínica,
assim como algumas melhorias para o local. Nascido em Iguape, chegou ao vilarejo há 50 anos, quando tinha apenas 17 anos de idade, para trabalhar
em uma empresa de saneamento. Lá, casou-se duas vezes e teve 4 filhos e 10 netos, quase todos ainda moram por ali. "Quando cheguei não tinha nada
aqui. Nem água, nem luz. Lutamos muito para conseguir o que temos hoje. Acho que fui mandado por Deus ou por Bom Jesus de Iguape", brinca o
mestre-de-obras, que não troca a ilha por lugar nenhum do mundo. "Aqui é um sossego, um paraíso. Não tem roubo, assalto, nada dessas coisas. A
gente vive tranqüilo, em paz. As crianças ficam soltas, não tem perigo".
As pequenas embarcações serem de meio de transporte e de vida...
Foto: Nirley Sena, publicada com a
matéria
... para a população, que é composta principalmente por pescadores
Foto: Nirley Sena, publicada com a
matéria
Ocupação começou na década de 30
A primeira família a fixar residência na Ilha Diana foi
a de Antônia Bittencourt de Souza, em 1934.
Aos 93 anos de idade, dona Dina, como Antônia é
conhecida entre os moradores, lembra com carinho da época em que chegou ao local, acompanhada do marido, da mãe e do padrasto. "Não tinha nada
aqui. Só mato", conta.
Como não conseguia levar adiante suas gestações, ela
adotou seis filhos, que lhe deram quatro netos e três bisnetos. Para sustentar a família, ela e o marido retiravam marisco do mangue para vender.
Apesar de estar viúva há 28 anos, nunca quis ter outro
companheiro. Todos os dias ainda conversa com o retrato do marido, que fica na cabeceira de sua cama. "Nos conhecemos quando eu tinha 13 anos e
ele, 23. Foi amor à primeira vista. Três anos depois, estávamos casados".
A história do casal parece até roteiro de cinema. "Um
dia acordei com uma angústia. Eram 6 horas da manhã e ele já estava no píer para pegar o barco. Corri atrás dele e chamei-o de volta para casa.
Fiz café e depois o beijei".
Dina precisava falar com o marido. Colocar para fora
tudo o que estava guardado em seu peito. "Disse: te amo, te adoro, te venero e vou te amar até o fim da minha vida. Quero morrer antes de você e
quero que cuide dos nossos filhos. Horas depois dessa confissão, ao voltar da pescaria, ele caiu morto nos meus pés".
Até agora, já são 76 anos de vida na ilha, e Dina nem
pensa em sair de lá.
Aos 93 anos, dona Dina nem pensa em trocar a ilha pela área insular
Foto: Nirley Sena, publicada com a
matéria
Potencial de turismo será explorado
Há pelo menos 10 anos, a Prefeitura tem planos de
aproveitar melhor o potencial turístico da Ilha Diana.
O objetivo da Administração Municipal é promover o
Turismo Ecológico e Científico, mas de forma controlada, a exemplo do que ocorre em Fernando de Noronha.
Para isso, está sendo construído um recanto
paisagístico, com canteiros e um viveiro, com espécies ornamentais nativas, como orquídeas e bromélias.
As plantas dos jardins estão sendo resgatadas das áreas
que serão suprimidas para a construção do terminal. As obras também fazem parte do termo de cooperação entre Prefeitura e Embraport. O local
conservará ainda uma área de mangues, a primeira unidade da região.
"Seria bom que fosse criada uma linha específica, com
visitas monitoradas, como as feitas pela linha Conheça Santos", disse o administrador da Regional da Área Continental, Cláudio Trovão.
Atualmente, a ilha é freqüentada por centenas de
visitantes somente em agosto, durante a festa de Bom Jesus da Ilha Diana, padroeiro da comunidade por conta dos primeiros moradores que vieram de
Iguape.
Com mais de meio século de tradição, os festejos são
organizados pela Catedral e Sociedade de Melhoramentos do Bairro, e este ano terão o patrocínio da Embraport. Após a festa, a capela será
reformada pela Prefeitura.
Durante as celebrações, os visitantes podem provar
pratos típicos do vilarejo caiçara, como o azul-marinho, que é preparado com peixe e banana com casca em uma panela de ferro.
Programas – As ações promovidas pela Embraport
para a comunidade da Ilha Diana estão inseridas em três programas ambientais aprovados pelo Ibama.
Um deles trata da capacitação dos pescadores e do apoio
logístico a colônias e federação de pesca.
Outro projeto visa produzir conhecimento científico
sobre a arqueologia e história da área, contribuindo com a cultura nacional e valorizando os aspectos culturais da região.
Já o programa de comunicação social tem o objetivo de
apoiar todos os programas ambientais empreendidos pela empresa, além de estabelecer um elo entre o empreendimento e os vários públicos com quem se
relaciona.
Faz parte desse programa a publicação mensal que visa
informar sobre os acontecimentos de cada etapa da implementação do terminal e criar um canal de comunicação direto com as comunidades de
pescadores.
Recanto paisagístico tem canteiros e viveiro de plantas nativas
Foto: Nirley Sena, publicada com a
matéria |