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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SEU BAIRRO/mapa
O Centro, esquecido e abandonado (2)


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Publicado em 3/3/1983 no jornal A Tribuna de Santos

 Leda Mondin (texto) e equipe de A Tribuna (fotos)

Em outros tempos, Santos era simplesmente o que a gente conhece por Centro hoje em dia.  história do bairro, portanto, se confunde com a própria história da cidade. Nessa reportagem, fazemos um retorno ao passado, à época do Lagamar de Enguaguassu. E vamos além: mostramos o que é o Centro hoje, com todo o seu corre-corre e abandono.


Esta é a Santos que Benedito Calixto retratou em 1890: 
poucas ruas, casas baixas e sobrados, além das margens lodosas do estuário

Feche os olhos e imagine estar em pleno Lagamar de Enguaguassu.

Vamos explicar melhor: feche os olhos e imagine estar em pleno Centro do século XVI. Tudo não passa de uma porção de terra inculta, despovoada e salpicada de brejos, fértil e de excelente água. Se preciso for delimitar a área, basta dizer que corresponde exatamente aos limites do Centro que conhecemos hoje: Rua São Bento e Rua da Constituição, desde a Avenida São Francisco até a Rua Xavier da Silveira.

Justamente no chamado Enguaguassu se instalaram os fundadores do povoado, Domingos Pires e Pascoal Fernandes. Mais tarde, por volta de 1540, Braz Cubas começa a adquirir terras e se instala junto ao Outeiro de Santa Catarina. Disposto como ele só, edificou uma capela dedicada a Nossa Senhora da Misericórdia e mandou construir um hospital - O Hospital dos Santos. O nome da Cidade teria surgido graças ao hospital, segundo dizem os pesquisadores da história santista. O pessoal que se dirigia para ele costumava dizer "vou para o hospital dos Santos", expressão logo simplificada para "vou para Santos". Com o tempo, a palavra Santos passou a designar não só o hospital, mas as terras onde habitava Braz Cubas.

Homem esperto também, esse Braz Cubas! Percebeu que o amplo estuário oferecia uma proteção e tanto aos navios e conseguiu que o porto fosse transferido da foz do Rio Santo Antônio do Guaibê para Enguaguassu. Estava mais do que dado o ponto de partida para a formação da vila. E nossa Santos passa a ser oficialmente uma vila a partir de 1º de novembro de 1546, quando Braz Cubas proclama a independência do "Povoado do Porto de Santos" da Capitania de São Vicente.

Houve até um ato solene naquela data: o padre Gonçalo Monteiro benzeu o prédio da Casa do Conselho e Braz Cubas fez o discurso do alto do pelourinho que edificou, entre o estuário e o terreno onde mais tarde surgiria a Casa do Trem. E só 294 anos depois Santos seria elevada à categoria de cidade.

Em meados do século XIX, casario miúdo e casarões de austera fachada - Outra grande festa do passado de Santos ocorreu a 18 de setembro de 1846, quando ninguém menos que Dom Pedro II inaugurou o Chafariz da Coroação, no Largo da Coroação (hoje Praça Mauá). Em meio a muita música, foguetório e alegria, o imperador subia a escadaria com uma caneca de ouro na mão, para se servir da água que vinha da famosa Fonte do Itororó. Mas, ao invés de água, jorrou vinho, e do bom. Era a surpresa (ou milagre) reservada pelo cidadão português Silva Braga.

Como se não bastasse, prepararam outra homenagem para Dom Pedro. Quase no final da cerimônia, um garoto se aproximou e recitou, em voz alta: "Atirei um limão n'água/De tão maduro foi ao fundo/Todos os peixinhos gritaram/Viva Dom Pedro II". O tal versinho, com algumas pequenas modificações, continua até hoje na boca da molecada. Entrou para o nosso folclore.

Falando-se assim, em tamanha festa onde vinho jorra da torneira, parece que Santos já era uma cidade e tanto. Mas, em uma planta feita por Jules Martin, em 1878, reproduzida mais tarde por Ribs, aparecem apenas 20 ruas, praticamente traçadas a esmo junto ao estuário.

Telas de Benedito Calixto, datadas de 1890, apontam outros detalhes. Casario miúdo e sobradões de austera fachada se misturavam, dominando a paisagem. Para os lados do porto, improvisados trapiches de madeira serviam para o embarque e desembarque de mercadorias. Só as embarcações menores se aproximavam das margens do estuário: as maiores ficavam fundeadas ao largo.

Uma rua sinuosa acompanhava a linha de preamar e nela se distinguiam os sobrados que serviam ao mesmo tempo de escritório e de armazém para os comerciantes da época. E não era pequeno o número de carroças e escravos que circulavam de um lado para outro, com enormes fardos nas costas. Outro detalhe: as margens lodosas do estuário apareciam e desapareciam com as marés. Alguns trapiches - toscas armações de troncos e tábuas - às vezes avançavam 30 metros águas adentro.


Imaginem só: este lugar nada mais é do que a Rua Xavier da Silveira, vista no final do século XIX

Praia do Consulado, Largo da Banca e Quatro Cantos, pontos famosos e marcantes - A construção dos cais e a paulatina canalização dos rios e ribeirões que cruzavam Santos aos poucos foi acabando com o aspecto insalubre da área. O cais, principalmente, teve grande influência no crescimento do núcleo: com o fim dos trechos de mangue, os terrenos começavam a ser muito disputados, tanto para a construção de casas comerciais como de moradias. As casas importadoras e exportadoras se instalavam o mais próximo possível do cais e o poder público também procurava construir seus edifícios nessas áreas.

É uma Santos dominada por casario baixo e, apesar de em 1880 já se constatar um forte comércio importador e exportador, o porto não funciona unicamente às custas do trabalho braçal: grandes carroças transportavam as sacas de café até o cais e o processo de embarque propriamente dito se dava graças à força dos homens.

Devagar e sempre, Santos crescia. E o Centro passou por muitas modificações até ficar com o aspecto que se conhece hoje. Um ponto tradicional era o chamado Quatro Cantos, formado pelos quatro ângulos dos prédios que ocupavam as esquinas das atuais Rua XV de Novembro e Rua Frei Gaspar. Para se ter uma idéia, a Frei Gaspar de outros tempos era conhecida como Beco do Inferno ou Rua Suja.

A Praia do Consulado foi outro ponto importante do passado de Santos. Ficava onde atualmente se encontram a Praça Azevedo Júnior e o Largo do Vergueiro, e lá havia uma ponte de atracação de cargueiros, o consulado inglês, a recebedoria da província e a banca de peixe.

Por causa dessa tal banca de peixe, o trecho entre a atual Praça Azevedo Júnior e o começo da Rua Riachuelo ficou conhecido como Largo da Banca. Uma história e tanto tem esse largo, basta saber que não faltavam botecos e nem pinga, e que as brigas aconteciam de meia em meia hora.

O Hotel Madrid - de alta rotatividade, como diríamos hoje - predominava em meio às dezenas de barracas instaladas por pequenos comerciantes. Comerciantes que não pagavam impostos e transformavam o local em uma imensa feira.

Na época das eleições, o pessoal se juntava por ali para discussões e debates. Não faltavam nem os lavradores de sítios das imediações, que ofereciam o voto em troca de terno de brim amarelo, chapéu e botina amarela bico 44. Tudo posto à disposição por meio de vales do Palais Royal. Conhecido o resultado, o partido vencedor nunca deixava de promover uma passeata festiva, com a banda musical de Luís Arlindo da Trindade.


Enquanto a antiga Cia. Docas não construiu o cais,
o porto era dominado por trapiches como estes, da Praia do Consulado

Na Rua XV, o movimento do comércio cafeeiro: por perto, o Carnaval - E como esquecer a Rua XV de Novembro? A chamada Wall Street Santista concentrava não só os numerosos escritórios de café e estabelecimentos bancários, como também o Palácio da Bolsa do Café. A antiga Direita foi a principal rua de Santos noutros tempos, não apenas devido à movimentação ligada ao comércio cafeeiro, mas pela riqueza dos que nela residiam e mantinham estabelecimentos comerciais. Ostentava cinemas, era servida por bondinhos puxados a burro e os engraxates não tinham um minuto de sossego quando se instalavam em seus meios-fios.

A Rua XV não é mais aquela, assim como só restaram lembranças de tantas outras coisas. Hoje em dia, nem se fala mais em casas de banho, mas em outras épocas representaram papel muito importante. Havia uma na Praça dos Andradas, 25, denominada Ao Cisne Santista, e outra na XV de Novembro, 7, com capacidade para fornecer 20 banhos diários.

A imponente agência de correio do Largo do Rosário (Praça Rui Barbosa) sucumbiu em um incêndio, e o pelourinho do Pátio do Carmo foi destruído pelo povo logo após a Proclamação da República, em 1889. Não existem nem vestígios da antiga igreja matriz, que ficava em frente ao prédio da Alfândega (construído em 1880) e muito menos da Capela de Jesus, Maria e José, na Rua Tuiuti.

O primeiro mercado municipal, conhecido por As Casinhas, ocupava velho prédio entre as ruas Meridional e Setentrional, que, anos depois, destruídas, vieram a formar a Praça da República. Nem o Arsenal da Marinha, na Praça Barão do Rio Branco, foi preservado.

José Pascon, que conheceu o Centro anos atrás, lembra-se de algumas casas comerciais tradicionais, como a Guanabara, a Confeitaria do Rosário, o Anjo Barateiro, a Mercearia Natal, a Casa Aia e o chalé de loteria dos Irmãos Rago. Mais algumas: Tipografia Peixinho, Casa das Novidades e Ao Camiseiro. E quem não se lembra do Paisano, que teve a brilhante idéia de afixar placas com os resultados dos jogos, na Praça Rui Barbosa? Mais popular só o Zé Macaco, que até hoje perambula pelas ruas do Centro, com a sua parafernália barulhenta. Uma figura marcante na infância de muita criança.

Um toque bem saudosista surge nas palavras de Laura Abrantes Prado, que participou da "festa muito linda", comemorativa do Centenário da Independência, na Praça Rui Barbosa. Em 1927, outra festa marcante: o povo se reuniu na Praça da República, para saudar o aviador João de Barro, que chegava no Jaú.

Ainda conforme recorda dona Laura, no carnaval montava-se um palanque na Praça Rui Barbosa e as moças e rapazes dançavam ao redor, formando um cordão. Sem contar o corso com inúmeros blocos para lá de animados (As Miss, os Lenhadores, X-9, Brasil, entre outros) e criativos carros alegóricos da Brahma, Antárctica e Souza Brito. As ruas ficavam tão cheias de confetes e serpentinas que precisavam ser varridas várias vezes.

A Banda do Corpo de Bombeiros proporcionava às famílias que passavam pela Praça José Bonifácio, nos fins de semana, "as mais belas e alegres páginas musicais", e a Catedral nem comportava todos os fiéis interessados em participar da Via Sacra, na Semana Santa. Igualmente concorrida era a "procissão do encontro". durante a madrugada. Imaginem! A Praça José Bonifácio tomada de gente, e durante a madrugada! Coisa mesmo de outros tempos.


O Largo do Rosário (atual Praça Rui Barbosa) e a antiga agência do Correio

Veja as partes [1] e [3] desta matéria
Veja Bairros/Centro

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