Seu Antônio (à direita) não joga muito bem, mas, apesar dos 83 anos, pula carnaval
Um passeio por vielas e becos
Que coisa mais gostosa é andar pelas ruas da Vila Belmiro,
descobrir suas vilas e becos, conhecer sua gente e seu modo de viver. Andar sem destino, esquecer-se da hora, recolher a sensibilidade que resiste
aos novos tempos e perceber a doce rotina típica de pequenas cidades.
Os carros velozes estão só nas grandes ruas e avenidas. Vamos, pois, sair delas, descobrir o sossego, os
quintais e as praças. Ver crianças brincando de pega-pega, avós com o olhar perdido num ponto qualquer e cachorros se enroscando nas pernas do
dono que acaba de chegar.
Está para quem quiser ver: nos dias de sol, os paralelepípedos refletem a luz, brilham e enchem de poesia as
sinuosas vielas; nos dias de chuva, as árvores ganham nova vida, mas os passarinhos fogem delas para procurar abrigo nos cantos dos telhados.
São cenas de um bairro onde vivem mais de 17 mil pessoas. Um bairro que, embora a maioria desconheça, vai até a
Avenida Ana Costa e não se resume à área ao redor do Estádio Urbano Caldeira. Seus limites são dados pelas ruas Carvalho de Mendonça e Joaquim
Távora, avenidas Ana Costa e Pinheiro Machado.
Essa que é a Vila mais famosa do mundo, graças ao Santos Futebol Clube e ao Pelé, pode se orgulhar de um
patrimônio bem respeitável, que inclui nada menos que dois hospitais: o Santo Antônio (da Sociedade Portuguesa de Beneficência), imponente, bonito
e inaugurado festivamente a 1º de dezembro de 1926, e o São Lucas, sempre em ritmo de crescimento.
Isso sem falar nas escolas estaduais Primo Ferreira e Azevedo Júnior, que abrigam mais de 10 mil alunos nos
diferentes períodos: na EMPG Olavo Bilac, a maior e melhor cotada escola da rede municipal; e no Externato Santa Rita, por onde passaram milhares
de alunos em seus mais de 40 anos de existência.
Sobrados geminados nesse bairro de becos e muitas vielas - Mais interessante do que conhecer qualquer
estatística oficial a respeito de ocupação, é constatar que pelo menos 70 por cento dos moradores da Vila Belmiro vivem em casas geminadas,
espalhadas por praticamente todas as ruas, em maior ou menor quantidade.
Os tipos são os mais variados, e vão desde sobradinhos enfileirados nas calçadas, sem os tradicionais jardins na
frente, até moradias bem pitorescas, com pequenas sacadas no 1º andar. Há construções mais simples, outras com janelas e portas em forma de arco,
mil frisos, flores e detalhes em gesso.
Na confluência das ruas Mariz de Barros e Marquês de Olinda forma-se um tipo de largo, bem espaçoso, onde as
crianças podem brincar à vontade. A Praça Benedito Júnior, por sua vez, não tem característica de praça. Fica escondida no fim da Viela Monsenhor
Rizzo e abriga seis sobradinhos geminados.
Na Vila Maria de Lourdes, as árvores e folhagens dos bem cuidados jardins emolduram as fachadas das casas,
enquanto os becos Particular Antônio Bento e Araguaia parecem parados no tempo, de tão sossegados que são.
E, certamente, não existe em Santos qualquer lugar que se assemelhe ao Largo Ranulfo Prata: trata-se de uma
praça, cortada ao meio pela Rua Antônio Carlos, que é bem estreita. As casas, quatro de cada lado, ficam recuadas, de modo que a praça passa a ser
uma extensão dos quintais. O morador sai de casa e não está imediatamente na rua ou na calçada, mas na praça cheia de árvores e passarinhos.
A rua estreita e os casarões da década de 40 contribuem para dar um toque bem peculiar àquele pedacinho da Vila
Belmiro. Só que, como um primeiro sinal do que está por vir, há um "intruso" no logradouro. Trata-se de um prédio classe média, que ficou pronto
há seis meses e destoa totalmente da arquitetura característica do recanto.
Se anos atrás os chalés davam lugar a prédios de no máximo três pavimentos, hoje a realidade é outra. Basta
citar o Edifício Ouro Verde, na Avenida Bernardino de Campos, que surgiu sobre os escombros do tradicional Cine Avenida.
Na Rua Antônio Bento já há quatro prédios de cinco pavimentos, um ao lado do outro. Na Dom João VI, com Carvalho
de Mendonça, está sendo edificado um desses de se perder de vista. E, pelo que se percebe, outros surgirão muito em breve, porque os corretores
andam por lá, tentando convencer as pessoas que viver em apartamento é maravilhoso e dá status. As imobiliárias não compram os terrenos:
oferecem em troca apartamentos no futuro edifício.
A feira livre, o Bloco Bola Alvinegra e o bate-papo dos velhinhos - Apesar dessas mudanças que sempre
comprometem a qualidade de vida, a Vila Belmiro ainda é um bairro muito bom para se morar. Tem farmácias, um posto de abastecimento do Sesi,
padarias (a São João, há quanto tempo não serve aos moradores?), casas de massas, sapatarias e até daquelas mercearias bem tradicionais, com sacos
de arroz e feijão amontoados nos cantos e miudezas espalhadas pelas prateleiras. E é lá que se realiza uma das maiores e melhores feitas de
Santos: as barracas ocupam a Rua Álvares Cabral, cruzam a Praça Olímpio Lima e se espalham pelos lados da Rua Princesa Isabel.
Falando-se em Vila Belmiro, também não se pode esquecer uma de suas glórias: o Bloco Bola Alvinegra. É o único
bloco que que participa do desfile oficial e nunca concorreu a prêmios, porque os diretores querem apenas pôr os 350 figurantes na rua para
alegrar o povo. E conseguem, pois não há quem não se entusiasme com as fantasias caprichadas e a bateria comandada pelo carioca Bulau.
E um ambiente alegre e festivo faz parte da rotina do Lanches Chega Mais, que fica em frente ao estádio do
Santos. Lá, velhinhos aposentados se reúnem para jogar dominó, conversar e contar piadas.
Tão bom quanto vê-los assim, alegres e descontraídos, feito crianças, é bater um papo com "seu" Antônio, um
velhinho de 83 anos "e sete meses", como faz questão de acrescentar. Não é bom jogador de dominó, mas um carnavalesco de passar a perna em
qualquer rapazola de 20 anos. Freqüenta os bailes do Santos e se confessa o mais animado do salão. Sempre pula com mulheres (no ano passado foi
visto com quatro, duas de cada lado) e confessa que já tentou roubar a namorada do amigo Paschoal. No último sábado de Aleluia, "pintou o diabo",
como dizem os amigos. Resultado: amanheceu na Beneficência Portuguesa, morto de dor nas costas. |